Duas manifestações ocuparam as ruas de Lisboa no último domingo, 29 de setembro: uma envolvendo grupos anti-imigração e outra de contra-protestos antifascistas. Como já previsto, o encontro dos dois grupos terminou em confrontos e na detenção de pessoas. Organizado pelo partido de extrema-direita Chega, o protesto “Salvar Portugal” reuniu mais de mil pessoas que marcharam pelo centro da capital portuguesa, expressando insatisfação com o que chamam de “imigração descontrolada”. A manifestação contou com a presença de quase todo o grupo parlamentar do Chega e atraiu grupos de extrema-direita como o 1143, liderado por Mário Machado.
O 1143 é um movimento de extrema-direita português, liderado por Mário Machado, conhecido por suas atividades neonazistas e pelo envolvimento em grupos radicais: ele é ex-líder do movimento neonazi Hammerskins em Portugal e já foi condenado por crimes de ódio racial, agressão e outros delitos. O nome “1143″ faz referência ao ano em que Portugal foi oficialmente fundado como reino independente, um símbolo usado por grupos nacionalistas e ultranacionalistas que defendem uma visão nacionalista radical do país. O movimento promove uma ideologia anti-imigração, anti-globalização, e ultranacionalista, frequentemente utilizando símbolos e discursos que remetem ao fascismo e ao neonazismo.
A marcha seguiu pela Avenida Almirante Reis, área de grande concentração de imigrantes, com gritos de “Nem mais um” e “controlem a fronteira”. No entanto, tensões eclodiram quando três jovens que entoavam “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais” foram agredidos por manifestantes. A intervenção policial foi rápida, mas dois dos agredidos, um homem e uma mulher, acabaram detidos sem cabimento algum, o que obviamente desencadeou uma avalanche de críticas quanto à ação das autoridades.
O Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da Polícia de Segurança Pública confirmou as detenções por “resistência e coação a funcionário” e a identificação de quatro manifestantes do protesto do Chega por infração à lei de segurança privada. No entanto, a polícia não forneceu informações adicionais sobre a agressão inicial. Simultaneamente, a marcha anti-fascista “Não Passarão”, com cerca de 300 manifestantes, foi realizada em defesa da comunidade imigrante, também na Avenida Almirante Reis. A Polícia de intervenção cercou ambas as manifestações para evitar confrontos diretos.
Uma análise conduzida pela socióloga Catarina Reis Oliveira para o jornal Público desmistifica a ideia amplamente disseminada de que o aumento da imigração tem resultado em um crescimento da criminalidade em Portugal. Ao cruzar dados da Direção-Geral da Política da Justiça com números sobre imigração, a socióloga revela que, nos municípios portugueses onde a população estrangeira tem maior peso, os índices de criminalidade são, na verdade, mais baixos, o que contradiz discursos que associam a imigração à insegurança.
Municípios como Vila do Bispo (onde 43,68% da população é de imigrantes), Odemira (41,8%) e Lisboa (28,7%) são exemplos de regiões onde a presença de estrangeiros tem aumentado significativamente, porém sem um reflexo direto no aumento de crimes. Em Odemira, por exemplo, a proporção de crimes por habitante praticamente se manteve estável ao longo da última década, mesmo com o crescimento acentuado da imigração. Em 2023, a taxa de criminalidade foi de 3,5 crimes por 100 residentes, um número muito abaixo da média nacional e inferior ao de Lisboa, onde o índice foi de 5,9 crimes por 100 habitantes. Outro exemplo relevante é a cidade do Porto, onde o número de imigrantes mais que dobrou entre 2009 e 2023 e a totalidade de crimes registrados diminuiu de 17.383 para 14.552 nesse mesmo período. Atualmente, os estrangeiros representam 14,3% da população do Porto.
A análise também mostra que, em municípios com menor presença de imigrantes, o aumento da criminalidade foi mais expressivo. Isso sugere que não há uma correlação direta entre o crescimento da população estrangeira e o aumento da criminalidade. Catarina Reis Oliveira destaca a importância de desconstruir mitos relacionados à imigração. Segundo ela, o discurso que associa imigrantes a uma maior insegurança não encontra respaldo nos números. Ela também alerta para os riscos do preconceito, que pode fomentar a violência contra imigrantes. A avaliação dos dados evidencia que, enquanto a criminalidade não aumenta com a imigração, os discursos xenófobos e falaciosos têm gerado um aumento da violência direcionada a essas populações vulneráveis.
Foto: Carlos Pimentel / Jornal de Notícias / Reprodução
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