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O mundo despede-se nesta segunda-feira de uma das figuras mais marcantes do século XXI. Morreu o Papa Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, aos 88 anos, na Casa Santa Marta, sua residência no Vaticano. O anúncio foi feito oficialmente pela Santa Sé na manhã de 21 de abril, segunda-feira de Páscoa. Com sua partida, encerra-se um pontificado de doze anos do argentino, primeiro Papa latino americano da história, que desafiou tradições, enfrentou crises históricas e reconectou milhões de católicos.

Francisco não apenas liderou a Igreja Católica; ele mudou o modo como o papado é compreendido. Deixou de lado a pompa e o cerimonial, abriu as janelas do Vaticano para o mundo real e propôs que a Igreja fosse “um hospital de campanha”, junto às feridas da humanidade. Ele se tornou o Papa mais querido entre católicos progressistas, agnósticos e até ateus por causa de sua empatia, coerência e abertura ao diálogo.

Francisco foi eleito em 13 de março de 2013, após a histórica renúncia de Bento XVI. Quando apareceu na varanda da Basílica de São Pedro naquela noite, saudando com um singelo “boa noite”, muitos talvez não compreendessem ainda o significado daquele momento. Mas o mundo logo descobriria: o novo papa era diferente de tudo o que se havia visto.

Argentino, de origem italiana, jesuíta, Francisco era o rosto da América Latina dentro do Vaticano. Havia passado sua vida pastoral nos bairros pobres de Buenos Aires, sendo mais visto entre os fiéis simples do que entre os teólogos. Tinha enfrentado crises internas na Companhia de Jesus e sido acusado injustamente de conivência com a ditadura militar argentina — acusações que mais tarde se revelariam infundadas, diante do número de pessoas que salvou em silêncio, à custa da própria segurança.

Antes mesmo de ser papa, sua vida já era feita de contradições, fé, tensão e coragem. E como pontífice, não hesitou em desafiar estruturas e mexer em temas considerados tabu: abriu espaço para os leigos nas decisões da Igreja, promoveu a escuta das mulheres, defendeu o acolhimento das pessoas LGBTQIA+, reformou a Cúria Romana e descentralizou o poder do Vaticano.

Ao contrário de seus predecessores, Francisco não governou pela imposição de dogmas, mas pela abertura de processos. Conduziu sínodos com escuta ampla e promoveu debates antes impensáveis — como a possibilidade da ordenação de mulheres ao diaconato, o celibato opcional e o papel da Igreja diante de novas configurações familiares.

Enfrentou ainda a maior crise moral da Igreja contemporânea: os abusos sexuais cometidos por membros do clero. Diferente do silêncio institucional de décadas anteriores, Francisco deu visibilidade ao tema, convocou uma cúpula global sobre o assunto, endureceu as normas canônicas, criou comissões independentes e estabeleceu mecanismos para responsabilização de bispos omissos. Ainda assim, seu papado não ficou livre de críticas quanto à lentidão em responder a algumas denúncias e à resistência de setores conservadores.

Ao longo de seu pontificado, Francisco se manteve fiel ao princípio de uma Igreja pobre para os pobres. Preferia as periferias às catedrais, os encontros com refugiados às recepções oficiais, os gestos simples aos discursos longos. Em suas viagens, do Sudão do Sul ao Japão, da Amazônia à Palestina, levou uma mensagem de paz, justiça social e responsabilidade ambiental.

Na encíclica Laudato Si’, alertou para o colapso climático e denunciou a destruição da Casa Comum. Em Fratelli Tutti, clamou por uma fraternidade universal que transcendesse religiões, ideologias e fronteiras. Esses documentos ampliaram o alcance da Igreja para além dos católicos, dialogando com ativistas, cientistas e líderes de diversas crenças.

Ao tratar temas complexos, Francisco escolhia a misericórdia como linguagem principal. Dizia que “a realidade é superior à ideia” e que é preciso olhar o ser humano antes de qualquer norma. Por isso, mesmo entre os que haviam se afastado da religião, seu nome despertava respeito e, não raras vezes, afeto.

O documento final da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, realizado em 2019, propõs uma profunda renovação da atuação da Igreja Católica na Amazônia, articulando espiritualidade, justiça social e preservação ambiental sob o conceito de “ecologia integral”. O texto defende a escuta dos povos tradicionais, o respeito à diversidade cultural, a valorização do protagonismo indígena e feminino, e aponta caminhos pastorais adaptados às realidades locais, incluindo novos ministérios, liturgias inculturadas e até um rito amazônico. Frente à destruição acelerada do bioma e às violações de direitos humanos, o Sínodo reforça a missão da Igreja como aliada dos povos e guardiã da “casa comum”, pedindo reformas estruturais e uma conversão sinodal capaz de integrar fé, cultura e defesa da vida.

Com a morte do Papa, o camerlengo ( cardeal que assume provisoriamente a administração do Vaticano) deu início aos rituais seculares do interregno papal. Confirmada a morte, o anel do pescador foi destruído diante do Colégio dos Cardeais, simbolizando o fim de seu pontificado. A certidão de óbito foi emitida, os aposentos selados, e iniciou-se o processo de notificação às autoridades religiosas e diplomáticas.

Francisco será sepultado entre o quarto e o sexto dia após a morte, conforme tradição. Durante os nove dias seguintes, a Igreja vivenciará o luto oficial (o novemdiales) com missas e homenagens públicas. Após esse período, será convocado o conclave que elegerá seu sucessor.

Francisco não concluiu todas as reformas que iniciou e talvez não tenha pretendido concluí-las. Seu método não foi o da ruptura, mas o da fermentação lenta, das portas entreabertas, do convite permanente à escuta e à conversão. Em vez de um papa doutrinador, foi um facilitador de caminhos, um pastor com cheiro de ovelha, como ele mesmo dizia.

O futuro não se impõe: propõe-se com ternura e esperança”

escreveu certa vez. Assim viveu. Assim será lembrado.

Papa Francisco (1936–2025)

Pontífice de 2013 a 2025

“Preferimos uma Igreja acidentada por estar nas ruas do que doente por ficar fechada.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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