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Em voto seguido à unanimidade pela 2ª Turma de Direito Penal do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, presidida pelo Desembargador Rômulo Nunes, o Desembargador relator Leonam Gondim da Cruz Jr. conheceu e deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Pará contra decisão da Vara Criminal de Tucuruí, e acatou denúncia contra Washington Luís Araújo Almeida por discriminação de pessoa em razão de sua deficiência – transtorno do espectro autista.

Na noite de 12 de julho de 2024, durante sua pregação no evento alusivo aos 90 anos da Igreja Assembleia de Deus em Tucuruí (PA), o pastor Washington Luís Araújo Almeida afirmou: “Hoje, a cada cem crianças que nascem, nós temos um percentual gigantesco de pessoas e ventres manipulados, visitado pela escuridão que distorce ainda no ventre. As crianças hoje, de cada cem, nós temos aí quase que 30% de autistas em vários graus. O que que está acontecendo, pastor Washington? O diabo tá visitando o ventre das desprotegidas, daqueles que não têm a graça, a habilidade, a instrumentalidade pra saber lidar no mundo espiritual, e ele só procura os vulneráveis, os desassistidos.” (sic)

As palavras do pastor horrorizaram a plateia e ofenderam todas as mães atípicas, tanto que a Sra. Genilza Sousa da Silva, mãe de autista e presidente do Ideasp – Instituto de Defesa, Desenvolvimento e Apoio à Pessoa com Autismo do Sudeste do Pará, procurou a Delegacia de Polícia Civil e registrou o BO nº 00083/2024.100481-2, em decorrência das falas preconceituosas e capacitistas proferidas pelo pastor, requerendo às autoridades providências.

O MPPA agiu de pronto, mas o juiz rejeitou a denúncia, entendendo que as falas, ainda que “ainda que moralmente censuráveis e proferidas no exercício da atividade pastoral, não podem ser interpretadas como dolosas ou intencionais a ponto de caracterizar uma violação penal. E que qualquer tentativa de censura judicial sobre pregações religiosas deve considerar o contexto histórico, cultural e espiritual, sob pena de violar o direito fundamental à liberdade religiosa.

Observando que houve apreciação precoce do mérito pelo Juízo de Tucuruí, o desembargador Leonam Cruz Jr. frisou que restaram feridos os princípios constitucionais de respeito à dignidade da pessoa humana e da igualdade, e que ao agir dessa forma o denunciado discriminou as pessoas com transtorno do espectro autista, estabelecendo tratamento desigual, diferenciando-as das demais pessoas pelo fato de sua condição neurodivergente, associada a influências demoníacas que supostamente ocorreriam ainda no ventre materno.

Enfatizando a gravidade, o desembargador relator acentuou, também, que na ocasião, na qualidade de líder religioso, o pastor Washington pregou para aproximadamente cinco mil pessoas que o assistiam presencialmente no evento, transmitido ao vivo pelo canal oficial do YouTube da Igreja organizadora, sendo sua fala ainda divulgada na rede social (Instagram), ganhando repercussão nacional.

“Cumpre destacar que a abordagem sobre deficiência e espiritualidade deve ser feita com responsabilidade e respeito, especialmente quando tratada em contextos religiosos. No capítulo 9 do Evangelho de João, Jesus, ao curar um homem cego de nascença, refuta expressamente a ideia de que a condição do homem fosse resultado de pecado ou maldição. Quando questionado pelos discípulos sobre quem teria pecado, se o homem ou seus pais, para que ele nascesse cego, Jesus respondeu: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas isso aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (João 9:3). Tal passagem reflete uma visão acolhedora e inclusiva, desassociando qualquer deficiência de interpretações preconceituosas, discriminatórias ou relacionadas a questões espirituais que culpabilizem os indivíduos ou suas famílias. Ao agir assim, Jesus ensina que as limitações físicas ou psicológicas não são decorrência de uma suposta intervenção”, fulminou o voto do magistrado relator.

Confiram o vídeo do pastor e o voto do desembargador Leonam Cruz Jr.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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