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Antes de vir para a capital, passei dois meses como juiz na Vara de Óbidos, no interior do Pará.

Foi um grande prêmio que recebi.

Nunca esqueci aqueles banhos no igarapé do Curuçambá.

O sábado nos abria as comportas do paraíso: sol, vento, guaribas berrando na mataria ao redor, o canto dos pássaros, peixe fresquinho, pescado e assado na hora, cervejinha no ponto, tudo era tranqüilidade de se esquecer do mundo e aproveitar a vida.

Mordomia mais apurada do que o melhor dos hotéis de Paris. Nem precisava geladeira. Bastava enfiar as garrafas na areia do fundo.

A água fria nos banhava de felicidade.

Uma vez por dia lá vinha ele chegando para perto das pessoas, na maior sem-cerimônia, receio nenhum. Era só ficar batendo a colher no prato.

Não sei se o nosso convidado tinha algum nome. Na verdade, era um grande comilão, esse peixe-boi. Adorava restos de comida e cosquinhas na costa.

Depois saía de mansinho e sumia no fundo d’água. Acho que era solteirão, pois andava sempre sozinho.
…E a gente de bubuia, naquele doce fazer nada, curtindo a natureza e a vida.

Engarrafamentos no trânsito, buzinas, poluição, paletó, gravata? Nem pensar.

Elevadores apertados e atrasados, pressa, relógios, síndicos, sinais de trânsito, assaltos? Esquece!

Ar condicionado, memorandos, protocolos, carimbos, shopping-center, roupas de grife, uísque falsificado, lutas pelo poder? Nem pensar!

Não que eu seja avesso às coisas modernas e às comodidades do mundo atual. Mas, no meio da natureza, qual a utilidade disso tudo?

A vida, por ali, caminha em linha reta, sem as curvas e contorcionismos da cidade.

Vez ou outra a gente precisa de um refúgio desses. E haja sol, água deliciosa, bons papos, paisagem etc.
O nosso amigo manatim (peixe-boi) havia sumido já fazia algumas horas. Só voltaria no dia seguinte, para esperar a colher no prato e a comilança.

Portanto, não poderia ser ele que se aproximava.

E não era mesmo. Levamos o maior susto.

Há poucos metros de onde estávamos tomando banho, uma cobra sem tamanho vinha deslizando pelo fundo, em nossa direção, acompanhando o correr da água.

Na hora cheguei a pensar que era a famosa Cobra Grande que até hoje, dizem, dorme por debaixo do Altar Mor da Igreja de Santana.

Vai ver que ela havia acordado e agora vinha nos devorar, para tentar aplacar a fome centenária.
Era uma sucuri! Ou surucijú, para outros.

Ficamos parados. Silêncio de respeito e de pavor. Para sorte nossa não era a Boiúna da igreja matriz, mas era descomunal. Acho que ela já estava de barriga cheia, graças a Deus!

Passou por nós, cheia de majestade, como se fosse um imenso trem e continuou seu caminho para dentro dos igapós. Por cautela, acabamos com a diversão e fomos embora.

Assim é a vida. Para quem não sabe viver ela é que nem uma sucuriju que enlaça e leva para o fundo do rio das amarguras.


Mas é melhor que a existência seja uma manhã de ouro nas águas cheias de magia da beira de um igarapé. A escolha é sua.

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

José Wilson Malheiros
Magistrado do Trabalho Aposentado, Advogado, Músico, Poeta, Compositor, Instrumentista, Professor, Jornalista, Diácono e Escritor.

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