0

Quando tinha mais ou menos quatro anos meu pai ainda trabalhava no Banco do Brasil, em Santarém.
Então os funcionários reuniram as famílias e saíram para passear na praia.
Nunca mais esqueci daquele domingo.
O barco motor “Mocorongo” era uma imensa cadeira de balanço cortando a maresia e o Tapajós fazia um bigodão cor de garapa na proa.
Com pouco tempo, finalmente chegamos.
A paisagem era um espetáculo quase indescritível.
Estávamos na Praia da Maria José!
As areias brilhando no sol de arder na vista pareciam açúcar refinado e me senti caminhando nas nuvens, na doçura daquela manhã de domingo.
O rio estampava o colorido tradicional. As águas azuis, vitrais transparentes, eram penteadas pelo vento.
De vez em quando os botos boiavam não muito longe de nós, com seus dorsos cinzentos. Era o bailado do amor.
Alguns cachorros vadios nos vigiavam, com olhar de fome, por entre as árvores que faziam sombras na praia.
Mururés bubuiavam ao longe, no seu tempo sem relógio.
O vento murmurejava nos galhos dos cajueiros.
Ao descer pela prancha, trouxe comigo um pequeno balde de brinquedo todo amarelo com estrelinhas azuis e uma pá.
Passamos a manhã entre o banho de rio, as correrias no areal alvinitente e a “pira-se-esconde”.
Quando as crianças cansaram, fomos todos colecionar pedrinhas coloridas, brincar de fazer castelos e bonecos de areia na beira do rio, onde algumas tartaruguinhas nadavam despreocupadas.
Depois do almoço, o sol esquentou e as crianças foram para dentro do barco, embalar na rede ou fazendo de conta que estavam pescando mandis e tralhotos com anzóis improvisados.
Nem passou muito tempo. A boca da noite já estava se abrindo e nos mandando de volta.
A embarcação ia se afastando, aos poucos, da beira do rio.
Olhei para a praia e lá estava meu baldinho colorido, pendurado num galho de cajueiro.
Chorei para que alguém fosse lá buscar, mas não adiantou.
Minha mãe me consolou.
Essa é a lembrança mais terna que tenho dessa praia-mulher, mítica e metonímica.
Voltei lá outras vezes, mas a emoção nunca mais foi a mesma.
Depois, fizeram ali o aeroporto da cidade e os adjetivos da praia foram embarcando, a contragosto, nas asas inexoráveis dos aviões a jato.

José Wilson Malheiros
Magistrado do Trabalho Aposentado, Advogado, Músico, Poeta, Compositor, Instrumentista, Professor, Jornalista, Diácono e Escritor.

“Amador, Zélia”

Anterior

O Met Gala dos games

Próximo

Você pode gostar

Comentários