Publicado em: 3 de abril de 2025
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou na última segunda-feira, dia 31 de março, uma nova manifestação à Justiça Federal para reforçar o pedido de anulação da licença ambiental concedida à hidrovia Araguaia-Tocantins, no Pará. A solicitação complementa ação judicial movida pelo órgão em 2023 e argumenta que a decisão judicial de fevereiro deste ano, embora tenha acolhido parcialmente os pedidos do MPF, ignorou pontos centrais da ilegalidade do processo de licenciamento ambiental, comprometendo os direitos de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos da região.
A obra, coordenada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), prevê a derrocagem (explosão de rochas) no trecho conhecido como Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins, além de dragagens (retirada de bancos de areia) em outros dois trechos do rio. Segundo o MPF, o licenciamento foi conduzido de forma fragmentada, omitindo os efeitos cumulativos do empreendimento como um todo, o que infringe normas ambientais brasileiras e compromete a avaliação real dos impactos socioambientais.
Na nova manifestação, o MPF detalha que a licença prévia concedida abrange não apenas a derrocagem do Pedral do Lourenço, mas também obras de dragagem em outros pontos do rio, o que contradiz o entendimento da Justiça, que havia considerado apenas a explosão das rochas. Para o MPF, o licenciamento fracionado é ilegal, pois impede uma análise integrada dos impactos ambientais da hidrovia.
Outro ponto fundamental é a existência de comunidades tradicionais afetadas, que foram ignoradas na decisão judicial. Embora o próprio Dnit tenha informado, no processo de licenciamento, a presença de ribeirinhos, indígenas e quilombolas na área de impacto direto, a sentença de fevereiro concluiu equivocadamente que não havia populações tradicionais no trecho do Pedral.
O MPF também destacou que o diagnóstico de impacto apresentado pelo Dnit, que deveria ter sido construído com participação efetiva das comunidades, foi feito de forma unilateral. Uma associação que representa vinte e seis comunidades ribeirinhas relatou ao MPF que não foi consultada nem convidada a colaborar, violando o princípio da Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Apesar de o licenciamento ser apresentado como voltado a intervenções pontuais na navegabilidade do Rio Tocantins, o MPF aponta que o empreendimento é, na verdade, parte de um projeto logístico amplo: a implantação da hidrovia Araguaia-Tocantins, ligando o porto de Belém (PA) à região do Alto Araguaia (MT).
Essa conexão é confirmada pela existência de estruturas como a eclusa da Usina de Tucuruí, cuja licença de operação foi concedida ao Dnit, e pelos portos instalados em Barcarena, na foz do Tocantins. Ou seja, segundo o MPF, o projeto já possui os elementos essenciais de uma hidrovia, e a dragagem e derrocagem apenas unem esse corredor logístico, cujos impactos precisam ser analisados de forma abrangente e não fragmentada.
O MPF também pediu à Justiça que sejam aplicadas as resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelecem diretrizes para o julgamento de ações que envolvem direitos de comunidades quilombolas, indígenas e povos tradicionais, sob a perspectiva do protocolo racial, garantindo a autoidentificação, a consulta prévia e o diálogo intercultural.
A ausência dessas diretrizes na decisão judicial de fevereiro, argumenta o MPF, compromete a fundamentação legal da sentença e os direitos dos grupos diretamente afetados. O órgão também solicitou que a ação seja julgada com prioridade, em consonância com o Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Sustentabilidade, que estabelece a necessidade de agilizar julgamentos envolvendo temas climáticos e ambientais.
Em agosto de 2023, o MPF ingressou com ação contra o Dnit, o Ibama, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), denunciando que o processo de licenciamento havia ignorado a Consulta Prévia e a comprovação da viabilidade socioambiental do projeto.
Em fevereiro de 2024, a Justiça reconheceu parcialmente os argumentos do MPF e determinou a realização de diagnósticos específicos sobre a pesca tradicional e a proibição de novas licenças até que estudos complementares fossem realizados. A Funai e o Incra também foram impedidos de endossar novas licenças enquanto os impactos às suas comunidades não forem devidamente estudados.
No entanto, o MPF recorreu em 28 de fevereiro e novamente em 31 de março, apontando omissões, erros e contradições na sentença que precisam ser corrigidos para garantir a proteção ambiental e os direitos das populações tradicionais.
Foto em detaque: Pedral do Lourenço (Antonio Cavalcante/Ascom Setran-PA)
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