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Dias desses, uma amiga que amo muito publicou uma foto em redes sociais com suas madeixas naturais, sem tintura, deixando os fios brancos aparecerem. Ela estava linda, mais leve, com ar menos cansado e eu prontamente comentei o como ela estava mais jovem. Curiosamente, meu comentário me deixou dias reflexiva. Lembrei das crônicas da Martha Medeiros e no que podia sair de texto bonito falando sobre ser jovem estar relacionado com felicidade, opções de vida que te protejam e te tragam bem-estar, aquelas palavras bem escritas dela que transcendem os de auto-ajuda e nos convidam a pensar mas que ainda falam pra um determinado público de mulheres, as como eu, de classe média.

Com todo respeito a Martha Medeiros, mas essas crônicas não me cabem mais. Eu até faria uma dessas bonitas e que todo mundo gosta de ler, mas não dormiria bem, já que ela falaria de meu mundo lindo de privilégios que me permite ainda associar juventude com cuidado e bem-estar, algo vendido tão bem pelo capitalismo.

Não posso mais ignorar que existe uma cobrança para que nós, mulheres, pareçamos jovens. E que não pintar o cabelo, apesar de ser uma fissura às indústrias de coloração capilar e ao modelo hegemônico, não muda o fato de que seguimos nos sentindo feias ou buscando atingir padrão de beleza. Também não muda o fato de tal ato ser captada pelas indústrias, que já o distorcem e buscam apagar toda rebeldia das mulheres para o introduzir numa lógica de falso empoderamento do discurso liberal.

Não posso ignorar que elogiar alguém ao adjetivar a palavra “jovem” traz consigo a associação de que juventude é saúde e beleza, fazendo com que envelhecer seja associado a feiura, doença e problema.
Não posso ignorar que tem gente com rosto envelhecido pelo trabalho duro e noites mal dormidas e isso não depende de escolhas.
Não posso ignorar que muitas e muitos não chegam a idade da minha amiga porque não lhe é permitido pelo racismo e misoginia.

Quem é a população que envelhece com saúde? Quem é que se mantém com aparência de jovem? Quem é que consegue comer saudável, fazer exercícios, ter acesso a informações, acompanhamento multiprofissional, viajar e dormir bem?
Enquanto as crônicas continuarem a falar de forma universal, ignorando a realidade da maior parte da população e vendendo receitas de felicidade sobre como ser alguém melhor, leve, descolado, sem reconhecer que isso fala de lugar social (com cor), continuaremos a viver numa bolha que sustenta tanta desigualdade.Nossas palavras falam de um lugar, nossos ideais, nossas reflexões, nossos elogios, nossas piadas e nossos textos.

Minha amiga tá linda porque a vida tem permitido que ela viva com mais saúde psíquica e física. Que bom. Espero que possamos lutar para que outras mulheres também possam ter essas possibilidades.
E viva os diversos cabelos. E viva as diversas rugas. E viva a história de resistência e as saídas encontradas pelas diversas mulheres.
Lutemos por nós todas, pelo direito em viver bem – principalmente para as que estão impelidas às margens. Embora, de forma geral, precisemos ocupar, há momentos que precisamos sair do centro.

O título desta crônica se refere a um livro da bell hooks, que tem embalado algumas reflexões e feito companhia nas noites de leitura, antes de dormir. Obrigada, bell hooks.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

Site e livro com relatório da Comissão da Verdade do Pará

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