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Está aberta a temporada de grandes premiações. O Grammy já anunciou suas indicações e, em breve, o Globo de Ouro e o Oscar devem anunciar suas respectivas. E quem pensa que é diferente com os jogos se engana. O BAFTA, por exemplo, principal prêmio do audiovisual britânico, tem categorias específicas para games. Sem contar que quase todo grande veículo e plataforma ligada aos jogos (IGN, Polygon, Edge, Famitsu…) possui seus próprios prêmios. Algumas vezes eles são apenas anunciados. Em outras, há uma grande cerimônia, com números musicais, atrações inéditas e toda a pompa e circunstância.

Esse é o caso do The Game Awards, prêmio que vem se consolidando como o “Oscar” dos jogos. É bem verdade que isso se deve em grande parte à influência do seu criador, Geoff Keighley. Tendo atuado por vários anos como jornalista de games e estabelecendo contatos dentro e fora da indústria, Keighley usou sua influência para colocar seu evento em todos os calendários oficiais. E o evento usa esse prestígio para se tornar também uma grande plataforma publicitária: quase todos os grandes nomes dos games dão um jeito de “aparecer”, seja apresentando um novo trailer ou sendo indicado numa das muitas categorias, porque sabem que a indústria e os fãs do mundo todo estarão de olho. Digo isso porque “ser indicado” não custa barato: submeter um game a cada categoria, sem sequer saber se ele será indicado, custa milhares de dólares.

A estatueta do “The Game Awards”, cujo design é assinado pelo próprio Keighley, em parceria com a Wētā Workshop

Mas existe uma segunda razão para o Game Awards ser tão prestigiado: diferente dos prêmios dados por veículos de mídia, por exemplo, no qual os vencedores são escolhidos de acordo com critérios editoriais, o Game Awards compõe um júri técnico, formado por jornalistas, críticos e estudiosos de jogos. Quem monta esse júri é um comitê no qual participam Microsoft, Nintendo, Sony e diversas publishers (empresas responsáveis por publicar games, normalmente independentes).

Esse júri será responsável por fazer as indicações e, mais tarde, escolher os premiados. Sem esquecer que games são uma mídia interativa, a premiação também convida o público a votar em todas as categorias. A combinação dos votos do público e do júri determina os vencedores. Isso dá ao Game Awards uma característica mais diversa e completa do que a maioria dos demais prêmios, tornando-o algo semelhante, em termos de critérios, ao que o Globo de Ouro é para a TV e o Cinema.

Sony, Nintendo e Microsoft (na ordem da imagem) são as principais fabricantes de console atuais.

Com todo esse contexto, é possível entendermos o que o Game Awards significa. Digo “significa” porque, embora nomes como “melhor RPG” ou “jogo do ano” passem a impressão de serem “verdades absolutas”, eles, na verdade, representam a decisão de um determinado grupo de pessoas, segundo determinados critérios, para determinado público. No caso do Game Awards, podemos detectar que:

1. O jogo do ano tem um marketing excelente – Se trata de um prêmio com forte presença da indústria, desde a composição do júri. Portanto, marketing é uma preocupação essencial para a própria existência do Game Awards, incluindo a categoria – um tanto absurda, na minha opinião – de “jogo mais esperado”. Nesse sentido, o trabalho de community management (gestão das comunidades de fãs e redes sociais dos jogos) e publicidade pode ser a diferença entre um game ser “O jogo do ano” ou não, até porque o escolhido como “jogo do ano” ganhará automaticamente muita exposição espontânea, resultando em mais vendas e mais publicidade.

Lançado em 2011, Minecraft segue sendo um sucesso devido a uma comunidade extremamente ativa e bem gerenciada.

2. O jogo do ano é tecnicamente apurado – Num mundo em que jogos podem ser atualizados e receber patches (pacotes de atualização que corrigem erros e bugs), é cada vez mais comum se deparar com games lançados em estado meio… capenga. Cyberpunk 2077 (2020) se tornou o grande símbolo desse fenômeno. Dono de um dos piores lançamentos da história, o game chegou quebrado às plataformas, com problemas que iam da qualidade gráfica até missões que não podiam ser concluídas. Houve casos em que o jogo simplesmente não rodava. Por isso, mesmo com toda a publicidade em cima do game – que ainda conseguiu se safar com duas indicações nesse ano! –, ele nem passou perto da categoria de jogo do ano. Por outro lado, “The last of us 2” (2020), grande campeão do ano passado, era uma maravilha técnica desde o primeiro dia, elogiado por crítica e fãs. Não se trata de ser um jogo com tecnologia de última geração ou gráficos excepcionais, mas o jogo do ano precisa ser extremamente bem feito e cumprir com excelência técnica aquilo a que se propõe.

“Inside” (2016) é um exemplo de jogo simples, mas de extremo refinamento técnico.

3. O jogo do ano é popular – O voto do público é importante não só porque ajuda a escolher os vencedores, mas também porque a audiência é uma das razões pela qual o prêmio existe. Afinal, quanto mais gente estiver assistindo, mais dinheiro e publicidade todo mundo envolvido ganha. Isso significa que aquele jogo visionário, mas extremamente de nicho e artístico, nunca será considerado “jogo do ano”. Por mais que talvez ele influencie games de toda uma próxima geração. Se apenas especialistas ou fãs jogaram, ele não tem muitas chances de ser “o jogo do ano”.  Isso também vale em termos de disponibilidade global: jogos disponíveis apenas em uma região ou com conteúdo muito regionalizado (como ocorre com alguns títulos japoneses, por exemplo) dificilmente ganhariam.

Os games da franquia “Atelier” têm uma legião de fãs e são extremamente populares no Japão, mas ainda contam com relativamente poucos fãs no resto do mundo.

4. O jogo do ano é a melhor propaganda das suas plataformas – A maioria dos jogos indicados ao prêmio são exclusivos de alguma plataforma. Isso significa que quando a mídia, inclusive a não especializada em games, trouxer notas sobre “o jogo do ano”, indiretamente também estará fazendo publicidade de um console ou plataforma específicos. De novo usando o exemplo do ano passado, “The Last of Us 2”, um exclusivo dos consoles da Sony, também funcionou como uma publicidade para os Playstation 4 e 5. Por isso, lançamentos de novos consoles, tecnologias ou plataformas podem acabar tendo influência sobre a decisão do júri.

“The Last of Us 2” (2020): não há como não se impressionar quando um console lançado há mais de sete anos tem um jogo exclusivo com essa aparência.

Com tudo isso dito, já dá para se ter uma ideia do que esperar da próxima premiação, que ocorre na próxima quinta-feira, dia 9 de dezembro. Os indicados já foram anunciados e você pode conferí-los aqui. Na próxima semana, volto aqui pra terminar este especial e analisá-los de acordo com esses critérios. Quem sabe não arrisco uns palpites também? Até lá!

Dimas de Lorena Filho
É jornalista com mais de 10 anos de experiência em comunicação corporativa em empresas como Experian, Monsanto e Bayer. Largou da chupeta por causa do videogame. E fez mestrado só pra poder estudar "joguinho". Atualmente, estuda Game Design na Universidade de Ciências Aplicadas de Colônia, na Alemanha.

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