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Projeto incentiva debate sobre práticas de sustentabilidade nos municípios marajoaras

Promover arte, cultura, educação e consciência ambiental por meio de palestras, cursos e atividades práticas, contemplando gerações de moradores dos 16 municípios do arquipélago, o Projeto “Marajó em Cores” reuniu um coletivo de artistas, educadores, ambientalistas, comunicadores e outros profissionais, no último sábado (10), em São Sebastião da Boa Vista. Crianças e pré-adolescentes, de 07 a 11 anos, tiveram contato com a biodiversidade regional, plantaram mudas e conheceram mais sobre grafitagem, artesanato, geografia, literatura e capoeira. As atividades interdisciplinares foram apresentadas por profissionais marajoaras convidados a integrar essa troca de conhecimentos e vivências.

A temática ambiental foi abordada pelos professores Silvestre Costa, Sulamita Pinheiro Costa, Tomelina Santos e  Mário Tavares Pereira, mais conhecido como professor Barrinha; o capoeirista Paulo Cristiano dos Rezes a artesã Socorro Ferreira, convidados pela organização do evento.

O projeto foi idealizado pelo artista visual boavistense Jesus Oliveira Magno, que coordenou a ação comemorativa ao Dia da Amazônia – 05 de Setembro. “Observei que existe uma necessidade de articular com a comunidade um projeto que fale sobre a natureza em diálogo com outras áreas, e o que representa pra elas a Amazônia nos dias atuais. Pensamos em várias atividades, principalmente com crianças, adolescentes e jovens. Tentamos conscientizar esse público para seguir um caminho longe do envolvimento com drogas, prostituição e outras mazelas sociais”, explicou o artista, observando que muitos participantes descobrem talentos e aptidões durante as oficinas e demais atividades da programação.

Houve ainda visita monitorada aos espaços do sítio, de propriedade do marítimo Luiz de Albuquerque e da professora Maria Raimunda Mendes de Albuquerque (esposa de Luiz), que coordenou os trabalhos junto com Jesus Magno. De acordo com a professora, o encontro buscou desenvolver a percepção visual dos jovens e valorizar diversas linguagens, como as artes visuais e plásticas, o artesanato marajoara, a música e a literatura, chamando a atenção para o cotidiano da região e a valorização da fauna, da flora e da exuberância do arquipélago, pontuando as especificidades de cada município.

“Acreditamos que ao trabalhar de forma unida transformaremos mentes e corações de nossas crianças em adultos amáveis, responsáveis, e que saberão zelar pela sociedade em desenvolvimento”, frisou a professora Mendes.

No espaço, o grupo entrou em contato com temáticas de reaproveitamento de insumos naturais, como as folhas caídas que viram adubo e fertilizam o solo, e cuidados com hortaliças orgânicas e tratamento adequado do lixo – processos de separação, reaproveitamento e incineração. Todos observaram a variedade de árvores (piqui, pacuri-açu, jenipapo); visitaram viveiros de camarão e peixes (tambaqui e tilápia) para consumo próprio e comercialização e plantaram mudas de couve, chicória e quiabo de metro, além de plantas medicinais.

Outro parceiro de Jesus Magno, Paulo Cristiano dos Rezes, professor de Capoeira e coordenador do Grupo Simbauê, levou integrantes para uma apresentação. Natural de Macapá (AP), o capoeirista é conhecedor de formas sustentáveis de lidar com a terra. Ele falou sobre tratamento de descartes naturais e entulhos, tipos de solo, plantações, hortas medicinais e orgânicas.

Paulo dos Rezes também ajudou na reorganização da horta e no plantio das mudas, mostrando como preparar o solo com adubos orgânicos (folhas de bananeira e cascas de banana, ovo e batata). “Nós reviramos a terra e usamos um pouco de calcário pra corrigir o solo. Também utilizamos cinzas e carvão resultantes da incineração”, informou. No sítio da professora  Mendes têm metal reciclado (geladeiras, pneus, máquinas de lavar) e reaproveitamento de insumos naturais como adubo.

Meta de alcance – Reconhecido pelo cultivo de açaí e camarão, São Sebastião da Boa Vista (com mais de 26 mil habitantes – IBGE/2020) possui área de proteção ambiental, cortada por rios e furos, na região ocidental da maior ilha fluviomarítima do planeta.

A primeira edição do Projeto “Marajó em Cores” foi realizada no primeiro semestre deste ano, no Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari. A segunda edição, no início de setembro, reuniu em São Sebastião da Boa Vista cerca de 30 crianças e adolescentes no ateliê de Jesus Magno, para conversar sobre preservação ambiental, pintura de murais, esculturas em miriti criadas pelo artesão Rudnei Monteiro e conhecer os elementos da cultura Hip Hop: rap (ritmo e poesia), grafites (assinaturas), Dj’s e Mc’s, e Street Dance (dança de rua), com a participação do B Boy Davison com o Break e de André Felipe, mais conhecido como Bart Mc, criador de músicas que falam sobre a realidade boavistense.

Segundo Jesus Magno, o objetivo é levar o projeto para todos os municípios marajoaras, promovendo ações que realcem as capacidades artísticas e culturais, estimulando a juventude para a defesa ambiental, por meio de troca de saberes entre profissionais de diversas áreas e de atividades práticas.

A professora Mendes ressaltou a importância da ampliação do conceito de meio ambiente para promover a inserção de crianças, jovens e adultos nos cuidados com a natureza. “O ‘Marajó em Cores’ prima pelo diálogo, união e respeito. É um sonho que se transformou em realidade”, disse ela. “O projeto não possui conotação política e partidária. Abraçamos a política da paz, do amor, do respeito e da cidadania. E quem ama, educa”, completou, citando o médico e educador paulista Içami Tiba.

Conhecimentos – A conversa sobre preservação ambiental foi encerrada com uma roda de capoeira. As crianças também fizeram pinturas e reciclagem. Alessandro e  Leandro, ambos com 9 anos, e João, 11 anos, transformaram pneu em vaso colorido. Na edição anterior, o trio também construiu casas e objetos lúdicos reaproveitando caixas de papelão.

O encontro culminou com a ida à horta para o plantio de mudas e a interação com frases escritas no painel criado por Jesus Magno. Ao redor da palavra “Amazônia” foram registrados pensamentos sobre o que a ela representa para cada um no contexto atual de derrubada de árvores, queimadas, garimpo ilegal e alterações climáticas. “A frase ‘Amazônia, o futuro se faz no presente’ tá ali no outro cartaz. Como construir esse futuro com nossas boas atitudes?”, provocou o artista.

Natureza ferida – O Projeto Marajó em Cores é a natureza representada de forma erudita ou popular na produção de artistas e profissionais da região, provocando reflexão em especial nas novas gerações.

A professora aposentada Sulamita Costa falou sobre como começou a escrever poemas após a perda de um filho. Hoje, é requisitada por escolas locais para criar poemas em datas comemorativas. Ela também cria paródias de músicas famosas enaltecendo a riqueza amazônica e tecendo críticas ao tratamento dado à região.

O cordelista e professor Silvestre Costa, que em julho passado passou a integrar a Academia Paraense de Literatura de Cordel, disse aos presentes “que a arte de criar é uma das coisas mais maravilhosas do mundo, porque a arte embeleza a vida. A gente é arte”. Para ele, a melhor poesia é a que brota do coração. “A nossa Amazônia é um centro muito lindo que está sendo explorado. Todos nós precisamos dessa terra. E é daqui, dessa reunião, que vai brotar o grito da Terra”, afirmou.

Cuidar da Amazônia – A professora Mendes enfatizou que a Amazônia é a maior produtora de oxigênio para o planeta. Ela, que convidou os participantes para transformarem a sociedade em benefício da natureza, disse que seu sítio, junto com o da professora Tomelina, são referências no município.

Professora de Geografia, Tomelina ensina aos seus alunos que o município faz parte do Estado do Pará, da Região Norte e da Amazônia Legal, que é “objeto de desejo de muitos países”. “A Amazônia é vida, é ar, é tudo de bom, e temos que preservar”, afirmou.

O cuidado com a matéria-prima extraída da natureza é prioridade para a artesã boavistense Socorro Ferreira, especialista no trançado em fibra de jupati. A tradição ancestral feita por mulheres destaca tessituras elaboradas e coloridas das fibras naturais, transformadas em chapéus e garrafas decoradas.

A artesã contou que o grupo de artesanato que coordena, o Arte em Fibra de Jupati, também confecciona acessórios de moda e objetos utilitários e decorativos. O manejo correto da fibra de jupati (extraída do jupatizeiro, palmeira encontrada na várzea) é um dos objetivos de Socorro Ferreira, além da divulgação e capacitação de artesãs para garantir a continuidade do trabalho.

“Aprendemos a cultivar o jupati e temos o cuidado de manter ao menos metade dos braços de onde saem as fibras. Antes, de quatro braços a gente tirava três. Mas hoje temos noção do tempo que leva para crescer, do tipo de jupati bom pra raspar e formar as fibras que usamos e o mais apropriado para outros objetos, como cestinhas e matapi (objeto de pesca artesanal de camarão feito com tala do jupatizeiro). Há um tempo a gente não imaginava que ele poderia acabar. Já estamos pensando, inclusive, em formas de plantar mudas de jupatizeiro”, ressaltou.

O estudante Noan Carlos França, 13 anos, aprovou as atividades em pintura e reciclagem e destacou o trabalho feito com reaproveitamento de um orelhão antigo como assento criativo. Apesar da imensa biodiversidade e do potencial humano e econômico, o Marajó banhado por águas fluviais e oceânicas registra baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Censo/2010. A Organização das Nações Unidas (ONU) utiliza o índice para analisar a qualidade de vida da população. Os critérios de avaliação são saúde, educação e renda, que formam o panorama socioeconômico.

Texto: Luciane Fiuza

Fotos: Thiago Paes e Herlon Leitão

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