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Eu devia ter uns quatro anos de idade.

Todas as tardes eram iguais: minha mãe me banhava e me vestia com uma roupinha limpa e me colocava para sentar na porta.

A rua de casa, no início da década de 1950, era praticamente deserta e não havia perigo.

Em frente da minha casa morava Djanira, uma menina da mesma idade. Ela também ficava na porta da casa dela.

Era uma menina nem feia, nem bonita, com os seus cachinhos negros.

Ela sentada do lado de lá e eu de cá.

Eu sorria pra ela e recebia de volta outro sorriso.

Nada mais que isso. Toda tarde era a mesma coisa.

Certo dia, a mãe dela resolveu fazer numa visita para a minha mãe e levou consigo a minha coleguinha de sorrisos.

Até essa data eu pensava que ela era muda. Acho que ela imaginava o mesmo de mim.

Sentamos no batente da porta e conversamos pela primeira vez.

Logo cedo tinha caído um temporal sobre a cidade.

Além do aguaceiro, ventania, relâmpagos, trovões.

Eu falei e nem sei de onde eu tirei essas ideias:

– Você sabia que quando dá trovão; sãos os anjos lá no céu que estão fazendo faxina?

O barulho que a gente escuta é porque eles estão empurrando os móveis grandes e pesados pra lavar e limpar a casa do papai do céu, lá em cima.

A chuva que a gente vê caindo, são as águas da limpeza que escorrem de lá.

Ela ficou abismada.

– É, maninho? Eu não sabia… Eu estou com medo… Quer dizer, então, que toda vez que chove estão lavando o chão do céu e arrastando móveis?

Para a minha cabecinha de quatro anos, aquilo era verdade e eu confirmei.

Depois desse dia a mãe dela já colocava a cadeirinha ao lado da minha e a troca de sorrisos virou conversa de criança.

Minha rua começava praticamente na beira da praia, às margens do rio Tapajos.

Da porta de casa dava bem pra ver o encontro das águas e lá ao longe o céu parecia que terminava no fundo da paisagem, como se fosse uma parede azul.

Então, eu falava para a minha pequena amiga dos cachinhos negros:

– Vou pedir pro papai me levar de barco até o outro lado do rio. Lá onde o céu termina formando uma parede.

Eu queria tocar nessa “parede”, desejava saber de que era feita, se havia alguma porta por onde a gente pudesse entrar sem bater, para ver papai e mamãe do céu e conversar com os anjos.

Depois de algum tempo, a menina dos cachinhos negros mudou-se da vizinhança, eu cresci, nunca mais encontrei com ela e meu sonho de bater na porta do céu foi adiado… quem sabe, um dia?

José Wilson Malheiros
Magistrado do Trabalho Aposentado, Advogado, Músico, Poeta, Compositor, Instrumentista, Professor, Jornalista, Diácono e Escritor.

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