Publicado em: 12 de maio de 2025
Por séculos, alquimistas se debruçaram sobre caldeirões e manuscritos na tentativa de realizar a transmutação perfeita: transformar chumbo em ouro. Um feito que sempre habitou o imaginário humano, tanto na ciência quanto na literatura — como José Arcádio Buendía no realismo mágico de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Graças à física nuclear, esse sonho foi concretizado no laboratório da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, na Suíça. O resultado é espetacular do ponto de vista científico porém frustra qualquer ambição econômica.
Entre 2015 e 2018, o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, conseguiu gerar 29 picogramas de ouro, equivalente a cerca de 86 bilhões de átomos, uma quantidade trilhões de vezes menor do que seria necessário para fundir uma aliança, por exemplo.
O processo foi descrito no último dia 7 de maio, em estudo publicado no periódico Physical Review C. Nele, cientistas da colaboração Alice (A Large Ion Collider Experiment), um dos detectores do LHC, relataram a inédita detecção sistemática da formação de núcleos de ouro em colisões de átomos de chumbo a velocidades próximas à da luz.
O fenômeno ocorre quando dois núcleos de chumbo, cada um contendo 82 prótons, passam extremamente próximos no acelerador, viajando a 99,999993% da velocidade da luz. Nessa interação, os intensos campos eletromagnéticos geram pulsos de fótons capazes de desintegrar os núcleos, fazendo com que percam prótons e nêutrons. Ao perder três prótons, o chumbo se transforma em ouro, que possui 79 prótons. Dependendo do número de partículas perdidas, também podem se formar núcleos de mercúrio (80 prótons) ou tálio (81 prótons).
A detecção do ouro foi possível graças ao uso dos calorímetros de zero grau (ZDCs), equipamentos que medem a quantidade de nêutrons livres liberados nas colisões. “Graças às capacidades únicas dos ZDCs do experimento Alice, esta foi a primeira vez que conseguimos detectar e analisar experimentalmente a assinatura da produção de ouro no LHC”, explicou a física Uliana Dmitrieva, em comunicado do Cern.
Apesar da conquista histórica, os próprios pesquisadores deixam claro que o resultado não tem qualquer viabilidade comercial. Para além da energia colossal necessária para realizar as colisões, o custo e a escala microscópica do ouro produzido tornam o processo absolutamente inviável para qualquer tipo de aplicação econômica.
A conquista do LHC resgata o fascínio ancestral pela alquimia, mas, ao mesmo tempo, ilustra como o conhecimento científico evoluiu para além dos mitos e da busca por riquezas fáceis. O verdadeiro valor da transmutação realizada em laboratório está na compreensão das forças fundamentais da natureza, das interações nucleares e do comportamento da matéria em condições extremas.
Assim como em Macondo, a ciência moderna prova que transformar chumbo em ouro é possível — mas não como imaginavam os antigos alquimistas.
Foto em destaque: Cern
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