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Um movimento tem dado que falar na Alemanha: as “Vovós Contra a Extrema Direita” (Omas gegen Rechts). Formado em 2018 e inspirado em uma iniciativa austríaca parecida, o grupo tornou-se conhecido pela sua resistência pacífica em defesa da democracia e dos direitos humanos. As mulheres consideradas idosas aparecem em manifestações contra grupos extremistas de direita, organizando atos contra o populismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia, e realizando vigílias mensais. Sua atuação tem chamado a atenção do público nos últimos meses, à medida que a Alemanha demonstra um aumento significativo de discursos ultradireitistas.

O que motiva essas mulheres a se mobilizarem é o temor de um ressurgimento de um governo de extrema direita, um fantasma que a história alemã conhece bem. Elas agem com o intuito de evitar uma repetição de 1933 (ano em que Adolf Hitler ascendeu ao poder), com os movimentos extremistas de direita ficando cada vez mais visíveis. As “Vovós contra a Extrema Direita” veem paralelos entre os atuais movimentos ultradireitistas e o passado sombrio da Alemanha, e querem garantir que as gerações futuras, assim como a sua, não tenham que questionar por que os mais velhos nada fizeram diante do avanço do extremismo.

Desde a primeira atividade do grupo, um protesto contra uma marcha neonazista, as “vovós” passaram a sofrer com ataques e insultos cada vez mais agressivos. As ameaças vão além das palavras: nomes das ativistas foram incluídos em “listas negras” organizadas por grupos neonazistas, que expõem supostos “inimigos”, e que podem ser um prelúdio para intimidações mais graves, como a pichação de casas e ameaças diretas. Um episódio em dezembro de 2023 ilustra a hostilidade enfrentada por elas: um neonazista sugeriu, em um discurso público, que as “vovós” fossem estupradas por requerentes de asilo. Diante dessas situações, as ativistas tomam cuidados redobrados e evitam usar qualquer coisa que as identifiquem quando estão sozinhas. A precaução se intensificou após o assassinato de Walter Lübcke, político da União Democrata Cristã (CDU), morto por um extremista de direita em 2019 por causa de suas posições pró-refugiados.

Além de Berlim, o movimento das “Vovós Contra a Extrema Direita” está presente em mais de 70 cidades da Alemanha e suas preocupações se estendem para além das fronteiras alemãs. Elas apontam que a ascensão da extrema direita é um fenômeno global, alimentado por crises sociais e econômicas. Esse descontentamento é manipulado por esses partidos, que usam a frustração popular para ganhar apoio. A difamação da imprensa tradicional e a disseminação de fake news são vistas pelas ativistas como um dos fatores que contribuem para a popularidade de discursos extremistas. A desconfiança nas instituições democráticas é um caminho perigoso, que pode desestabilizar as conquistas sociais e políticas das últimas décadas.

Apesar das ameaças e do ambiente cada vez mais polarizado, as vovós encontram apoio e simpatia nas ruas. O movimento é uma forma de resistência, mas também de resgate pessoal do ativismo. Muitas dessas mulheres tiveram um histórico de engajamento político que, em algum momento da vida, foi interrompido. Com o surgimento do grupo, elas redescobriram o poder de sua voz. Recentemente, o grupo conseguiu uma importante vitória: pressionou o banco Berliner Volksbank a encerrar uma conta utilizada pelo partido AfD para arrecadar doações. A petição, assinada por mais de 30 mil pessoas, levou à suspensão da conta, embora o banco não tenha confirmado publicamente a decisão, alegando sigilo bancário. Mesmo assim, o episódio é visto como um exemplo do impacto que movimentos de base podem ter no enfrentamento à extrema direita.

Como é fácil de imaginar, nem todas as integrantes das “Vovós Contra a Extrema Direita” são avós de verdade, mas todas compartilham a experiência de vida e a determinação de deixar um mundo melhor para as gerações futuras. O movimento dessas senhoras é um símbolo de coragem em tempos de incerteza e um exemplo de que, mesmo diante de adversidades, é possível resistir e lutar por um futuro melhor, mantendo vivo o espírito de solidariedade e justiça. O passado não pode ser esquecido e a história serve de alerta: o silêncio diante do extremismo tem um custo alto demais para ser pago novamente.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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