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É com muita tristeza que constatei o número excessivo de casos de violência contra as mulheres, em veículos midiáticos, nos últimos dias. Novamente um estupro cometido por um jogador famoso; um caso de violência psicológica televisionado em programa de grande audiência; um feminicídio, cujo autor filma sua calmaria ao limpar o local onde do crime; um famoso abandonando uma mãe no puerpério com a justificativa de que não tem tempo para ler um livro; as denúncias de uma mãe famosa em relação a negligência e violência paterna. Dentre tantos assuntos que se atravessam e estão interligados pela cultura do estupro e da violência contra as mulheres, a constatação do quanto cenário permanece nos violentando e matando todos os dias.

Dois pontos, pouco debatidos, me chamaram atenção no caso de Luana Piovani e Pedro Scooby: o velho debate do suposto aborto masculino e a violência de gênero no judiciário. Inicio alegando que escrever sobre caso não tem a ver com gostar ou não das pessoas envolvidas, pois se trata de refletir e analisar aspectos estruturais que se repetem e são naturalizados, mas que produzem e materializam fatos, símbolos, espaços e poder. Me senti convidada a falar, justamente porque percebo a reprodução de muitas violências, desfocando pontos que acredito serem necessários pensarmos, para questionar e mudar essa lógica que recai sobre nós.

O primeiro ponto é que não há aborto paterno. Abortar implica muita coisa, inclusive no corpo (dor, procedimentos invasivos ou medicamentosos etc.). Além disso, implica em enfrentar um sistema e ser condenada publica e moralmente, caso alguém descubra. Implica em se colocar em possível condição de morte, por falta de assistência. Implica em muito investimento de energia psíquica e física no fato, com tomadas de decisões que vão contramaré. Homens não abortam, eles abandonam e sem precisar impor segredos. Grande parte, sem remorso, segue a vida, e sem nenhuma consequência, até mesmo para futuros relacionamentos. E isso é fato num estado (o Pará) onde a maior parte das mulheres são mães solos – grande parte delas, negras e periféricas. A expressão “aborto paterno” me soa violenta com as mulheres e seu direito reprodutivo, retirando todo debate político e de visibilidade pelo direito de decidir sobre seu corpo e que não tem a ver com abandonar, mas sim com a responsabilidade com sua vida e com outra vida que pode se formar.

O segundo ponto é quanto a violência judiciária. Não sou advogada, então que qualquer gafe seja perdoada, pois meu debate se propõe ao sociológico. Entre tantos fatores, me chama atenção a velha estratégia de desqualificação moral ao expor fotos nuas da parte em processo e também o próprio discurso do filho, filmado. Não precisa ser psicóloga para avaliar que no discurso da criança aparece o argumento de que o pai perdeu investidores e ela também. Notoriamente, essa criança foi informada, e de forma seletiva, de maneira a nutrir raiva da própria mãe. Se fosse o contrário, a prerrogativa de “alienação parental” já estaria em curso, mas alienação parental só serve pra culpabilizar mulheres. Como sou declaradamente contra a lei de alienação parental, prefiro considerar que há perpetuação da violência psicológica e que há extensão para as crianças, que sofrem com a exposição de um pai que pouco se importa com a saúde mental de seus filhos. Sim, o que deveria ser resolvido entre adultos, envolve a criança, sem mínimo de preocupação com os efeitos disso em seu desenvolvimento.

Por fim, vem o Fantástico com matéria, que não assisti, mas sendo benevolente e vitimizando o homem. O Fantástico, outro programa de grande audiência, fazendo o serviço de uma teia de tecnologias que se unem e funcionam para esmagar as mulheres que fazem denúncias, transformando-as em vilãs.

E eu que quando escrevi a última crônica, pensei que escreveria nesta algo mais poético… não deu. Como diz uma amiga, muito querida: “o Brasil me obriga beber”. Eu reescrevo: “o Brasil me obrigada a escrever”.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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