Victor Hugo já dizia que a música “é o verbo do futuro. A música está em tudo. Do mundo sai um hino”.
Quando o avião pousou em Santarém era julho.
O sol flamejava no firmamento colorido de papagaios a guinarem no azul daquela manhã.
Tomei o taxi do meu amigo e companheiro de serviço militar, o Rui, filho de um dos mais tradicionais motoristas de taxi da cidade, o Moa.
Já estavam me esperando para as audiências da manhã.
Entrei apressado e fui fazer a necessária concentração para iniciar o trabalho do dia.
Vinha tirar as férias do excêntrico doutor Reinaldo Teixeira, um dos mais dignos e competentes magistrados que já passaram pela Justiça do Trabalho, no Pará.
Dias após, o Tribunal mandou para tentativa de conciliação um Dissídio Coletivo que envolvia o Sindicato dos Estivadores.
Dr. Arthur Seixas, Presidente na ocasião, telefonou-me pedindo o máximo de empenho para conseguir um acordo, que estava sendo uma solução bastante difícil.
Iniciada a audiência, os representantes de ambas as partes nem se olhavam de tanta animosidade. Tentei argumentar, persuadir, o tempo passando e meus esforços estavam sendo inúteis.
Foi quando tive a ideia salvadora. Lembrei-me do cidadão que ocupava a presidência do sindicato há bastante tempo. Mandei chamar o tal dirigente sindical.
E quase nem demorou. O segurança me perguntou se o homem que estava de bermudas, camisa aberta no peito, mãos sujas e calejadas, calçando sandálias podia entrar na sala de audiências.
Autorizei, ele entrou e foi logo dizendo, surpreso:
- Oi, Zé, tu por aqui, mano?
Se alguém ali na sala de audiências estava esperando que eu me zangasse por não ser tratado de “Excelência” e outros salamaleques, enganou-se. Respondi:
- Fala Anselmo, mandei te chamar. Entra aqui no meu gabinete.
Levei-o para o ar condicionado, onde trocamos um afetuoso abraço, tomamos cafezinho, conversamos sobre amenidades. Em seguida chamei a parte contrária também e resolvemos a pendência. Quando voltamos à sala de audiências o preposto do sindicato nos esperava “com cara de mau”.
Ele chamou o dito cujo e disse:
- Pode fazer tudo o que o Zé mandar. É pra fazer acordo!
Aquele foi um dos momentos mais felizes que já tive como profissional do Direito.
Lembrei-me com uma doce saudade da Filarmônica Professor José Agostinho (meu avô), onde toquei desde menino, das procissões, dos desfiles cívicos sob sol e chuva, das tocatas no Coreto e constatei que a amizade pode ser duradoura e, com certeza, tem o poder de ajudar a fazer a paz entre os seres humanos de boa vontade.
Quando ia saindo meu amigo recomendou:
- De noite não esquece o ensaio da banda!
Fui deixá-lo na porta da saída, com todas as honras de estilo. Afinal de contas, não é todo dia que um Trombonista Estivador e um Saxofonista Juiz se encontram na Justiça do Trabalho para resolver um Dissídio Coletivo.
Cheio de utopia fiquei imaginando que a vida seria melhor se todos os litigantes e julgadores tivessem tocado em uma Banda de Música
*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.
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