Publicado em: 4 de junho de 2025
O Ministério Público Federal (MPF), nesta terça-feira, 3 de maio, entrou com uma ação na Justiça Federal que pede a suspensão imediata e a anulação do contrato de compra e venda de créditos de carbono firmado entre o governo do Pará e uma coalizão estrangeira de governos e empresas multinacionais. A motivação central é a ilegalidade no modelo de venda antecipada dos ativos ambientais e violação dos direitos de povos e comunidades tradicionais, que não teriam sido consultados conforme exige a legislação brasileira.
O processo nº 1025858-14.2025.4.01.3900 também mira a União e a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (Caapp), exigindo que a Justiça impeça o estado de atuar diretamente com certificadoras internacionais antes que seu sistema de mercado de carbono esteja aprovado e legalmente validado. O MPF pede ainda a exclusão temporária do Pará da lista de entes elegíveis para receber pagamentos por carbono no país.
Segundo a ação, o contrato firmado pelo governo estadual contraria frontalmente a legislação que regula o mercado de carbono no Brasil, que veda expressamente a comercialização antecipada de créditos ambientais. Além disso, o Ministério Público aponta que não houve a realização da consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas que vivem nas áreas abrangidas pelos projetos de compensação de carbono.
O MPF sustenta que os povos tradicionais não foram adequadamente informados sobre a proposta, tampouco participaram da fixação do preço do crédito, estipulado em US$ 15 por tonelada. Essa quantia, segundo os procuradores, é considerada baixa frente ao valor de mercado e pode pressionar comunidades vulneráveis a aceitarem acordos sem o devido esclarecimento dos riscos e impactos.
Além da anulação do contrato, o MPF pede que o Estado do Pará seja condenado ao pagamento de R$ 200 milhões por danos morais coletivos. O valor, segundo a ação, se refere ao uso indevido de recursos ambientais oriundos de territórios tradicionais, sem respeito à autodeterminação dessas populações.
Outro ponto sensível é uma cláusula do contrato que prevê que a coalizão estrangeira responsável pela coordenação da iniciativa deve ser ressarcida pela garantia de venda em caso de litígios com autoridades brasileiras. Para o MPF, esse dispositivo subverte a soberania nacional ao tentar blindar interesses privados de futuras decisões judiciais.
A ação também denuncia a existência de pressões institucionais para que o sistema de mercado de carbono do Pará seja aprovado a tempo da 30ª Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP30), que acontecerá em novembro de 2025 em Belém. Segundo o MPF, esse cronograma acelerado tem causado tensão entre as comunidades tradicionais, que estão sendo convocadas a opinar sobre um mecanismo que mal compreendem e cujos termos já foram definidos unilateralmente.
O MPF argumenta que o processo de consulta está sendo conduzido de forma apressada, sem garantir o tempo necessário para que os povos envolvidos possam refletir e decidir com autonomia. Como resultado, já há registros de divisões internas, enfraquecimento de organizações locais e agravamento da insegurança jurídica sobre os territórios afetados.
Também nesta última terça-feira, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) promoveu uma audiência de conciliação sobre o caso. O encontro foi solicitado pelo governo do Pará e pela Caapp, que pleiteavam a suspensão de uma recomendação emitida em abril por MPF e MPPA (Ministério Público do Estado do Pará), orientando pela anulação do contrato.
No entanto, o MPF se recusou a conciliar, reafirmando que sua atuação está ancorada no cumprimento da Constituição e da legislação ambiental e indigenista. A instituição se baseou no roteiro interno elaborado para orientar procuradores sobre a atuação no mercado de carbono, que alerta para riscos de fraudes, grilagem de carbono e descumprimento de salvaguardas socioambientais.
Esse guia de atuação estabelece como princípios fundamentais a proteção do território, a repartição justa dos benefícios, a transparência nos contratos e, sobretudo, o respeito ao direito de consulta livre, prévia e informada, elemento considerado essencial em qualquer acordo que envolva áreas de uso tradicional ou impacto direto sobre modos de vida ancestrais.
O caso representa um precedente de grande relevância para o debate sobre a regulamentação do mercado de carbono no Brasil. À medida que estados amazônicos buscam monetizar ativos ambientais em acordos com o setor privado e investidores internacionais, cresce também o escrutínio sobre a legalidade e a legitimidade desses contratos, especialmente quando envolvem povos e territórios historicamente marginalizados.
A ação do MPF também lança luz sobre o desafio de estruturar uma economia de baixo carbono sem repetir práticas extrativistas e neocoloniais. A COP30 será uma vitrine global para o Brasil e o caso do Pará pode virar símbolo de avanço ou de retrocesso, dependendo da resposta institucional que será dada a essa denúncia.
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