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A escolha do tema não está relacionada à Páscoa, embora pareça pertinente. O perdão é um assunto que sempre ronda nossos pensamentos e, com frequência, surge nas conversas do cotidiano. Entretanto, apesar de muito falado, poucas pessoas refletem mais profundamente sobre ele. Quero deixar claro que não tenho pretensão de definir, conceituar ou encerrar a ideia do perdão, mas, tão somente, escarafunchar o tema.

Perdoar não se trata simplesmente de “esquecer” a ofensa ou o dano que o outro causou, nem de negar ou apagá-la. Ao contrário do que se diz, é preciso olhar profundamente para as dores, os sentimentos experimentados e, a partir dessa imersão, construir outra narrativa. Por isso, o perdão é um complexo processo do sujeito com ele mesmo. É uma experiência subjetiva.

Melanie Klein aborda o perdão como uma forma de consertar em nós mesmo aquilo que foi terrivelmente destruído. Ela usa a reparação como a base para pensarmos em termos metapsicológicos o que é o perdão e atrela-o à possibilidade de reparação e à capacidade que cada um tem de se refazer.

Há uma grandiosidade por trás do perdão e, por certo, afeta-nos positivamente. Funciona como um entendimento, um desapego, uma liberação gradual daquilo que nos causou dor. Podemos pensar em um processo de reestruturação do Eu, capaz de nos levar a um estágio onde os afetos negativos, os danos causados, passam por uma espécie de filtro que os clarifica e os eleva a outro estágio, sem que haja negação ou esquecimento.

Se o perdão alimenta a pulsão de vida, alçando-nos a um estado de bem estar psiquico e físico; desvencilhando-nos da dor e ressignificando o acontecido sem, contudo, ser complacente ou benevolente com os atos ou pensamentos do outro; se reescreve o fato sem abrir mão da própria autoestima ou respeito e muito menos nos obriga a aceitar ou nos reconciliar com quem nos causou mal, então, a quem de fato perdoamos?

Quando somos profundamente feridos, experimentamos um caldeirão de afetos. Um misto de raiva, tristeza, frustração, ódio, decepção. Quase invariavelmente desejamos que o outro morra e, via de regra, passamos dias remoendo. Pode parecer estranho, mas o melhor a fazer e deixar esse tsunami cheio de ira fluir.

O luto daquilo que foi esfacelado precisa ser vivenciado. E o luto é um processo de aceitação da perda de pessoas, coisas, ideias ou ideais que requer um trabalho psíquico  para que seja bem elaborado, passando pela constatação de que houve a perda – chamada prova da realidade –  para a partir da conscientização da inexistência do objeto perdido a libido retornar ao sujeito e, posteriormente, buscar outros objetos.

O perdão faz o mesmo caminho. É justamente no fim do processo de estravazamento do ódio, da frustração, da decepção e demais afetos experimentados pelo sujeito que se inicia o processo psíquico de gradual desapego e dissipação dos laços afetivos, permitindo que esse liberte-se e encontre novo sentido. Portanto, se isso é um processo subjetivo, no qual eu, por exemplo, vivencio todos esses sentimentos negativos e, ao perdoar, serei eu quem vivenciarei a sensação de leveza e bem estar, logo, eu não perdôo o outro. Perdôo a mim mesma.

France Florenzano
France Florenzano é psicanalista, pós-graduada em Suicidologia pela Universidade de São Caetano do Sul. Whatsapp: (091)99111-5350 Instagram: psifranceflorenzano

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