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Posso me considerar uma estudiosa de feminismos. Me nomear e intitular feminista é algo que me autorizei após grandes investimentos e travessias quanto a autoestima. Mas me autorizei apenas quando o grupo que coordeno passou a fazer ações em comunidades e quando mergulhei, de fato, em leituras e estudos profundos sobre o tema.

Dentro dos meus privilégios, hoje meus livros são de mulheres, em grande parte os teóricos, e há dois anos, pelo menos, minhas autoras têm sido feministas negras, latinas, dentre elas as indígenas. Com elas percebo maturidade política de pensamento crítico desde quando comecei, em 2017, com grupo de relações de gênero e a me lançar ao projeto de atendimento na Universidade. Com estas autoras alguns pontos me são caros e os gostaria de enunciar: é preciso entender a colonização que se mantém sobre nós, na forma de pensar, ser e agir, e que está à serviço do capitalismo; é preciso compreender a relação intrínseca e amalgamada entre gênero, raça e classe. Por isso, diante da confusão que muita gente faz com conceitos e, por vezes, utilizando de argumentos em nome do feminismo que o próprio feminismo combate, surge a questão: pra que serve o feminismo? Pra que é? Ele é pro individual ou pra coletividade?

Primeiramente, não há um feminismo, mas diferentes lentes teóricas, ideológicas e de práticas que irão compreender fenômenos de formas diferentes. Gosto muito da compreensão de que feminismo precisa ser anticapitalista, anticolonialista, antiracista, antilgbtqifobico, ecoambientalista. Logo já se percebe que é um movimento social e político que se propõe militante de causas sociais, de projetos de leis, de acessibilidades, com fim de fissurar estruturas hegemônicas de poder e tornar a sociedade mais habitável para minorias, em especial, as mulheres. Para tal, a organização das mulheres em processo de descolonização do saber e do ser se faz urgente: é preciso desconstrução, é preciso pensamento crítico, fora ou não do meio acadêmico (aliás, fora da academia se produz espaços de grande potência e formas de fazer-saber necessárias), é preciso reconhecer as violências e opressões que um sistema patriarcal colonial produz.

E aí, entram as questões individuais. Não, minha amiga, feminismo não é pra lavar roupa suja com a amiguinha e se você leu assim, te convido a aprofundar sobre isso, embora a briguinha possa sim falar do sistema estrutural de rivalidade entre mulheres, por exemplo. Feminismo é sobre desnaturalizar o que acontece no cotidiano e tudo isso é um processo lento e gradual de cada uma. Os meios que acontecem são os mais diversos, as necessidades também. Geralmente, quando uma mulher fala, grita; como eu que escrevo crônicas na tentativa de mostrar que o pessoal é político e que devemos desativar diariamente as amarras estruturais.

Uma enorme violência recai: a narrativa feminina sempre é questionada e muito facilmente tendem a considerar que é excessiva, assunto que deveria ficar isolado ou que diz respeito a sentimentalismos. Ouvir mulheres em suas dores é importantíssimo, promover espaço de identificações e de reconhecimentos de vias de lutas mais ainda. Por isso, grupos de mulheres são tão necessários. Feminismos são sobre mudanças na estrutural social e para isso é preciso desnaturalizar o que está em nós e ao nosso redor, caso contrário a estrutura permanece a mesma. É complexo eu sei, árduo e difícil também; é difícil para caramba, por sinal; e é alvo de ataques constantes, como sempre foi, mas é necessário em um país que mulheres pagam com vidas, são assediadas sexual e moralmente todos os dias, recebem menos, são sobrecarregadas com tarefas domésticas e maternidade, violadas institucionalmente em locais de saúde, etc, mas é no coletivo e no fazer diários que causamos rupturas que ajudam outras mulheres.

É um movimento que consegue criar uma lei que te ampare quando violentada, como é capaz de te fazer perceber uma violência doméstica, antes despercebida. É uma ferramenta que briga pela equidade das mulheres na política e que ao mesmo tempo te ensina que você pode e deve falar, nos mais variados espaços. É um movimento político, teórico, social, de transformações coletivas, ao mesmo tempo que é um movimento de tomada de consciência sobre corpo político e suas nuances. É um movimento que te faz desativar rivalidades femininas, mesmo aquelas travestidas de justificativas coerentes para nosso meio social, por isso que é um eterno enfiar o dedo nas nossas feridas também, já que somos subjetivadas no e para o patriarcado.

Fazer do feminismo uma prática de cuidado de si (no sentido foucaultiano) talvez seja um dos desafios mais exigentes em intitular-se feminista. Sigamos no desafio, cheio de tropeços, percalços, medos, mas também de vitórias, sejam elas internas, sejam elas externas, reverberando em políticas públicas para nós, mulheres. Tenhamos força, pois sempre haverá contramaré para questionar se o que você faz é correto e te forçando a desistir. A difamação e manipulações para enfraquecer mulheres e os movimentos sempre existiram, o patriarcado não dorme.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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