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Recebi, via e-mail, com pedido de publicação, a seguinte nota das entidades de defesa dos direitos humanos:

“Após 14 anos de luta, foi condenado pelo Tribunal do Júri do Pará o mandante do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho. O latifundiário e madeireiro Décio José Barroso Nunes, o Delsão, foi sentenciado a 12 anos de prisão por crime de homicídio duplamente qualificado. Esse resultado foi possível graças à coragem de testemunhas que, mesmo ameaçadas, concordaram em contribuir com a Justiça. A decisão do júri fortalece o enfrentamento aos crimes praticados contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais, especialmente no Estado do Pará. 

O sindicalista Dezinho foi assassinado em 21 de novembro de 2000. Welington, autor dos disparos, foi preso em flagrante por populares logo após o crime. Foi condenado a 27 anos de prisão, mas, autorizado a passar um feriado de final de ano em casa, nunca mais retornou para cumprir a pena. Os intermediários do crime Igoismar Mariano e Rogério Dias tiveram suas prisões decretadas, mas nunca houve interesse da polícia em prendê-los. No ano passado, dois outros acusados de terem participação no crime (intermediário e mandante) foram julgados mas foram absolvidos. 

Ao longo dos anos a tramitação do processo sempre foi marcada por situações nebulosas e mal explicadas que favoreceram o poderoso madeireiro e fazendeiro Delsão. Quando foi preso preventivamente em 30 de novembro de 2000, Delsão passou apenas 14 dias na prisão, pois foi beneficiado por uma liminar do então Desembargador Otávio Maciel, numa situação inusitada. Quando os advogados de Delsão ingressaram com o pedido, o HC foi distribuído para a Desembargadora Yvone Santiago. Estranhamente, os advogados desistiram daquele HC e protocolaram um segundo HC que desta vez foi distribuído para o desembargador Otávio Maciel. O desembargador, contrariando a sistemática do Tribunal, deferiu o pedido de liminar sem solicitar informações da juíza de Rondon que tinha decretado a prisão preventiva do fazendeiro. Graças a esse artifício, Delsão foi colocado em liberdade apenas 14 dias após ter sido preso. 

Na conclusão da instrução do processo, a então promotora do caso Lucinere Helena, que respondia temporariamente pelo MP em Rondon, requereu a impronúncia de Delsão, mesmo com provas contundentes de participação de Delsão no crime. Acompanhando este absurdo posicionamento, o então juiz da Comarca, Haroldo da Fonseca, impronunciou o acusado Delsão. A assistência de acusação ingressou com recurso e o Tribunal de Justiça do Pará cassou a decisão do juiz e determinou que o fazendeiro fosse julgado pelo tribunal do júri. 

Com o desaforamento do processo da comarca de Rondon para a comarca de Belém, foi então marcado o julgamento. Mais uma vez fomos surpreendidos pela decisão de vários promotores de se negarem a fazer a acusação do fazendeiro no julgamento. Após as sucessivas e injustificáveis recusas a escolha do promotor que concordou em assumir o processo só ocorreu 15 dias antes do julgamento, na véspera de um feriadão. Um processo complexo, com quase 4 mil páginas. Felizmente o promotor indicado, apesar do curto espaço de tempo, cumpriu sua missão na condenação do fazendeiro.

Durante a sessão do tribunal do júri, no dia 29/04, o Juiz Moisés Flexa, que coordenou os trabalhos, tentou durante todo o tempo desqualificar o trabalho do promotor, da assistência e o depoimento das testemunhas de acusação. Mesmo frente a essa situação constrangedora, os jurados, por 4 votos a 3 decidiram pela condenação do fazendeiro. Após a leitura da sentença, o juiz, mais uma vez, surpreendeu e indignou a todos os presentes: a condenação foi por homicídio duplamente qualificado, o qual a pena mínima é de 12 anos e máxima de 30 anos. Inexplicavelmente, o juiz definiu a pena em 12 anos e ignorou as qualificadoras. 

Lamentamos ainda que o Sr. Juiz do feito, no julgamento anterior do fazendeiro Perrucha e no Julgamento de Delsão, tenha afrontado os advogados assistentes de acusação Dr. Marco Apolo e Fernando Prioste (da SDDH e entidade de Direitos Humanos Terra de Direitos respectivamente), criticando indevidamente e colocando em dúvida a atuação profissional e conhecimento técnico destes advogados. Ao afirmar, por exemplo, que todas as perguntas feitas à viúva de Dezinho eram periféricas, o Sr. Juiz desqualificou não só as perguntas, mas também as respostas de uma testemunha ocular do crime e que por anos tem buscado justiça mesmo sob constantes ameaças. 

Na verdade, afora os acontecimentos inusitados deste caso específico, está colocado o desafio de buscar o fim da impunidade em uma história marcada por uma questionável ligação de parcela do Estado Brasileiro e de suas instituições com o poder do latifúndio. O Poder Judiciário, O Ministério Público, e os órgãos do sistema de segurança pública ainda devem respostas efetivas às centenas de crimes cometidos contra trabalhadores rurais e suas lideranças, cujos processos, inacreditavelmente, muitas vezes são extintos pela prescrição e não pela prestação jurisdicional. 

Conclamamos ainda as instituições competentes a investigar os outros crimes relatados descritos nos depoimentos prestados nessa última sessão do Júri que tratam de execuções contra ex-trabalhadores das fazendas do fazendeiro condenado. 

A história do Pará e do Brasil envolve centenas de personagens, como os mais de oitocentos trabalhadores rurais assassinados em nosso Estado nos últimos trinta e cinco anos. Mesmo com tudo isso, a condenação do mandante da morte do sindicalista Dezinho é uma vitória contra a violência e a impunidade no campo. 

Belém/Rondon do Pará, 30 de abril de 2014. 

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará – FETAGRI
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará
Comissão Pastoral da Terra – CPT 
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Comitê Dorothy
Justiça Global 
Terra de Direitos”
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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