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Aconteceu mais uma vez no mês passado, com o lançamento de Resident Evil Village: milhares e milhares de pessoas correndo para o YouTube para assistir ao jogo. Em questão de horas após o lançamento, já havia inclusive críticas nas mídias sociais, num espectro que ia do desgosto ao êxtase.

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Meses atrás, o mesmo havia acontecido com The Last of Us 2. Nesse caso, as críticas negativas superaram em enxurrada as positivas: enquanto a nota dos usuários do Metacritic é um mero 5.7, – mediana pra baixa –  a nota da crítica é um 93, uma das mais altas entre jogos recentes. E não dá pra dizer que o jogo foi um fracasso de público: The Last of Us 2 é o terceiro jogo pra Playstation mais lucrativo da história. E isso apenas nos Estados Unidos.  

Onde está a discrepância? É claro que agradar todo mundo é impossível e uma obra, qualquer que seja, sempre terá, em diferentes proporções, fãs e detratores. Mas casos como o a segunda parte de The Last of Us chamam atenção para o fato de que, pelo menos aparentemente, a crítica está vendo algo que o público em geral não está. E a resposta pode ser justamente na forma como a maioria do público tem decidido experimentar os jogos.

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Ellie, protagonista de The Last of Us 2 (2020)

Games são, por definição, uma mídia interativa. A grande “graça” de se jogar um jogo, em comparação a assistir um filme ou ler um livro, por exemplo, é que temos a oportunidade de agir e, em alguns casos, gerar consequências diretas na história e no mundo, ao mesmo tempo em que somos diretamente impactados por eles. Claro que a forma e as possibilidades oferecidas variam de acordo com o gênero, estilo e até as tecnologias usadas no desenvolvimento de um jogo. Os gráficos da geração atual permitem a criação de mundos inteiros com realismo fotográfico! Mas, ironicamente, cada vez mais gente decide olhar esse mundo exatamente como olhariam uma foto: sem participar dele. Nesse sentido, até Pac-man (“Come-come”, para alguns) exige mais participação do jogador do que um vídeo no YouTube. O vídeo transforma o jogador em espectador.

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Pac-man (1980): um clássico

 

É claro que muita gente decide assistir os vídeos por não ter acesso a um console ou computador potente o bastante para jogar esses lançamentos. E, para quem talvez tenha apenas essa opção à disposição, não deixa de ser uma forma de aproveitar um pouco do que o jogo tem a oferecer. Mas, e isso é importante ter em mente, apenas um pouquinho. Se o game fosse um filme, seria como ouvir um relato de alguém que viu o filme, ao invés de ir ao cinema você mesmo. 

Isso porque, assim como os gráficos e as narrativas evoluíram ao longo do tempo, também evoluiu a forma como eles são escritos e desenhados para fazer sentido a partir da interação com o jogador. Assistir Resident Evil Village pode dar acesso à história completa do jogo e até a alguns de seus “segredos”, mas jamais vai se comparar à experiência de não saber por qual caminho fugir de um inimigo apavorante. O vídeo no YouTube não vai te fazer sentir o cansaço mental de tentar resolver um quebra-cabeças e, talvez, ter de salvar o jogo para continuar no dia seguinte. A resposta tátil e as vibrações do controle não aumentarão sua ansiedade em momentos chaves da história. E você talvez não se importe com o horário, já que sempre é possível pausar o vídeo e retomar do mesmo ponto quando quiser, ao invés de ter que atravessar corredores infestados de monstros em busca de um ponto de salvamento.

Esses são apenas alguns exemplos de tudo que é perdido ao se “assistir” a um jogo que, por definição, foi feito para ser jogado. Essa discrepância entre as experiências atinge extremos ainda maiores em casos como The Last of Us 2. Mais do que se parecer com um filme, o grande trunfo do jogo, e motivo pelo qual ele se tornou o mais premiado da história, é o fato de usar a interatividade, uma característica tão marcante dos games, para provocar, incomodar e até forçar o jogador a refletir sobre conceitos como empatia, violência, família e perda. A história segue interessante para ser assistida? Com certeza. Mas essa experiência é realmente apenas o 5.7 que os usuários do Metacritic enxergaram. Os 4.3 restantes, que permitem o aproveitamento completo da obra e justificam sua existência só acontecem quando o jogo é jogado. É também por isso que os criadores resolveram contar essa história em um game, e não numa série de televisão, filme ou livro – embora, é claro, adaptações já estejam a caminho e terão sua própria linguagem e especificidades. 

Vídeos de jogos são um recurso interessante e podem ser usados para diversos fins. Eu mesmo costumo procurar vídeos de momentos específicos de um jogo após terminá-lo, para ver como outros jogadores solucionaram algo que foi difícil para mim. Ou para ouvir comentários e piadas a respeito de certas partes do game. Mas uma certeza eu tenho: assistir gameplay jamais substituirá a experiência de jogar. E muito menos me habilita a formar opinião sobre uma experiência que não se pode ser vivida passivamente. Afinal de contas, quando se fala em games, o controle está, literal e figurativamente, nas mãos do jogador. 

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

Dimas de Lorena Filho
É jornalista com mais de 10 anos de experiência em comunicação corporativa em empresas como Experian, Monsanto e Bayer. Largou da chupeta por causa do videogame. E fez mestrado só pra poder estudar "joguinho". Atualmente, estuda Game Design na Universidade de Ciências Aplicadas de Colônia, na Alemanha.

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