Publicado em: 23 de abril de 2025
Acontece hoje, em Belém, o lançamento do Atlas da Amazônia Brasileira, publicado pela Fundação Heinrich Böll e com autoria exclusiva de pessoas da região amazônica. O Atlas traz uma coletânea de 32 artigos que retratam os desafios, saberes, lutas e alternativas construídas no território da maior floresta tropical do mundo.
O evento de lançamento acontece na Casa Balaio às 18h e reúne jornalistas independentes, acadêmicos, ativistas, comunicadores populares, parlamentares e gestores públicos comprometidos com a agenda socioambiental da Amazônia. O objetivo é fortalecer o protagonismo amazônida no debate climático e territorial, especialmente em um momento em que os olhos do mundo se voltam para a região.
Os textos do Atlas são assinados por pesquisadores, ativistas indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores, comunicadores e lideranças de base. Eles tratam de temas centrais como desmatamento, mudanças climáticas, direitos territoriais, racismo ambiental, transição energética, bioeconomia, saúde, segurança alimentar e a luta por soberania na Amazônia. Também destacam experiências comunitárias que combinam saber tradicional e ciência, propondo alternativas sustentáveis e enraizadas no modo de vida dos povos da floresta.
Ao reunir diferentes vozes do território, o Atlas desafia o olhar tradicionalmente centralizador das políticas públicas e da produção de conhecimento sobre a Amazônia, falando com a Amazônia e não sobre.
Os autores e autoras do atlas têm trajetórias marcadas por pesquisa, resistência e ação coletiva. Eles oferecem uma análise aprofundada sobre os dilemas ambientais, sociais e políticos da região, ao mesmo tempo em que apresentam soluções concretas e contextualizadas.
Marcelo Montenegro, Coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil desde de 2020 e co-organizador do Atlas da Amazônia Brasileira, falou exclusivamente com o portal Uruá-Tapera:
O Atlas da Amazônia Brasileira é resultado de um esforço editorial inédito, com autoria exclusiva de pessoas da região. Como essa perspectiva amazônida transformou o modo de apresentar os desafios e as potências da floresta?
MM: A fundação Heirich Böll trabalha com este formato de atlas para fazer um raio-x sobre determinado tema. Trata-se de uma coletânea de artigos curtos, feitos em uma linguagem simples – e enriquecida com fatos, dados e saberes.
No Brasil, já lançamos 5 atlas, como o da carne, do plástico e dos agrotóxicos. E para o da Amazônia Brasileira, quisemos fazer um trabalho de utilizar este formato para comunicar e dialogar sobre as diferentes amazônias, mas a partir das pessoas que estudam, atuam ou vivem na Amazônia, visando desconstruir estereótipos da região. Em um ano que será marcado pela primeira COP climática na Amazônia, é um momento de visibilizar as principais questões e rever percepções.
Para tanto, um conselho editorial composto por acadêmicos, ativistas, comunicadores e lideranças amazônidas foi formado, e juntos discutimos e identificamos 32 temas, que se tornaram os artigos do Atlas. Também buscamos trazer a maior representatividade amazônida possível, observando questões de gênero etnia e raça, além da distribuição geográfica. Isto fez com que tivéssemos um material rico, com temas variados.
Como é dito pelo conselho editorial no Atlas, o resultado desta publicação propõe fazer uma discussão epistemológica, trazendo tanto a ciência interdisciplinar quanto saberes e conhecimentos que, por muitas vezes, são inferiorizados ou perseguidos. Com isso, o atlas apresenta tanto questões estruturais e contextuais sobre a Amazônia, quanto questões de conjuntura e caminhos possíveis para o combate a emergência climática.
Um dos objetivos declarados do Atlas é desconstruir estereótipos históricos sobre a Amazônia. Quais são os mitos mais recorrentes que ainda hoje precisam ser enfrentados para que a região seja compreendida de forma justa e plural?
MM: Existem preconcepções e faltas de conhecimentos sobre a Amazônia, e podemos dizer que a primeira parte do atlas contribui muito para dar uma contextualização social, histórica e geográfica para essa Amazônia diversa. O atlas começa falando sobre como as fronteiras foram formadas para levar a cabo projetos desenvolvimentistas que integram a história da gestão territorial da Amazônia. No artigo de arqueologia, fala-se sobre a presença de povos ancestrais na Amazônia, que habitam há cerca de 13 mil anos na região. No artigo sobre florestas antropogênicas, é mencionado que a floresta amazônica representa um terço das florestas tropicais no mundo e contém mais da metade da biodiversidade do planeta. E no de idiomas, é mencionado que há em torno de 250 línguas faladas no país. Isto sem contar sobre as diversidades de identidades na floresta, quando mencionamos sobre povos tradicionais.
Também buscamos trazer artigos que exemplifiquem questões a partir da perspectiva de uma região, como é o caso de garimpo ilegal nos territórios Munduruku e do movimento de mulheres indígenas Sateré-Mawé.
Essas informações reunidas e compiladas em uma única publicação contribuem esse papel de trazer a amazônia a partir da perspectiva que estuda, atua ou vive na região. Acreditamos que assim possamos trazer as complexidades e diversidades da região.
A publicação surge em um ano simbólico para o debate climático, com a realização da COP30 em Belém. De que maneira o Atlas pode influenciar ou pautar as discussões multilaterais e políticas públicas voltadas à Amazônia?
MM: Estimular o debate público sobre diferentes questões que envolvem a amazônia brasileira é parte dos objetivos deste atlas. A partir do conjunto de dados, fatos e saberes, este material busca apresentar tanto um contexto histórico, social e geográfico, quanto uma conjuntura atual, elencando algumas das principais ameaças e conflitos na região.
Com a realização da COP30 em Belém, o debate climático tem sido prioridade nos diálogos sobre a Amazônia. Mas para dialogar sobre clima e amazônia, é preciso entender os problemas e desafios. Saber das ameaças atuais na região e como elas impactam os direitos territoriais de povos indígenas e tradicionais. E entender suas importâncias para a proteção do meio ambiente. Uma política nacional ou acordo internacional só terá êxito se vier a partir de um protagonismo no debate de quem está nos territórios, de quem atua ou estuda a região. E é esse ponto que o atlas quer contribuir. Fortalecer os debates a partir da produção de um conteúdo de quem está nos territórios ou atua junto com redes e organizações que estão na Amazônia. E tudo com um material cheio de informações.
Se não olharmos desta forma, abrindo espaço de fala para que está nos territórios, com participação nos espaços de decisão, podemos ter propostas e iniciativas que até parecem interessante. Mas que são essencialmente superficiais e que não tocam nos problemas estruturantes. Teremos o famoso “greenwashing”, uma lavagem verde a iniciativas que não dialogam com o território e que não atacam os problemas que levaram a este colapso climático. Esperamos que o atlas possa afastar diálogos sobre essas iniciativas e que traga mais força a debates sobre politicas e medidas para quem protege e conhece esses territórios.
Com artigos que abordam justiça territorial, direitos indígenas, agroecologia e transição energética, o Atlas propõe uma visão integrada da região. Como foi o processo de articulação entre os diversos autores e temas para garantir essa abordagem multidimensional?
MM: Com o compromisso de fortalecer o trabalho de quem atua desde os territórios, a fundação busca produzir materiais que reforcem essas visões, amplificando vozes e percepções desses grupos, ao mesmo tempo que traz dados e informações. No caso do atlas da Amazônia Brasileira, pensamos de imediato que para o sucesso desta publicação, seria fundamental que construíssemos um conselho editorial que pensasse o atlas desde sua concepção, apontando seus principais pontos e autores.
E foi isso que a fundação fez. Identificamos um conjunto de acadêmicos, ativistas e lideranças amazônidas para atuarem conosco na produção desse material. Tivemos oito representantes: Aiala Colares, Angela Mendes, Elaize Freitas, João Paulo Tukano, Jose Heder Benatti, Karine Penha, Katia Brasil e Marcela Vecchione.
Juntos discutimos e identificamos 32 temas, que se tornaram os artigos do Atlas. Também buscamos juntos trazer a maior representatividade amazônida possível, observando questões de gênero e raça, além da distribuição geográfica. Chegamos a 58 autores, em sua maioria atuando na Amazônia, números significativos de mulheres, indígenas e quilombolas, além de todos os Estados da Amazônia Legal.
Cada escolha observou a experiência e vivência da pessoa no tema e na região. Isto fez com que tivéssemos um material rico, com temas variados. Aliás, sobre os temas, a identificação se deu em três grandes áreas: uma primeira onde se olha mais as questões contextuais, geográfica – sociais – históricas; uma segunda focada na conjuntura e ameaças, em que observando temas como mineração, desmatamento, agronegócio; e uma terceira onde olhamos para o futuro e seus caminhos.
Mas a riqueza do material está em observá-lo junto, como um quebra-cabeças. Se cada artigo é um peça que traz um componente importante, conectando todos teremos uma visão mais completa e diversa sobre a amazônia brasileira.
Além do conteúdo analítico, o Atlas também busca mobilizar emoções e afetos em relação à Amazônia. Que tipo de recepção vocês esperam dos públicos amazônida, brasileiro e internacional diante desse convite a “reconhecer a floresta por dentro”?
MM: Trabalhamos para que este seja um material que combine uma leitura agradável, informativa e visualmente interessante. Que realmente mexa com os sentidos do leitor. Algo que comece na própria capa do atlas, produzido por um ilustrador amazônida e que traz diferentes elementos, a começar pela cobra grande (no final do atlas há um texto sobre o mito da cobra grande). Entender a Amazônia vai além de ler números e fatos. É saber sobre os saberes amazônidas. É saber mais sobre quem está há milênios nessa região e que vê a amazônia como um “corpo-território”. Aliás, uma importante ativista pelos direitos dos povos quilombolas escreveu um de seus últimos artigos escritos no atlas exatamente sobre esta questão (Anacleta Pires da Silva faleceu em setembro de 2024, pouco tempo depois de escrever o artigo “Pulsar com o coração da Terra” para este Atlas).
Em seu texto, Anacleta traz o sentimento que desejamos provocar em quem lê este material. Ela diz que para interromper a destruição da Amazônia é preciso compreender melhor as relações entre o ser humano e a natureza, em especial dos povos que habitam essa casa comum chamada Amazônia.
Queremos que o atlas estimule essa mudança na relação com a natureza a partir das visões, resitências e reexistências de quem vive no território.
Como bem escreveu Anacleta, é preciso sair da mesmice e avançar na construção de um mundo novo. E para tal, precisamos deixar de sobreviver e começar a viver a plenitude da vida, de forma harmoniosa, partilhando e sendo companheirismo. E de forma coletiva, com responsabilidade, compromisso, comprometimento, justiça social, amor e paz no universo terrestre, dentro das entranhas da terra, veias do coração que é a Amazônia. “É necessário preservarmos os alicerces e pilares da terra para que o céu não desabe!”.
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