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A paraense Monique Malcher recebeu um importante prêmio brasileiro pelo seu belíssimo livro de crônicas “Flor de Gume”. Não sou próxima de Monique, embora sinta carinho por ela e isso se deve a sua escrita, que, quando li, me abraçou, confundindo enredos, achando que algumas palavras fossem minhas. Não são, obviamente, mas a escrita da Monique diz muito sobre nós. Não apenas ela é importante pela representatividade, muitas pessoas torcendo como se fosse um Oscar pra ver sua vitória, entendendo sua importância; não só porque suas descrições locais nos são familiares, ou estranhamente familiares, mas sobretudo por sua sensibilidade em trazer vivências de nós, no devir de nos tornarmos mulheres em um mundo tão violento.

Não li todo o livro de Monique. Já tentei duas vezes. Sempre paro no meio, numa frase que me toma. Fico em silêncio. Sinto as palavras. Vem imagens, associações, minhas histórias, meus medos, emoção. Sempre penso: que profundo, preciso respirar. Quando volto, começo a reler tudo de novo e paro de novo. Acho coisas novas dentro de mim. Tudo ao seu tempo, penso. Nesse caso, tomo meu tempo. Não há pressa, é um livro pra degustar.

Aqui, trago dois pontos que acho importante: o primeiro é como a imprensa do sul negligenciou o nome de Monique tantas vezes, apesar de finalista no Prêmio Jabuti. Uma delas se pronunciou dizendo ser “por acaso” e não perseguição. Para quem estuda decolonialidade sabe muito bem que não há por acaso. Há política, há seletividade, há invisibilidade para o quem se afasta do sul do país, identificado com modelo de superioridade europeu. Nos tratam como a periferia da periferia, o mesmo que é feito do Brasil diante do cenário chamado de global.

Da raiva? Dá, principalmente quando a gente sabe que estas posturas não são ingênuas, afinal tratam-se de relações de poder e dificultam políticas públicas e acessibilidades pra gente daqui, tornando pouco visível como somos potentes, nos delegando certa marginalidade.  Dá raiva, pois sabemos que continuamos um projeto colonial. Daí o prêmio da Monique ser uma resposta bem dada, mesmo que nem seja intenção dela. Sua vitória é uma fratura, uma fissura política. No Norte, somos escritoras, somos artistas.

Outro ponto é como Monique, com suas palavras, carrega tanta densidade, pois ela traz histórias de mulheres e, com elas, marcas de violências. Carregando as figuras familiares de sua família, como a influência marcante de sua avó. Monique traz um universo em palavras, fazendo de suas crônicas um canal de representatividade, um espelho para nós, mulheres amazônicas (e para mulheres do Brasil) e um convite ao mergulho no Rio de sentidos. Leiam mulheres. Leiam mulheres da terra.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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