0
O documento divulgado hoje e assinado pelos deputados Carlos Bordalo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, Ozório Juvenil (PMDB) e Lélio Costa (PCdoB), também titulares da mesma comissão, em 18 páginas, contextualiza  os conflitos agrários recentes no Pará, principalmente na região sul do Estado.

Os deputados colheram depoimentos no velório de Hércules Santos de Oliveira, 20 anos, e também de um sobrevivente do massacre cuja identidade foi preservada por questões de segurança. Também foram obtidas informações na sede do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Redenção. 

De acordo com a versão policial, no local onde ficavam alojados, não encontraram os procurados. No decorrer da diligência a equipe avistou uma pessoa suspeita que, ao empreender fuga, acabou delatando a direção em que os demais estavam refugiados, onde foram recebidos a tiros, e sua reação resultou na morte das 10 pessoas e no baleamento de pelo menos mais 4 vítimas não fatais. Segundo a polícia, a maior parte do grupo fugiu. 


Após o confronto e dispersada parte dos agricultores, a equipe policial, comandada por autoridade civil ou militar cuja identidade ainda não foi revelada, decidiu pela remoção dos corpos, transportando-os até o local onde as viaturas estavam estacionadas, o que os levou a percorrer grande distância manuseando os corpos das vítimas sem o devido preparo e cautelas formais, até o hospital Iraci Machado de Araújo. Foram recolhidas 11 armas usadas pelo grupo de procurados, dentre as quais um fuzil 762 e uma pistola Glock .380.


A versão dos sem-terra é outra.  Eles sustentam que nos cadáveres havia perfurações à bala nas costas, nas nádegas, nos crânios por trás, além de indícios fortes de tiros à queima-roupa. 


O pai de Hércules contou que seu filho era trabalhador e almejava independência financeira, por isso foi lutar para ter sua terra, apesar dos conselhos dos familiares para que se afastasse devido ao clima de violência na fazenda que aumentara nos últimos meses. O agricultor soube da morte do filho porque foi até ao hospital de Redenção verificar se ele estava entre os mortos; reconheceu Hércules ainda na caçamba da Polícia, jogado no meio de outros corpos; foi chamado a reconhecer seu filho mas só pôde olhar o rosto; o corpo foi ensacado e levado para o IML de Parauapebas. Pessoa que não sabe identificar prometeu que o corpo seria entregue preparado, mas chegou em avançado estado de decomposição, com a pele soltando; alguém informou ter visto marcas de queimadura em formato de coroa ao redor das perfurações no peito de Hércules, evidências que deverão ser confirmadas pelo trabalho da perícia criminal do CPC Renato Chaves. 


Testemunha ocular da operação relatou que acordou por volta de 6h30, no acampamento perto da sede da fazenda Santa Lúcia, ouviu a aproximação da polícia, então procederam como era sua praxe e abandonaram o local e se refugiaram na mata, munidos de lona preta para se proteger da chuva, com duas pessoas, cada uma posicionada num lado esticando a lona para cobrir os cerca de vinte e cinco que se abrigavam sob ela sentados, de costas para a direção de onde a polícia surgiu; que ouviu apenas o grito do delegado Miranda: “Ninguém corre que vai morrer” e então começaram os tiros; que começaram a correr junto com os tiros e viu Jane Júlia nem conseguir se levantar e já tombar próximo a si; começou a correr, mas logo após alguns metros suas pernas “falharam”, caiu no chão e ficou aterrorizada escutando os tiros e gritos; tentou correr de novo, mas não conseguia ter forças de se levantar; engatinhou pelo mato alto e se escondeu; ouvia quando os policiais gritavam e espancavam os capturados; que o delegado gritava perguntando “quer morrer vagabundo, tu vai morrer”; “quer correr, corre, corre vagabundo…”; que não houve reação e não havia armas no local. 


Questionada como poderia reconhecer a voz do delegado Miranda, a testemunha respondeu que ele interagia muito com os posseiros; que o delegado havia reunido muitas vezes com eles; que Miranda realizou várias reintegrações de posse e na última vez esteve com eles em 20 de abril, chamou-os de “vagabundos” e isso até havia sido filmado. Contudo, perguntada se tem o vídeo, afirma que estava no celular de Jane Júlia e que julgava que ele havia sido recolhido pelos policiais. 


Conforme a vítima depoente; em 20 de abril, ao tentar retirar pertences do seu “barraco” o encontrou em chamas; e ao sair do acampamento, resolveu retornar para ajudar outro agricultor que retirava suas coisas, e nesse momento foi seguida por viatura da polícia até que saísse da fazenda; retornando ao acampamento na véspera da operação ouviu de Jane Júlia que o delegado da DECA havia dito que poderiam voltar para a fazenda, que “ninguém da polícia de Redenção ou de Pau D’arco vai mexer com vocês, porque vai ter que vir gente do CME pra tirar vocês”. 


Perguntada quando tinha sido esta afirmação, disse que foi na data de uma ocupação da rodovia em protesto, em 29 de março: “o delegado Miranda prometeu pra gente naquele botequinho lá da entrada, pra lá… pra fazenda tem um buteco. Ele disse com todas as palavras, pra todo mundo ouvir, que a gente poderia voltar pra terra, não queria nós no meio do asfalto, fazendo protesto, que era pra nós voltar pra fazenda e permanecer lá porque a liminar existia e a gente ia ter que cumprir, mas quem ia pra tirar nós de lá, só o batalhão de Belém, que ele prometia da palavra dele que nenhum policiamento daqui da região não ia entrar lá”. Contou que ele disse isto na frente de várias pessoas e na presença do delegado de Pau D’Arco: “Eu sou o delegado regional, eu resolvo o problema de vocês, sou o delegado regional, não precisa tar de beca não, que quem manda no sul do Pará é eu”


Disse que voltou por causa da promessa da presidente do Sindicato de que o delegado da DECA estava com eles. Mas, perguntada se conhecia o nome desse delegado, falou que não sabia. 


Os deputados quiseram saber por que não fugiram de uma vez ao perceberem que a polícia se aproximava do local onde estavam, e a testemunha respondeu que perguntou isso para Jane Júlia e que dela ouviu: “polícia não vai andar na chuva, nem no mato uma hora dessa” e completou: “correr de polícia pra que? Se eles vier nós vamos cumprir a ordem, vamos ser preso, cumprir…”. Sustentou que nunca imaginavam que aquilo ia acontecer, que não deu tempo de nada; que a polícia já chegou atirando e gritando “Não corre que vai todo mundo morrer”, e depois que parou de matar ligaram as sirenes das viaturas na sede da fazenda e isso facilitou sua fuga, pois tinha referência para se afastar de onde os policiais estavam e só às 16h chegou à casa de uma família, pediu abrigo e ficou escondida até quando falou com um dos sobreviventes e soube por este, via telefone, que havia outros sobreviventes.


Quanto à afirmação de que o delegado os chamara de vagabundos, respondeu que “foi uma semana depois que ele prometeu, ele chegou lá, dizendo pra gente que nós era um bando de bandido e que não podia permanecer no corredor, que nós tava atrapalhando o fazendeiro, falando um bando de coisas a favor da fazenda e indo contra nós xingando e que estava com os carros pra tirar as coisas de lá e que nem no corredor podia ficar, que o corredor era público, que não podia ficar nem no corredor que ia ser preso”.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

O histórico da fazenda Santa Lúcia

Anterior

Conclusões dos deputados em Pau D’Arco

Próximo

Vocë pode gostar

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *