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A mobilização pelo dia 18 de maio marca o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pela lei federal nº 9.970/2000, em memória da menina Araceli Crespo, de apenas 8 anos, que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada no dia 18 de maio de 1973. Mas hoje, 15, o juiz Luiz Trindade Jr., titular da Vara Única de Muaná, no arquipélago do Marajó, contrariando o pedido do delegado de polícia local, a manifestação do Ministério Público e a sua própria decisão há menos de uma semana, substituiu a prisão preventiva de Iraci Pimenta Rodrigues Filho, vulgo “Iracizinho”, preso por estupro de vulnerável, pela prisão domiciliar.

O abusador tem 52 anos, é professor da rede municipal de Muaná e a vítima é um de seus alunos, tendo sido o crime cometido dentro da sala de aula, o que é agravante.

A decisão causa maior espanto ainda porque, no último dia 8, o mesmo magistrado decretou a prisão preventiva do professor, frisando na justificativa, textualmente: “In casu, como apresentado pelo requerimento da Delegacia de Polícia da Comarca de Muaná, o acusado é suspeito de prática do delito tipificado junto ao artigo 217-A, c/c art. 226, II, do Código Penal, havendo indícios suficientes da autoria e da materialidade delitiva por parte do acusado, através de diversos depoimentos acostados aos autos, bem como, do relatório circunstancial elaborado pelo Conselho Tutelar e exame sexológico realizado com a vítima. Pelo que se tem nos autos, teme-se que em liberdade o acusado continue importunando a pretensa vítima, ou, ainda, tente se furtar de responder por seus delitos. De bom grado salientar ainda que o delito praticado é de elevado grau de reprovabilidade, e gera grande insegurança ao meio social em que o representado está inserido, este que é professor de alunos menores de idade. Isto posto, por entender que a aplicação de outras medidas cautelares diversas da prisão não surtiriam a eficácia necessária para o acautelamento social pretendido, e ainda, acompanhando o requerimento do Douto Delegado de Polícia e o parecer do Ministério Público, com fundamento na garantia da ordem pública e na garantia da aplicação da lei penal, decreto a prisão preventiva de Iraci Pimenta Rodrigues Filho, nos termos do art. 312 do CPP.” (grifos do juiz).

O crime aconteceu no último dia 26 de abril e só foi descoberto porque a criança passou mal, não conseguia evacuar, sentia muitas dores, vomitava e sujou a roupa de cocô. A mãe suspeitou e perguntou insistentemente mas o pequeno, com medo e vergonha, só contou o que padecera quatro dias depois, quando foi levado ao médico, diante da persistência dos sintomas. Ele fazia prova e ficou por último na sala de aula, sozinho, com a porta fechada por causa do ar condicionado. O professor baixou as suas calças, introduziu o pênis no ânus da criança, e após o ato exigiu segredo, a título de “recompensa” por ajudá-lo nas questões que ele não sabia resolver. O pai foi ao Conselho Tutelar, onde os conselheiros Gabriel Pantoja Soares, Roselene da Costa Monteiro e Rudhério Coelho da Costa pediram a presença da mãe e da vítima. Em escuta especializada, a criança repetiu tudo o que já contara aos pais, e também ao médico de plantão na Unidade Mista de Saúde de Muaná, Dr. Fábio Rocha. No dia seguinte, 1º de maio, o pai da vítima registrou BO e o Conselho Tutelar fez um relato circunstanciado ao delegado Felipe Mendonça de Oliveira, que também tomou providências imediatas. Requisitou perícia ao Instituto Renato Chaves, que realizou o exame no dia 3 de maio, constatando a recente violência sexual na criança. Concluído o inquérito, o delegado requereu a prisão preventiva, em documento fartamente embasado em laudos médicos e depoimentos, realçando a importância que deve ser dada à palavra da vítima em crimes dessa natureza.

Embora sem fato superveniente, o juiz acatou o pedido da defesa do professor e assim fundamentou sua nova decisão: ”Embora seja um caso de repercussão social, nem sempre isso significa que se está praticando a justiça quando se mantém alguém preso quando ele pode responder o caso de outra forma que não encarcerado. Cito aqui um caso de repercussão social que teve graves consequências de brutal injustiça, o caso Escola Base ocorreu em 1994, em São Paulo. As provas apresentadas pela defesa são relevantes, mas não servem, nesse momento, para desatar o nó do fato sob análise, mas lançam uma neblina sobre a autoria, permanecendo intocável a materialidade diante do laudo pericial produzido. As declarações juntadas com o pedido da defesa, aliadas ao princípio da presunção da inocência e as condições objetivas e subjetivas do agente, primariedade, domicílio na cidade, pai de família, profissão definida, lhe asseguram, a meu ver, responder o processo fora do cárcere. Com base no princípio da presunção da inocência e por possuir os requisitos objetivos e subjetivos, substituo a prisão preventiva pela prisão domiciliar a ser cumprida na cidade indicada na petição, Abaetetuba-PA, até ulterior deliberação, devendo residir no endereço declarado à justiça e manter-se em casa por tempo integral, só podendo deixar a residência mediante autorização judicial, ou em caso de consultas ou tratamento médico devidamente comprovado. Durante esse período, o detido não pode entrar em contato com a vítima ou os parentes desta. Em caso de descumprimento das medidas da prisão domiciliar, a prisão preventiva pode novamente ser decretada. Como o Fórum de Muaná está sem internet, serve a presente decisão como alvará de soltura, devendo a secretaria providenciar posteriormente elaborar e lançar no sistema BNMP o mandado de prisão domiciliar.”

Não se sabe como e quem fiscalizará o efetivo cumprimento de tal prisão domiciliar em outra comarca. A proteção jurídico-penal foi para o agressor. À vítima, resta o pavor, a dor psíquica e emocional permanente, estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, isolamento social, comprometimento cognitivo, eis que violência sexual na infância causa traumas para toda a vida. O MPPA certamente vai recorrer e o Tribunal de Justiça do Estado do Pará fará valer a lei, a jurisprudência e a Justiça, protegendo o infante violado.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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