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Quando recebi o convite para escrever crônicas neste site, fiquei em festa. É bacana constatar minhas mudanças. Sim, há pouco tempo escrever publicamente, para mim, não era nada fácil. Na verdade, não é fácil para mulheres, mesmo que hoje, falar e ser respeitada. Por isso, após tanta leitura de mulheres, consigo entender o porquê: fomos ensinadas a ficarmos caladinhas, quietinhas, o mais passiva possível. São falas, retaliações, ditados, castigos, punições, músicas, filmes, tudo a serviço de nos dizer o quanto ninguém quer mulher com boca no trombone, gritando alto por aí.

“- Minha senhora, você pode até falar, mas nem tanto, nem tão alto”.

Sim, nossa fala é permitida, até certo ponto. Não ouse incomodar, denunciar, contar o que acontece entre quatro paredes, pois se o fizer terá que enfrentar um júri de uma sociedade machista, em que a voz masculina é defendida e tem força, embora neguem o machismo e te digam o contrário. Querem ver? Experimentem observar a reação do povo quando uma mulher denúncia um homem e o quanto sua palavra é colocada em cheque… casos de famosos é o que não faltam por aí.

Grada Kilomba, uma psicóloga doutora portuguesa, traz uma reflexão belíssima e importante em seu livro, que se chama “Memórias da plantação”. Ela parte de um poema para dizer sobre o poder das palavras e demonstrar como sua circulação é parte de um sistema político. Sim, pois são as palavras que permitem registro histórico, o discurso sobre povos, e também que regulam relações e leis. As palavras marcam corpos e espaços, por isso, silenciar e abafar narrativas, tal como fizeram e fazem com povos indígenas, negros e mulheres , é uma forma de tornar invisível suas existências e pautas. Querem exemplo? Se não formos nós a reivindicar, quem irá se preocupar com violência doméstica, direitos sexuais e reprodutivos? Em outra crônica, conto pra vocês como surgiu a lei Maria da Penha, mas adianto, não foi fácil e nem um processo bonito.

Não à toa as narrativas são alvo de disputas de poder e não à toa a história é mal contada e protagonistas mulheres ocultadas de documentos e livros históricos.

Djamila Ribeiro, em seu livro “Lugar de fala”, nos afirma como a condição de ser escutado em suas demandas garante a condição de humanidade, então por que tentam abafar nossas vozes?

Kilomba afirma que aquela que narra assume autoria e autoridade de sua história, e isso rompe com um discurso hegemônico, de poderosos, e também com a estratificação tão bem organizada em nossa sociedade, onde a submissão feminina pode ser feita por teias sutis, que fazem as mulheres acharem que sentimentos e lugares sociais fazem parte de suas escolhas, personalidade ou da própria biologia.

Foram as palavras das subalternas, em suas reflexões políticas e histórias cotidianas, que me convidaram a uma travessia inesgotável e exigente de olhar para mim como um corpo político em relações com outros corpos e seus marcadores. Quando comecei a me revirar no avesso, seja reconhecendo os privilégios por ser branca, seja me desconhecendo ao constatar minha ignorância da história de meu povo e antepassados, seja por conseguir identificar e nomear as violências estruturais que sofria ou que via meu entorno sofrer, as palavras começaram a sair pelos dedos e pela boca: a escrita foi um efeito e me autorizar escritora um processo nada fácil, ainda atravessado por inseguranças e angústias. Foi ao aprender que o pessoal é político que compreendi que a minha história pode ajudar tantas outras mulheres, seja pela identificação, seja por convidar a pensar o feminismo de mãos dadas.

As palavras são minha forma de me formar, me tornar, de ser, de me revirar, sofrer, enfrentar, resistir e me apresentar como eu quero e não como querem.

Escrever tem sido meu processo transforma-dor. Quando uma mulher fala sobre si para outras mulheres, ela pode levantar tantas outras, foi isso que a segunda onda do feminismo branco constatou: mulheres ao trocarem suas experiências podem politizar o que era tido como normal e com isso causar revoluções! Vamos juntas? Prazer, me chamo Bárbara Sordi, mulher Belenense, de 37 anos de idade, mãe de Luísa e Caetano e, sim, escritora feminista – como você também pode ser!

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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