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O post Salinas sem dinheiro no banco, informando que a principal cidade turística do Pará ficou sem um tostão nos caixas eletrônicos do Banco do Brasil, em pleno feriadão do Carnaval, ensejou uma enxurrada de reclamações de todas as regiões do Pará. Leitores denunciaram que em Santarém e Alter do Chão, Bragança e Ajuruteua, Belém e Mosqueiro, Marapanim e Marudá, Abaetetuba, Marituba, Altamira, Castanhal, Cametá, Baião e São Miguel do Guamá esse sofrimento acontece o ano inteiro. Pois acreditem: dos 5.588 mil municípios brasileiros, 352 não têm canais de acesso direto aos bancos desde 2016. Nessas cidades, os serviços financeiros são prestados pelas lotéricas, os Correios, cooperativas de crédito ou estabelecimentos comerciais que atuam como correspondentes bancários. Porém, há limite para saques e pagamentos de boletos. Isolados, os moradores são obrigados a viajar quilômetros até cidades vizinhas para sacar salários e aposentadorias ou fazer depósitos. Uma vergonha!

O encolhimento da presença bancária tem sido justificado pela reestruturação e corte de custos, mas a questão é que os bancos não têm o menor interesse em manter agências pouco rentáveis. Acontece que as relações de consumo entre clientes e usuários das instituições financeiras estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor, e existem meios legais de cobrar esse serviço. O acesso das pessoas ao estabelecimento bancário é direito à cidadania, bem como respeito ao princípio da dignidade humana, fundamentos da República Federativa do Brasil, o que deveria impulsionar o Ministério Público, no sentido de fazer valer esses direitos. Chamar às falas o BB, por exemplo, exarar recomendação para que cumpra o dever de prestação do serviço e, em caso de descumprimento, ajuizar ação civil pública, é medida que se impõe.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido da competência do município legislar sobre medidas que propiciem segurança, conforto e rapidez aos usuários de serviços bancários, uma vez que se trata de interesse local. Esta aí uma boa iniciativa que se espera dos vereadores.

O diálogo normativo entre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e o Sistema Financeiro Nacional é altamente possível, a considerar a base única de seus fundamentos: a ordem econômica constitucional. A recusa ao atendimento à demanda enseja vício de qualidade na prestação de serviços.

O Decreto 2.181/97 instalou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cuja atribuição administrativa é tripartite entre União, Estado e Município.  É certo que os bancos possuem recursos financeiros e humanos suficientes para atendimento digno ao cliente. Nos termos dos artigos 23, inciso II, e 24, incisos I, V, VII e XIV, da Constituição Federal, também compete aos Estados a defesa e o respeito ao consumidor de serviços bancários, bem como a comodidade e segurança das agências. Há precedentes do STF. E compete ao Procon a fiscalização da qualidade do atendimento prestado pelo banco ao consumidor, quer correntista, quer o público em geral. Nesse mesmo sentido extravasam as decisões dos tribunais (inclusive do STF), como no caso da famosa ADIn nº 2591, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro e julgada de todo improcedente, com reconhecimento da incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas contratuais e securitárias e consequente vedação da interpretação extensiva da Lei federal nº 4.595/64, de forma a limitar a atuação do Conselho Monetário Nacional apenas às atividades referentes ao desempenho do sistema financeiro. E nem poderia ser outra exegese, justamente a considerar os princípios constitucionais que vergam a ordem econômica (CF, art. 170) à aplicação dos preceitos éticos, perfilhando um novo direito privado, democrático, igualitário e emancipatório. 

As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.  

Aliás, é de se lembrar o preceito contemplado pelo art. 192 da Constituição: consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional – a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 

A sórdida realidade das instituições financeiras é que recheiam os bolsos com o superendividamento global e desatendem o consumidor. Ao invés de investirem socialmente os lucros, interrompem serviços de natureza essencial.
Aliás, os bancos se dizem ‘com responsabilidade social’. Mas esse estratagema adiciona apenas vantagem própria à imagem da instituição, benefícios econômicos relativos à comercialização da prestação dos serviços.
Muito mais que mera caridade, na verdade os bancos estão obrigados à solidariedade, através da função social assegurada na Constituição, que incide sobre a atividade de modo cogente, até por força do art. 170 da CF.

O MP dispõe de eficaz instrumento de defesa do interesse difuso, coletivo, individual homogêneo e indisponível, que pode – e deve! – utilizar, inclusive requerendo indenização a todos os correntistas e consumidores que demonstrarem os prejuízos havidos pela mitigação ou não prestação de serviços, e danos morais coletivos.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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