A falta de diálogo com o movimento que ocupa a sede da Secretaria de Estado de Educação em Belém há nove dias está expandindo ainda mais o conflito, que já chegou ao Supremo Tribunal Federal com a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em face da Lei n.º 10.820/24. A ADI se fundamenta nos dispositivos constitucionais de que a educação escolar indígena representa instrumento essencial para a efetivação do Estado de Direito e para a concretização dos princípios que orientam a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a livre determinação e o respeito à diversidade cultural. A Apib requereu, ainda, a concessão de qualquer outra medida que o STF entender cabível e necessária para a proteção dos direitos fundamentais dos povos indígenas à educação escolar indígena diferenciada e à preservação de suas culturas e identidades.
A decisão da juíza federal Lucyana Daibes, que a pedido do governo do Estado deu prazo de 12 horas para que as lideranças indígenas desocupem a portaria de entrada da Seduc, os Blocos 1 e 2, corredores, rampas e escadarias que dão acesso a essas áreas, ficando somente na área externa desses edifícios, no auditório e no refeitório, sob pena de multa de R$ 2 mil por hora de descumprimento, piorou a crise. O auditório, por exemplo, quando chove alaga, o que foi constatado durante reunião com a presença do secretário Rossieli e do procurador geral do Estado, ficando as pessoas e principalmente as crianças que estão lá expostas a doenças como leptospirose.
Por sua vez, o Procurador Regional da República e todos os procuradores e procuradoras da República do Pará impetraram Mandado de Segurança perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com pedido de liminar que determine ao governador Helder Barbalho e ao secretário de Educação Rossieli Soares que respondam e atendam imediatamente às requisições apresentadas entre os dias 14 e 16 de janeiro de 2025 pelo Ministério Público Federal e que foram solenemente ignoradas (ofícios nº 21/2025 – PRM-PGN-PA-00000044/2025; nº 22/2025 – PRM-PGN-PA-00000063/2025 e nº 23/2025 – PRM-PGN-PA-00000068/2025), especificamente no sentido de adotarem todas as medidas administrativas necessárias para assegurar condições básicas às pessoas que ocupam a Seduc em protesto (acesso à água, alimentação, banheiros (químicos, se necessário), energia elétrica, segurança estrutural, assistência médica e vacinação, se necessário); bem como que qualquer intervenção policial ali siga os princípios da necessidade, proporcionalidade e legalidade, priorizando a mediação e o diálogo, especialmente porque envolve pessoas indígenas em situação de vulnerabilidade; que garantam o cumprimento, em caso de eventual intervenção policial, da Lei nº 13.060/2014, vedando o uso da força contra pessoa(s) que não represente(m) risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; assegurem a liberdade de imprensa, garantindo o acesso dos veículos de comunicação às informações necessárias para a cobertura adequada do caso, assim como a legítima atuação de instituições, públicas e privadas, na defesa dos direitos humanos dos povos indígenas e tradicionais; e forneçam os nomes e matrículas da(s) autoridade(s) pública(s) responsável(is) pela determinação de utilização da força policial no contexto da ocupação e do(a) responsável pela chefia da operação de segurança da Polícia Militar à frente da diligência; e dos agentes de polícia destacados para atuar no local, especificando nomes e respectivas matrículas, e dos agentes da empresa terceirizada que presta serviços à Seduc/PA em atuação no local.
O MPF requer também que o governador e o secretário se abstenham de adotar quaisquer condutas que possam resultar em embaraços ou constrangimentos ao exercício legítimo do direito de manifestação das lideranças em defesa da educação indígena diferenciada e presencial, vedando a imposição de medidas que visem à desmobilização, restrinjam ou determinem formas de manifestação, ou constranjam pessoas como condição para o exercício desse direito constitucional; que se abstenham de impor restrições espaciais ao movimento reivindicatório, ainda que eventuais transtornos ao funcionamento do órgão público possam ocorrer; e não causem embaraços à liberdade de imprensa e à atuação funcional de instituições públicas e privadas na defesa dos direitos humanos dos povos indígenas e tradicionais, assegurando o livre ingresso e circulação nas dependências da Seduc. Requer, ainda, multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento de qualquer das determinações.
No Mandado de Segurança os procuradores da República salientam que “não restam dúvidas de que a inércia e o desatendimento às requisições do MPF pelos respectivos gestores públicos, em situação grave e emergencial, configuram evidentes atos de autoridade eivados de ilegalidade. A violação do direito líquido e certo, de obtenção de resposta às requisições ministeriais, na forma e tempo devidos, e ao direito de livre e legítima manifestação, é ainda mais alarmante por se tratar de protesto pacífico realizado por povos tradicionais e professores em um espaço público, que tem especial natureza e deve estar aberto à sociedade civil, sendo, ainda, vocacionado a tratar das pautas atinentes à educação em todo o Estado. A medida pleiteada é proporcional e necessária, pois visa apenas compelir a autoridade coatora a cumprir sua obrigação legal de atender à requisição do MPF e a respeitar os direitos e garantias fundamentais dos manifestantes. Não há prejuízo desproporcional ao ente estadual no cumprimento dessa ordem, visto que a atuação administrativa deve sempre observar os princípios constitucionais da legalidade, eficiência e moralidade, conforme o art. 37 da Constituição Federal. O deferimento da tutela de urgência assegura a regularidade da atividade investigativa, sem causar impacto negativo injustificado à Administração Pública”.
O MPF denuncia na petição que “desde o início da ocupação da Seduc deu-se a presença ostensiva de policiais, especialmente batalhões especializados em graves enfrentamentos, como cavalaria da PM, tropas de choque e Rotam; uso de spray de pimenta nos banheiros; corte do fornecimento de água e energia elétrica nas instalações da Seduc; proibição de ingresso de alimentação e insumos básicos; condições insalubres dos banheiros que os manifestantes utilizam para tomar banho; multas em ônibus e carros dos manifestantes estacionados à porta do local; vedação de entrada da imprensa, advocacia e outras instituições promotoras de direitos humanos; proibição de ingresso de professores e lideranças quilombolas integrantes e apoiadores do movimento; impossibilidade de livre circulação dos manifestantes, com proibição de entrada e saída, e de revezamentos de turnos.
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