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Eu estava batendo bola na praia, como fazia quase todas as tardes, quando me deram a notícia de que Jânio Quadros havia renunciado.
Que maneira mais esquisita de se receber uma novidade dessas, não?
Alguém disse que tinha ouvido pela Voz da América.
Mas não quero aqui falar de política. Vou assuntar sobre coisas mais amenas.
Na década de sessenta, as praias da orla de Santarém ainda não haviam sido assassinadas e ainda se falava em jacarés por baixo do Trapiche.
Da Coroa de Areia até a Prainha era um praião só.
Todo mundo sabe que no futebol de praia do pescoço pra baixo, tudo é canela.
Se o jogo era vespertino, quando a Usina de Luz do Tio Cazuza apitava, às seis da tarde, começava a festa. Alguém gritava:
-“Arria a macaca!”
E tome porrada, chute na barriga, na costa, no peito.
Afinal de contas, “futebol era coisa pra homem!” Ninguém queria abandonar o campo de guerra.
Lá em casa minha mãe já ficava preparada com arnica, mertiolato, esparadrapo, andiroba, copaíba, sebo de carneiro e outros remédios milagrosos pra curar as contusões da batalha.
As peladas de praia na gostosa Santarém de outrora tinha até plateia e torcida.
A prefeitura mandou espalhar uma porção de traves pela beira-rio.
Ao entardecer de todo dia e nos fins de semana o jogo de bola ajudava a fazer o encanto do verão santareno, quando a água do rio baixava.
O primeiro gestor, além de colocar as traves, mandou que se formassem diversas equipes para disputar um campeonato.
O troféu seria guaraná e cerveja, no Bar Mascote.
O time dele era o Praiano, onde eu era um esforçado lateral direito.
Já adivinharam quem era o alcaide mocorongo, naquela época? Era médico e possuía um enorme carisma. Quando passava na rua cumprimentava todo mundo e era muito estimado. Pena que nos deixou de maneira tão trágica.
Mas eu falava de peladas futebolísticas na praia. Então vamos continuar.
Para terem uma ideia da importância do futebol de praia, na época, basta dizer que os craques dos principais times da cidade, São Francisco, São Raimundo, Fluminense, América e outros eram convocados, de vez em quando, para reforçar o time do prefeito nas emergências, já que ele não gostava de perder.
Tive a honra de uma vez bater pelada com o Manoel Maria, que começou a carreira no São Raimundo e na época jogava pelo Santos de Pelé. Ele estava de férias na cidade.
Ali, o futebol imenso que ele jogava, quase nem aparecia, pois nada mais democrático do que a areia para nivelar craques e jogadores sofríveis.
Jogávamos muitas vezes em pleno sol do meio dia, sem sentir a quentura da areia, o braseiro do sol e sem reclamar da bola molhada e pesada.
Certa manhã domingueira o futebol, mais uma vez, corria solto ali perto do finado Trapiche.
Lá pelas tantas um cidadão de maneiras elegantes veio chegando, passou o bronzeador, estendeu a toalha no chão e sentou-se para aproveitar aquele jardim das delícias que a praia e o sol propiciavam.
Nem precisou de muito tempo. Uma bola toda lambuzada de areia, veio que nem bala de canhão e bateu nas costas do refinado veranista, que como já adivinharam, não era da cidade.
O forasteiro levantou-se, segurando a pelota e perguntou:

  • Quem chutou esta bola?
    Da pelada participavam cidadãos respeitáveis na cidade e moleques de rua.
    Ninguém respondeu. Silêncio total.
    Um garoto criou coragem:
    -Foi uma boa bicuda, não foi, mestre?
    O turista, já irritado, tornou a indagar:
  • De quem é esta porcaria? Esta cidade não tem prefeito?
    Na mesma hora alguém apontou com o dedo:
  • O prefeito?… Tá bem ali… é aquele ponta-esquerda, de bigodinho. Ele é o dono do time e da bola!
    Foi uma gargalhada geral.
    Na mesma ocasião o Praiano do prefeito Everaldo Martins contratou, de improviso, para aquela manhã de futebol de praia o novo “zagueiro” que estava de passagem por Santarém e que no sol do meio-dia corria em ziguezague, que nem cobra na areia quente.
    Nos pés, as unhas quebradas e uma bolha só. Nas canelas de quem não estava acostumado, a marca dos pisões.
    Quando o jogo acabou fomos tomar banho nas águas gostosas do Tapajós.
    Afinal de contas, “nunca vi praias tão belas, prateadas como aquelas do torrão em que nasci…”
    O poeta tem razão.

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

José Wilson Malheiros
Magistrado do Trabalho Aposentado, Advogado, Músico, Poeta, Compositor, Instrumentista, Professor, Jornalista, Diácono e Escritor.

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