Publicado em: 3 de junho de 2025
Apesar das mortes
De suas ruínas
Ouso escrever o sonho
Que refaz o mundo
E cai sobre minhas mãos vazias
Perdemos o medo de pousar sobre o desconhecido. Não mais reconhecemos o movimento sutil das estações extasiadas. Nem sequer nos rendemos à beleza desmedida das flores, deixando de pôr os pés sobre o mistério e ver que a primavera revolve os mortos da voragem do inverno. Deixamos de ver que tudo entontece na vertigem das flores.
Devíamos nos pensar como pensam as árvores que se tocam no interior da terra e respiram umas pelas outras. E se alimentam umas pelas outras. E se molham no choro do céu. E bebem da chuva que, de queda em queda, assim como sua folhagem, muda de cor.
Vivemos a ideia de um tempo cuja dimensão é tão frágil quanto a consciência humana. Nossa caminhada é ancorada no fio de uma realidade aparente. Mas, nada é real no que pensamos. Miramo-nos em espelhos do que fomos, achando que somos o reflexo de tudo que morreu. Mas nada está morto. Tudo vive num ponto do espaço-tempo. No entanto, é a ideia da morte que empurra a vida.
Tudo vive no antes, vive no depois que forjamos e vive no agora. Embora o agora seja uma impossibilidade humana. Pois que atrás da vida há outra vida. À frente há outra vida a ser fundada pela palavra que ainda há de acontecer. Algo embrionário que ainda não tem nome. Algo assim como a água dispersa no cosmo que ainda se expande em silêncio voraz.
O humano não se dá conta do outro portanto, não se dá conta de si. O humano perdeu de ver o assombro dentro do assombro que é toda vida da qual não se deu conta que faz ínfima parte.
Haverá dias que o humano olhará para o céu quase em desespero. O céu estará, a cada dia, mais baixo e mais prenhe de queda. A cada noite, o chão estará mais perto do céu.
A vida esse instante, refém do humano esse abismo.
O céu em queda.
O humano, a cada instante, menos assombro e mais abismo. À espera de outro céu
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