Publicado em: 3 de julho de 2025
Um estudo recém-publicado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e parceiros faz um alerta grave sobre a crescente fragilidade da floresta amazônica frente aos incêndios florestais repetidos e intensos. O artigo, intitulado “Resiliência da floresta amazônica inferida de mudanças induzidas pelo fogo nos estoques de carbono e na diversidade arbórea”, foi publicado na revista científica IOPscience e revela que a Amazônia pode estar perdendo sua capacidade natural de recuperação (a chamada resiliência) diante da escalada do fogo, especialmente no sul do bioma.
Os resultados foram obtidos a partir de uma década de experimentos conduzidos na Estação de Pesquisa de Tanguro, localizada em Querência, no Mato Grosso, uma zona de transição entre os biomas Amazônia e Cerrado. Essa região tem sido especialmente afetada pelas mudanças no uso da terra, avanço da fronteira agrícola e aumento da temperatura, tornando-se uma espécie de laboratório natural para avaliar os efeitos cumulativos do fogo sobre a floresta.
A pesquisa foi baseada na aplicação de quatro tratamentos experimentais em parcelas de floresta, com o objetivo de simular diferentes cenários de queimadas:
- Controle não queimado: nenhuma intervenção com fogo;
- B1: uma queimada de baixa intensidade, ocorrida apenas uma vez, em 2016;
- B2: duas queimadas, em 2013 e 2016, caracterizando a repetição;
- B2+: também duas queimadas (2013 e 2016), porém com adição de combustível (folhas e galhos secos), aumentando a intensidade das chamas.
As conclusões são contundentes: nas parcelas B2 e B2+, a diversidade de espécies e o número de árvores começaram a declinar já em 2014, com um agravamento significativo após a segunda queimada, em 2016. No cenário mais extremo (B2+), a mortalidade de árvores foi até cinco vezes maior em relação às áreas intactas.
“Quanto aos incêndios com alta intensidade, que é o caso simulado na B2 +, o impacto é muito maior, tanto para a diversidade de espécies quanto na mortalidade, que afeta diretamente o estoque de carbono presente na biomassa aérea das espécies que estão nesse ambiente”explica Leonardo Maracahipes-Santos, pesquisador do IPAM e um dos autores do estudo.
A resiliência ecológica – ou seja, a capacidade da floresta em se recuperar de distúrbios naturais ou antrópicos – é um atributo essencial dos ecossistemas amazônicos. Contudo, segundo os autores, esse potencial está se deteriorando frente a um ciclo vicioso de queimadas mais frequentes e intensas.
As alterações identificadas entre 2014 e 2024 foram classificadas como “mudanças graduais” na composição de espécies, que afetam desde plantas pioneiras até árvores de grande porte. Isso tem implicações diretas sobre o equilíbrio climático global, já que a floresta é um dos maiores estoques de carbono do planeta.
O estudo também aponta que, com o avanço das mudanças climáticas, há tendência de aumento nas cargas de material combustível seco, o que torna o cenário B2+ cada vez mais provável.
“É provável que as mudanças climáticas aumentem a frequência e a duração das secas severas nas florestas tropicais, o que pode amplificar as cargas de combustível e, potencialmente, aumentar a intensidade e a gravidade dos incêndios futuros”, alerta o artigo.
A pesquisa evidencia que mesmo florestas consideradas resilientes podem colapsar ecologicamente se submetidas a um regime contínuo e extremo de fogo. Com projeções que indicam que até 16% das florestas do sudeste da Amazônia poderão ser afetadas por incêndios nas próximas décadas, os autores concluem que é incerto se a floresta conseguirá manter suas funções ecológicas sob tais pressões.
Entre essas funções estão a regulação do clima, a conservação da biodiversidade, o ciclo hidrológico e a manutenção da vida de comunidades tradicionais, todas elas ameaçadas por um cenário que une degradação ambiental e negligência política.
Como resposta, os pesquisadores defendem a adoção urgente de estratégias preventivas de manejo do fogo, com ênfase no monitoramento contínuo e de alta resolução para antecipar focos de incêndio, a criação de zonas-tampão entre áreas de preservação e regiões de agricultura extensiva, o reforço das políticas de comando e controle ambiental, investimento em restauração ecológica nas áreas já degradadas e articulação entre ciência, comunidades locais e gestores públicos.
A pesquisa do IPAM destaca ainda a importância de reconhecer o papel da Amazônia não apenas como vítima do colapso climático, mas como protagonista nas soluções globais, desde que seja protegida e manejada com responsabilidade.
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