O Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhou nesta terça-feira, 26 de novembro, à Procuradoria-Geral da República (PGR), o relatório que aponta o envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas em uma suposta conspiração para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023. O documento é fruto de uma investigação da Polícia Federal (PF) que durou quase dois anos.
O ministro Alexandre de Moraes retirou o sigilo da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito que sucedeu as eleições presidenciais de 2022 e determinou o encaminhamento do relatório final da Polícia Federal à Procuradoria-Geral da República.
De acordo com o relatório, a Polícia Federal indiciou 37 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A investigação identificou a existência de um grupo criminoso organizado em núcleos que atuaram para desacreditar o processo eleitoral e planejar um golpe de Estado. A finalidade do grupo seria manter o poder e garantir a permanência de Bolsonaro e seus aliados no comando do país.
O relatório aponta que Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva” sobre as ações conduzidas pela organização criminosa, mas que o golpe não foi consumado “por circunstâncias alheias à sua vontade”. Segundo a PF, o ex-presidente tinha “plena consciência e participação ativa” em atos clandestinos que visavam abolir o Estado Democrático de Direito.
Ao decidir pela retirada do sigilo, Alexandre de Moraes afirmou que não havia mais necessidade de manter os autos sob confidencialidade, uma vez que o relatório final foi apresentado e todas as diligências requeridas pela PF foram cumpridas. Contudo, o ministro manteve o sigilo da Pet 11.767, que trata do acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A decisão foi fundamentada pela existência de diligências em curso e outras em fase de deliberação.
No despacho, Moraes também explicou que, no sistema judicial brasileiro, compete exclusivamente ao Ministério Público decidir pelo oferecimento de denúncia ou pelo arquivamento do inquérito. A PGR, agora responsável pela análise do material, tem um prazo inicial de 15 dias para tomar uma decisão, que pode ser prorrogado caso haja necessidade de mais informações.
Entre as descobertas da investigação, estão elementos que indicam que a organização criminosa planejou e executou ações clandestinas com o objetivo de eliminar opositores políticos. As ações incluíam um plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes e os então recém eleitos presidente Lula e vice-presidente Geraldo Alckmin, além de tentativas de minar a confiança no sistema eleitoral e mobilizar setores militares para aderirem ao golpe.
A investigação também revela que desde 2019, membros do governo e aliados do ex-presidente trabalharam para criar uma base de apoio que garantisse a permanência de Bolsonaro no poder. Entre os envolvidos, o general da reserva Augusto Heleno é apontado como um dos que tiveram atuação destacada para subverter o regime democrático.
O grupo indiciado inclui ex-militares, membros do alto escalão do governo e aliados políticos de Bolsonaro. A trama teria sido articulada após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, em meio a uma campanha de desinformação sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas.
Com base no relatório, a PGR terá 15 dias para decidir se há elementos suficientes para denunciar os envolvidos ao próprio STF. Esse prazo pode ser estendido caso o órgão solicite informações adicionais. Caso haja denúncia e ela seja aceita pelo STF, Bolsonaro e outros implicados poderão responder por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, cujas penas variam entre 3 e 12 anos de prisão, dependendo do grau de envolvimento.
A investigação da PF detalha um cenário de descontentamento e ações suspeitas após a derrota de Bolsonaro nas eleições de outubro de 2022. A vitória de Lula gerou reações em várias partes do país, incluindo bloqueios de rodovias, acampamentos em frente a quartéis clamando por intervenção militar, e culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023 aos Três Poderes, em Brasília.
Segundo o relatório, entre as possíveis ações planejadas estava a elaboração de um decreto que previa a anulação das eleições e a instalação de um comitê militar para manter Bolsonaro no poder.
Uma das principais peças de evidência é o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que admitiu que o ex-presidente enfrentava pressões de setores do agronegócio para concretizar um golpe de Estado. Mensagens trocadas por Mauro Cid com outros militares indicam que Bolsonaro estava ciente de uma carta golpista destinada ao Comando do Exército, cujo objetivo era incitar os militares a aderirem ao plano.
No áudio divulgado, Mauro Cid relata que Bolsonaro estaria “enxugando” o decreto golpista para torná-lo mais sucinto. Ele também afirmou que o agronegócio era um dos setores mais pressionantes, pedindo uma “intervenção mais pesada” por parte das Forças Armadas.
Os tumultos em Brasília, que ocorreram pouco após a posse de Lula, têm sido comparados à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. Em ambos os casos, multidões foram mobilizadas por meses de desinformação sobre supostas fraudes eleitorais e por discursos inflamados de líderes políticos.
Na ocasião, manifestantes invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF, vandalizando os prédios e clamando por intervenção militar. A ausência de Bolsonaro no país — ele estava na Flórida, EUA, desde o fim de 2022 — levantou suspeitas sobre seu envolvimento indireto nas ações.
O Partido dos Trabalhadores (PT) declarou, em nota, que espera que os responsáveis por atentarem contra a democracia sejam punidos “com o rigor da lei”.
Leia o relatório da PF aqui.
Leia a decisão do Ministro Alexandre de Moraes aqui.
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