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Tenho visto movimentos de homens em busca da masculinidade saudável. O que acho? Maravilhoso, não tem como mudar estrutura se os homens não se implicarem em mudanças, não se responsabilizarem e não se confrontarem com seus privilégios, inclusive e especialmente, os brancos, já que existem masculinidades – no plural. Contudo, o engodo está justamente aí: quando falamos em mexer privilégios, pois é fácil ter discurso pró-feminista, mas não perceber, por exemplo, quando você ainda exige que uma mulher te sirva com favores, desqualificando o trabalho dela ou quando você continua achando que detém a verdade, silencia quem está perto e mantém toda uma lógica de dominação, por sinal, nada saudável.

Não abusar psicológica ou sexualmente de uma mulher não é motivo para biscoitos, é o mínimo, mas se para não abusar é preciso trabalho interno, é isso mesmo: façam! Nada mais digno do que reconhecer e fissurar o que tá posto. Recentemente, em um grupo de masculinidade saudável, o rapaz gravou um vídeo dizendo que os relatos que ele escutava de homens demonstravam que foram suas mães as primeiras a socializá-los na dicotomia: mulher para casar X mulher para transar. Vejam bem, obviamente mulheres ocupam um papel importante na disseminação cultural das relações de gênero, mas isso não quer dizer que o machismo é culpa delas e que elas são responsáveis por comportamentos masculinos. Responsabilizar as mães sem uma leitura crítica sobre imposições culturais que recaem sobre essas mulheres, alem de não reconhecer as pactuaçõess e cobranças masculinas e a estrutura social (linguística, institucional, jurídica e afins) é, no mínimo, sintomático, além de violento.

Fui comentar sobre isso e não tardou para um homem vir me explicar sobre feminismo, afirmando o problema de taxar mulheres de vítimas, embora tenha insistido em dizer que as mães eram responsáveis, inclusive, pelo abandono paterno de seus filhos adultos e por todos os males porque tudo era fruto das suas criações. Com discurso bem escrito, certa leitura de gênero, o coleguinha tentava me silenciar, comprovar sua verdade como única e correta, além de se recusar a uma reflexão mais profunda, inclusive de que responsabilizar unicamente mulheres era reiterar um discurso violento e opressor e de culpabilização, ignorando a sobrecarga discursivas que recaem sobre elas em seus processos de subjetivação (há todo um apanhado histórico que nos mostra como foi construído o discurso da mulher para casar, do instinto materno e como estes lugares subjetivam – e controlam- as subjetividades femininas). Mas o mais complicado era tentar mostrar que naquele exato momento, naquele ato, a atitude dele era uma atitude machista, que refletia um sistema estrutural.

É disso que tentamos falar para os homens nesse caminho processual: que é a desconstrução ou descolonização de saber, ser, poder; a necessidade em observar as sutilezas, as microrelações de poder cotidianas, assim como galgar mudanças coletivas e de políticas públicas. Não dá pra querer desconstruir e ter masculinidade saudável reiterando violência contra as mulheres. Não se trata de perceber que as mães são assoladas pelo estrutural ou que podem reproduzir práticas aliadas ao sistema estrutural, mas pensar mais a fundo: o que isso representa, já que elas sofrem com os efeitos disso, por exemplo. É ir além, para além de vítimas e culpados, pensar em quem se beneficia, como e o que a sociedade mantém e o porquê mantém. É entender que sair do lugar narrativo autorizado a falar, julgar, faz parte de mudar de posição do homem falocentrico e umbigocentrado. É aprender que ouvir críticas é importante, principalmente que é preciso aprender ouvir mulheres (muitos homens só escutam homens). É ler fora do hegemônico e buscar sempre um eterno questionar-se, já que facilmente reproduzimos o que lutamos para combater, afinal, somos frutos de um contexto bem maior que nós e que nos marca profundamente o pensamento, o corpo e nossas subjetividades.

Desejo que os grupos de masculinidades sempre escutem, leiam mulheres e resgatem as perspectivas críticas dos feminismos e estudos de relações de gênero, tensionando sobretudo, o que seria masculinidade saudável. O saudável seria para si, envolveria as relações com outros…? Teria espaço para relação com as outras também? Que vocês possam investir nisso, como investem nas diversas áreas de suas vidas. Muitas de nós está se propondo a esse giro, espero que vocês se permitam girar também, não para o sapato lhe cair bem, mas pra mudar, de fato, a forma de dançar. Enquanto isso, vamos pisar no pé, reclamar do passo em falso, pedir outro sapato, dançar entre nós e andar descalças, porque só assim podemos, quiçá, ser par.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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