Recebi, com indisfarçável orgulho e com não menos intensa preocupação, o honroso convite do presidente Ivanildo Alves, posteriormente referendado pela insigne Mestra Professora Anaisa Vergolino e Silva, presidente do IHGP, para proferir o elogio de Domingos Antônio Raiol, o Barão de Guajará, fundador desta Academia Paraense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, em nome de ambas as instituições, nesta memorável noite na qual foi entronizado o seu busto no jardim de acesso deste prédio.
Permitam-me, estimados confrades e dignos convidados, antes de adentrar na especificidade da oração a que me proponho, destacar a operosidade da atual gestão, sob o dinâmico comando do titular da Cadeira nº 01, que vem promovendo profícua administração. Em paralelo às medidas administrativas de modernização e reestruturação desta centenária casa da cultura, busca resgatar não apenas as tradições acadêmicas como conferir, àquele que lhe deu vida, as homenagens que há muito tempo lhe eram devidas. Sem lhe prestar nenhum favor, é meu dever afirmar que Ivanildo Alves adentra na história desta instituição como um Presidente que, lutando contra todas as dificuldades e a escassez de recursos, não hesitou em aceitar desafios para melhorar sua estrutura física e operacional, embelezá-la, dar-lhe maior visibilidade e cultuar, de maneira efetiva, nossos mais ilustres antepassados.
Da mesma forma, cumpre-me externar idênticos aplausos à professora Anaisa Vergolino e Silva que, de forma incansável e diuturna, tem dado o melhor dos seus esforços para continuar conferindo ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará, em cuja sede morou o Barão de Guajará, toda a extraordinária significância que representa para a cultura deste Estado, tornando-o referência na difusão de conhecimentos, na preservação da memória e na excelência das atividades que promove nas variadas áreas das ciências que abrange.
É de extraordinária importância este evento. No decorrer dos 122 anos de sua existência, pela primeira vez a Academia toma a iniciativa de realizar concretas homenagens a Domingos Antônio Raiol, um de seus fundadores assim como do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. A primeira foi materializada com a inauguração de seu retrato neste plenário que, doravante, é designado pelo seu honrado nome.
O insigne historiador e imortal Ernesto Horácio Cruz (Presidente da Academia em dois períodos – 1954 a 1956 e 1958 a 1962), e que honrou a Cadeira nº 07, patronímica do ilustre homenageado, (ora ocupada pelo confrade Benedito Wilson Sá), ao ser empossado como fundador da Cadeira nº 13 do nosso coirmão Instituto Histórico e Geográfico do Pará, que tem como patrono, também, o Barão de Guajará, proferiu um eloquente discurso no qual buscou, com a profundidade da pesquisa que lhe era peculiar, descobrir as origens da família Raiol.
Ernesto Cruz confessa não ter logrado êxito em poder determinar, com certeza, de onde ela provinha, sabendo que sua instalação no Pará se deu a partir do final do século XVIII. São suas palavras:
“ENCONTRAMOS A PRIMEIRA REFERÊNCIA A ESSA ÁRVORE GENEALÓGICA, CUJAS RAÍZES ESTAVAM PLANTADAS EM PORTUGAL, NUM DOCUMENTÁRIO MANUSCRITO DO NOSSO ARQUIVO PÚBLICO. TRATA-SE DE UMA CARTA TRAÇADA PELO PRÓPRIO PUNHO DO CAPITÃO MÓR NICOLAU PEREIRA DA COSTA, QUE DESDE 1773 SE ESTABELECERA NA VILA DA VIGIA, COMO MANDATÁRIO D’EL REI.
NESSA CORRESPONDÊNCIA APARECE PELA PRIMEIRA VEZ NAS CRÔNICAS DA CAPITANIA PARAENSE, O NOME DE JOSÉ DA COSTA RAIOL, NA QUALIDADE DE CAPITÃO DA COMPANHIA DE ORDENANÇA.
NO MESMO DOCUMENTO ESTÁ APENAS UMA RELAÇÃO DAS PESSOAS QUE SERVIAM NA CÂMARA DA VILA, E DOS PRIVILEGIADOS QUE FAZIAM PARTE DA FAMOSA COMPANHIA DE NOBREZA, DA LOCALIDADE.
ENTRE OS CAMARISTAS CITADOS POR NICOLAU DA COSTA, FIGURAVA INÁCIO RAIOL, IRMÃO DE JOSÉ RAIOL, DA COMPANHIA DE ORDENANÇA.
NO CONJUNTO DOS HOMENS NOBRES DA VIGIA, FIGURAVA JOÃO DUARTE RAIOL. FOI ISTO EM 1773.”
Ernesto Cruz afirma, também, não ter encontrado nenhuma referência, nesse ou em qualquer outro documento, que identifique o parentesco entre este último João Duarte Raiol e os dois irmãos Inácio e José, embora fossem todos habitantes da mesma cidade e pessoas de destaque na sociedade local, o que o levou a ter certeza serem eles da mesma família, contribuindo para esse entendimento o fato de não existir, nos Anuários Genealógicos brasileiros,
“A MAIS LIGEIRA ALUSÃO À EXISTÊNCIA DE OUTRA FAMÍLIA DE IGUAL APELIDO, RESIDENTE EM QUALQUER PARTE DO BRASIL-COLÔNIA, O QUE NOS LEVA A PRESUMIR QUE OS PRIMEIROS DESSE RAMO, VIERAM DIRETAMENTE AO PARÁ, NOS FINS DO SÉCULO XVII, OU PRINCÍPIOS DO XVIII, ESTABELECENDO-SE NA VIGIA, DEFINITIVAMENTE.”
E é justamente a cidade da Vigia de Nazaré, referência histórica e cultural do nosso Estado, o berço de nosso homenageado, que lá nasceu aos quatro dias do mês de março do ano de mil oitocentos e trinta, filho do sapateiro Pedro Antônio Raiol e sua esposa dona Archangela Maria da Costa Raiol.
Ernesto Cruz comete um equívoco ao registrar o dia 30 de março como dia do seu nascimento. Além da própria confirmação de seu neto, como veremos mais adiante, pesquisando nos Annaes da Biblioteca e Archivo Público, Tomo I, edição de 1902, na nota que registra o início da participação, como colaborador, de Domingos Antônio Raiol, assinando um trabalho sobre “A Catechese de Índios no Pará”, encontramos a seguinte referência:
“INICIA A SERIE DOS COLLABORADORES DOS ‘ANNAES’, O DR. DOMINGOS ANTÔNIO RAIOL, BARÃO DE GUAJARÁ, O DECANO DOS QUE, NO PARÁ, SE DEDICA AO ESTUDO DAS COUSAS PÁTRIAS.
ADVOGADO, POLÍTICO, ESTADISTA E ESCRIPTOR, SE NOS REVELA RAIOL HOMEM DE MERECIMENTO; SOB QUALQUER ASPECTO, OS ACTOS DA SUA VIDA PÚBLICA ENCERRAM SUBSIDIOS PARA UM JUÍZO MERITÓRIO. NA SUA BANCA DE ADVOGADO, NO DESEMPENHO DOS DEVERES DE PROMOTOR PÚBLICO, NOS ANNAES DA ASSEMBLEIA DO PARÁ E DO PARLAMENTO NACIONAL, NOS ARCHIVOS DE S. PAULO, ALAGOAS E CEARÁ, EXISTEM PROVAS DA SUA COMPETÊNCIA, DO SEU TINO ADMINISTRATIVO, DO SEU TALENTO. NA PEQUENA BIBLIOGRAFIA DA LITERATURA PARAENSE, OCCUPAM-SE AS SUAS OBRAS SOBRE POLÍTICA, INTERESSE DO PAIZ E HISTÓRIA DO PARÁ, UM DISTINCTO LUGAR, MERECIDAMENTE CONQUISTADO.
DOMINGOS ANTÕNIO RAIOL É PARAENSE, NASCEU NA CIDADE DA VIGIA, ORIGINÁRIA DE UM PEQUENO POVOADO ESTABELECIDO EM 1693 NA MARGEM OCCIDENTAL DO FURO CHAMADO DA LAURA, EM 4 DE MARÇO DE 1830. FORAM SEUS PAES PEDRO ANTÕNIO RAIOL E DONA ARCHANGELA RAIOL.”
A mesma referência a essa data 04 de março de 1830 vamos encontrar na Wikipédia, embora também com divergências, e na obra do desembargador, escritor e historiador Jorge Hurley, “Noções de História do Brasil e do Pará”, que coloca Raiol no “rol dos homens illustres do Pará, que actuaram durante o 2º reinado.”
Ao traçar um resumo biográfico do Barão de Guajará, em seu livro “Vultos Notáveis do Pará”, Ricardo Borges destaca que seu pai se transferiu para a Vigia, onde se tornou Vereador e, nessa condição, assassinado durante a ocupação dessa cidade pelos revoltosos da Cabanagem, em 1835. Domingos Antônio Raiol estava com 5 anos de idade e essa tragédia foi profundamente marcante em toda a sua existência.
Ernesto Cruz, nesse discurso de posse a que já me referi, e que foi pronunciado em 02 de maio de 1967, no Instituto Histórico e Geográfico do Pará, narra, com riqueza de detalhes, esse triste episódio:
“NO PRIMEIRO QUARTEL DO SÉCULO XIX, PEDRO ANTÔNIO CASAVA-SE COM DONA ARCÂNGELA MARIA DA COSTA. A 30 DE MARÇO DE 1830, FESTEJAVA O DITOSO CASAL O NASCIMENTO DE UM FILHO VARÃO, A QUEM PUSERAM O NOME DE DOMINGOS ANTÔNIO. NA SECULAR IGREJA DA VIGIA, QUE OS PADRES DA COMPANHIA DE JESUS CONSTRUÍRAM E DENOMINARAM DE MADRE DE DIOS, E QUE É, AINDA, UM DOS MONUMENTOS MAIS NOTÁVEIS DO PARÁ COLONIAL, FOI BATIZADO DOMINGOS ANTÔNIO RAIOL.
PERTO DA IGREJA FICAVA A CASA DA CÂMARA, E UM POUCO MAIS ADIANTE, NA RUA CHAMADA DE NAZARÉ, ÂNGULO DA TRAVESSA DO PASSINHO, ESTAVA LOCALIZADO O TREM DE GUERRA, QUE ERA O DEPÓSITO DAS ARMAS E MUNIÇÕES DO DESTACAMENTO DE LINHA.
CINCO ANOS DEPOIS DO NASCIMENTO DE DOMINGOS ANTÔNIO, A PROVÍNCIA ERA SACUDIDA PELO LEVANTE DOS CABANOS. A REVOLTA TOMOU CONTA DE BELÉM. ESPALHOU-SE PELO INTERIOR. O POVO EM ARMAS, LUTAVA PELA LIBERDADE. ERA O GRITO OUVIDO NAS RUAS E NAS LOCALIDADES POR ONDE PASSAVAM OS REVOLTOSOS.
A VIGIA NÃO PODIA ESCAPAR ÀS CONTINGÊNCIAS DA ÉPOCA.
A 23 DE JULHO DE 1835, UM BANDO REBELDE ATACOU A VILA, OBRIGANDO OS SEUS DEFENSORES A REFUGIAREM-SE NO TREM DE GUERRA. ENTRE OS SITIADOS ESTAVA O VEREADOR PEDRO RAIOL.
RECONHECIDA A SUPERIORIDADE NUMÉRICA DOS CABANOS, DELIBERARAM OS SITIADOS IÇAR UMA BANDEIRA BRANCA, PROCURANDO, ASSIM, ACALMAR A FÚRIA DOS REBELDES. A RENDIÇÃO, SUPUNHAM, CONTERIA A HORDA, PONDO FIM À SANGUEIRA QUE IA PELA CIDADE.
ACEITA A PAZ PELOS VENCEDORES, FOI DADA ORDEM AOS REFUGIADOS PARA DEIXAREM O TREM DE GUERRA, VINDO PARA A RUA DESARMADOS, PORQUE NADA MAIS LHES ACONTECERIA.
E ASSIM FOI FEITO.
ABRIU-SE A PORTA DO PRECÁRIO ARSENAL. E QUANDO OS SEUS HEROICOS DEFENSORES PISARAM A RUA, UMA DESCARGA CERRADA ABATEU-OS CAINDO UNS MORTOS, OUTROS FERIDOS, ENQUANTO OS REVOLTOSOS, DESVAIRADOS, CARREGAVAM NOVAMENTE AS ARMAS E ATIRAVAM, IMPIEDOSAMENTE, SOBRE OS REMANESCENTES DO TREM.
ENTRE OS VIGIENSES MORTOS NESSE DIA, ESTAVA O VEREADOR PEDRO ANTÔNIO RAIOL. TINHA DOMINGOS ANTÔNIO CINCO ANOS DE IDADE, PORÉM, DO SEU ESPÍRITO, DA SUA LEMBRANÇA, DE MENINO APAVORADO, NUNCA MAIS AQUELE QUADRO TRÁGICO, AQUELE FIM DRAMÁTICO DO SEU PAI, E O CHORO CONVULSO DE SUA MÃE, SE APAGARAM.”
As informações sobre os momentos de sua infância são imprecisas, não obstante saber-se que seus estudos primário e secundário foram desenvolvidos em Belém, tendo sido aluno do então Lyceu Paraense, o atual e legendário Colégio Estadual Paes de Carvalho. Em 1849, com 19 anos, viajou para Olinda para prosseguir seus estudos superiores. Em 1854 recebeu a graduação como Bacharel em Direito e decidiu viajar para a então Capital do Império brasileiro, o Rio de Janeiro, trabalhando com o Conselheiro e Visconde Bernardo de Sousa Franco por dois anos.
Seu retorno às plagas paraoaras ocorreu em 1856. Aqui chegando assumiu os cargos de Promotor Público da Comarca da Capital e Procurador Fiscal da Fazenda Nacional. Despertada sua vocação política, filiou-se ao Partido Liberal, sendo eleito por várias legislaturas Deputado da Assembleia Provincial. Em 1864 foi sufragado como deputado geral, representando o Pará na 12ª legislatura, no que hoje corresponderia à Câmara dos Deputados. Reeleito em 1889, o Parlamento Nacional foi dissolvido com a Proclamação da República.
No campo político, Domingos Raiol ainda se destacou por ter exercido, nesse período, a presidência das províncias de Alagoas entre 03 de setembro a 11 de dezembro de 1882 (nomeado pela Carta Imperial de 23 de junho de 1882); do Ceará, entre 12 de dezembro de 1882 a 17 de maio de 1883 e, ainda, a de São Paulo, entre 30 de junho de 1883 e 18 de agosto de 1883, nomeado pela Carta Imperial de 30 de junho de 1883.
No dia 03 de março de 1883 recebeu o título nobiliárquico de Barão de Guajará. Alguns autores afirmam que essa outorga ocorreu quando estava na Província de Alagoas, enquanto outros elegem que a concessão ocorrera na Província de São Paulo. Ouso acrescentar, pela data, que o Imperador o agraciou quando exercia a Presidência da Província do Ceará.
Contraiu matrimônio com dona Maria Vitória Pereira Chermont, sobrinha do Visconde de Arari, nascida em 06 de janeiro de 1834, filha de José Olympio Pereira de Souza Castilho Feyo e Marianna Francisca Lacerda de Chermont. De sua união matrimonial nasceram os filhos Pedro Pereira de Chermont Raiol, José Pereira de Chermont Raiol e Amélia Pereira de Chermont Raio, falecida precocemente.
O tio de Maria Vitória, Antônio Lacerda de Chermont, foi militar e fazendeiro marajoara. Conquistou a patente de Comandante Superior da Guarda Nacional e a Presidência da Província do Pará, sendo, também o primeiro Barão e Visconde de Arari.
Dele provêm a herança do solar em que o casal passou a residir e que atualmente abriga nosso congênere Instituto Histórico e Geográfico do Pará.
Se a ancestralidade de dona Maria Vitória Chermont era ligada à nobreza, o título de Baronesa foi conquistado graças ao filho do sapateiro que, por méritos próprios, recebeu do Imperador D. Pedro II, o título de Barão de Guajará.
A seu respeito, na introdução da série “Motins Políticos”, a obra que o consagrou, inicialmente publicada em 5 volumes e, depois, condensados em 3, comenta o não menos notável amazônida Arthur Cezar Ferreira Reis:
“SUA TRAJETÓRIA, COMO SERVIDOR DA PÁTRIA, REVESTIU-SE DE CARACTERÍSTICAS INVULGARES. NÃO ERA APENAS O EXCELENTE BRASILEIRO QUE, AQUI E ALI, CHAMADO A POSTOS DE RESPONSABILIDADE NA VIDA PÚBLICA DE SEU PAÍS, REVELAVA ESPÍRITO CÍVICO, CONSCIÊNCIA DE SUAS OBRIGAÇÕES, SENDO PRÁTICO NA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS QUE DEVERIA ENFRENTAR COMO GOVERNANTE, E ADMIRÁVEL SENSIBILIDADE PARA COM OS PROBLEMAS DO ESPÍRITO. POR ISSO MESMO, PRESIDENTE DE PROVÍNCIAS, ESCRITOR, POLEMISTA, HISTORIADOR, PARLAMENTAR, CONQUISTOU CONTINUADOS APLAUSOS, DE PAR COM AS RESERVAS, NATURAIS EM QUE PASSA PELA VIDA A SERVIÇO DA PÁTRIA.
NA DEFESA DE SUA POSIÇÃO E DE SUA INTELIGÊNCIA DE ACONTECIMENTOS, JÁ INTEGRADOS NO PASSADO, SOUBE SE AFIRMAR COM UMA SEGURANÇA INABALÁVEL, DEFENDENDO SUA MANEIRA DE JULGAR E REGISTRAR OS SUCESSOS SEM OS DESFIGURAR E SEM SE DEIXAR LEVAR PELAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES.”
Toda a vida e obra de Domingos Antônio Raiol são de tal exuberância que, nesta tribuna, não lhes posso senão traçar um pálido escorço. E, mesmo tendo consciência que dissertar sobre sua fulgurante personalidade não traria sobre o orador a impaciência ou enfado da seleta plateia que o assiste, não devo fugir da regra sobre o discurso.
Nesta segunda etapa cumpre-me a ousadia de esboçar uma tímida referência à sua produção literária, sem a pretensão de qualquer análise crítica e continuando a valer-me das autênticas expressões literárias que, em passado recente ou remoto, trouxeram luzes sobre o Barão de Guajará, enquanto literato.
É pertinente começar com a observação oportuníssima da minha querida e saudosa predecessora na Cadeira 22 deste Silogeu, profa. Maria Anunciada Chaves, que presidiu o Conselho Estadual de Cultura, em palestra proferida na Capital Federal, no dia 08 de abril de 1981, por ocasião da abertura da I Semana Cultural e Artística do Pará, subordinada ao tema “Traços da Cultura Paraense”:
“MUITAS INJUSTIÇAS TÊM SIDO PROFERIDAS CONTRA A LITERATURA PARAENSE. A MAIOR DELAS FOI COMETIDA POR JOSÉ VERÍSSIMO, APESAR DE SUA GRANDEZA E DA CIRCUNSTÂNCIA DE SER FILHO DO PARÁ. NÃO SÓ SILENCIA SOBRE A NOSSA PRODUÇÃO LITERÁRIA EM SUA NOTÁVEL OBRA “HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA”, COMO, NA ‘REVISTA AMAZÔNICA’ AFIRMA A PROPÓSITO DE ESTUDOS E RESENHAS LITERÁRIAS, QUE ‘O PARÁ É IMPOSSÍVEL FIGURAR’, PORQUANTO A ELE ‘A CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA NADA, ABSOLUTAMENTE, DEVE’. NÃO ATENTOU O ERUDITO E ABALIZADO ESCRITOR PARA O FATO DE QUE, PELO MENOS ELE PRÓPRIO, ERA UMA CONTRIBUIÇÃO DO PARÁ À CULTURA BRASILEIRA.
MUITO MAIS JUSTO FOI O AMAZONENSE PAULINO DE BRITO, QUE PASSOU A MAIOR PARTE DE SUA VIDA EM BELÉM, AO DECLARAR: ‘NÃO SOMOS, LITERARIAMENTE, RICOS, MAS, DA NOSSA MEDIANIA, OU MESMO POBREZA, PARA ESSA INDIGÊNCIA VERGONHOSA QUE NOS ATRIBUEM, A DIFERENÇA É GRANDE’.
JÁ POSSUÍMOS ALGUNS NOMES NAS LETRAS, QUE PODEMOS, COM ORGULHO APRESENTAR À CONSIDERAÇÃO DO PAÍS E DO ESTRANGEIRO; E ALGUMAS PRODUÇÕES LITERÁRIAS QUE OS MAIS CONSPÍCUOS POETAS DA LÍNGUA, QUER ANTIGOS, QUER MODERNOS, PODERIAM ASSINAR SEM DESLUTRE, ANTES, COM GLÓRIA, PARA SUA REPUTAÇÃO”.
E, mais adiante, em referência específica ao nosso fundador, a excepcional mestra da História, comenta:
“DOMINGOS ANTÔNIO RAIOL, BARÃO DE GUAJARÁ, NATURAL DE VIGIA, NOTÁVEL HISTORIADOR, DEIXOU UMA OBRA IMPERECÍVEL – ‘OS MOTINS POLÍTICOS’, EM CINCO VOLUMES, QUE ABRANGEM OS PRINCIPAIS MOVIMENTOS POLÍTICOS DO PARÁ ENTRE 1821 E 1835. ESGOTADO HAVIA MUITO TEMPO. ESSE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO FOI REEDITADO EM BOA HORA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. VÁRIAS OBRAS ESPARSAS DE RAIOL, ENTRE AS QUAIS ‘A ABERTURA DO AMAZONAS’, ‘JUÍZO CRÍTICO SOBRE AS OBRAS DE FELIPE PATRONI’, FORAM REUNIDAS PELO CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA, PRESEVANDO-AS, ASSIM, PARA A POSTERIDADE”.
O não menos ilustre e sempre lembrado historiador, jornalista e sociólogo Vicente Sales, expressão maior da nossa cultura, respondendo a um questionário do também jornalista Lúcio Flávio Pinto, anexado ao seu livro “Memorial da Cabanagem”, comenta sobre Domingos Antônio Raiol, ao ser indagado sobre o que assinalaria como marcante na passagem do Império para a República:
“DO PERÍODO, NÃO TIVEMOS EXATAMENTE UM PENSADOR POLÍTICO; MAS PELO MENOS O BARÃO DE GUAJARÁ, ECONOMISTA E HISTORIADOR, DEU-NOS ALGUMAS ANÁLISES EXPRESSIVAS DO QUE OCORRIA NO EXTREMO NORTE. ALGUNS TRABALHOS DESSE MONARQUISTA LIBERAL SÃO REFERENCIAIS IMPORTANTES PARA A COMPREENSÃO DOS PROBLEMAS LOCAIS. NUM DELES, ‘A IMIGRAÇÃO NA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO’, PUBLICADO ESPARSAMENTE EM ‘O LIBERAL DA VIGIA’ A PARTIR DE 12 DE MARÇO DE 1889, O BARÃO TENTA COMPREENDER AS DIFICULDADES LOCAIS DO DESENVOLVIMENTO, COMPARANDO A POLÍTICA MIGRATÓRIA QUE SE TENTAVA IMPLANTAR, COM A QUE SE IMPLANTARA EM S. PAULO. NAQUELA ALTURA, S. PAULO JÁ ACOLHERA CENTENAS DE MILHARES DE IMIGRANTES EUROPEUS E O BARÃO NOTA QUE ISSO NÃO FORA FRUTO DO ENTUSIASMO PASSAGEIRO; ERA, PELO CONTRÁRIO, “O RESULTADO CALMO E REFLETIDO DOS LONGOS ANOS DE EXPERIÊNCIA, FRUTO ABENÇOADO DE ESTUDOS, DE ESFORÇOS E DE INSPIRAÇÕES PATRIÓTICAS COMO AS SABEM TER OS PAULISTAS.” ANALISA AS CONDIÇÕES OBJETIVAS DO PARÁ, ONDE FALTAVA TUDO, A LAVOURA ESTAVA DECADENTE E A PROVÍNCIA MAL PRODUZIA PARA O CONSUMO PRÓPRIO.
TUDO ERA IMPORTADO: ‘O ARROZ, O MILHO, O CAFÉ, O AÇÚCAR E TANTOS OUTROS GÊNEROS QUE EM TEMPOS IDOS JÁ EXPORTAMOS EM MAIS OU MENOS ESCALA’
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O BARÃO É UMA VOZ DISCORDANTE NO MEIO DOS PREGOEIROS DAS EXCELÊNCIAS OU DAS MARAVILHAS DA TERRA DA BORRACHA. O ‘BOOM’ PRODUZIRA TAMBÉM UMA LITERATURA OTIMISTA, PARTE DELA PUBLICADA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA COM O OBJETIVO DE ATRAIR IMIGRANTES.”
O próprio Lúcio Flávio Pinto, sem nenhum favor um dos maiores nomes do jornalismo contemporâneo, faz a sua análise do Barão de Guajará, no “DOSSIÊ 9/JORNAL PESSOAL”, sobre os 180 anos da Cabanagem, com o título “A GUERRA DE UM POVO”:
“NA PRIMEIRA COLUNA TRATEI DE UM DOS MAIS IMPORTANTES LIVROS ESCRITOS POR UM PARAENSE. LIVRO QUE HONRA NÃO SÓ A CULTURA DO PARÁ, MAS DO BRASIL. E NÃO FICARIA EM MÁ POSIÇÃO JUNTO A CLÁSSICOS DA HISTORIOGRAFIA MUNDIAL. É UM CLÁSSICO, QUE MERECE O GRANDE TÍTULO QUE TEM: ‘MOTINS POLÍTICOS – OU HISTÓRIA DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS POLÍTICOS DO PARÁ DESDE O ANO DE 1821 ATÉ 1835’, DE DOMINGOS ANTÔNIO RAIOL, O BARÃO DE GUAJARÁ, POR OBRA E GRAÇA DE D. PEDRO II.
ORIGINALMENTE, A OBRA SAIU EM CINCO VOLUMES, AO LONGO DE QUASE UM QUARTO DE SÉCULO, ENTRE 1856 E 1890, COM NADA MENOS DO QUE 2.243 PÁGINAS. É A MAIOR E MAIS FECUNDA FONTE DE INFORMAÇÕES SOBRE A CABANAGEM ATÉ HOJE. COMEÇOU A SER PUBLICADA QUANDO O FINAL DO MOVIMENTO, COM A ANISTIA GERAL DOS CABANOS QUE AINDA SOBREVIVIAM, NÃO ALCANÇARA 20 ANOS.
RAIOL TINHA MOTIVOS PARA EXECRAR OS CABANOS, QUE EM 1835 EXECUTARAM SEU PAI, VEREADOR NA VIGIA, QUANDO O FILHO ESTAVA COM APENAS CINCO ANOS DE IDADE. ELE SE LANÇOU SOBRE O TEMA LOGO QUE PODE, MAS SEU ACERTO DE CONTAS NÃO FOI PESSOAL, COM OS ASSASSINOS DO PAI: FOI UM ACERTO COM A HISTÓRIA. QUASE TODAS AS INFORMAÇÕES PRIMÁRIAS QUE CIRCULAM PELAS ANÁLISES SECUNDÁRIAS FEITAS DESDE ENTÃO, SE BASEIAM NOS MILHARES DE DOCUMENTOS QUE ELE CONSULTOU PARA COMPOR ESSA POLIFONIA HISTORIOGRÁFICA.”
Arthur Cezar Ferreira Reis, que já mencionamos, mesmo achando que Raiol não fora inteiramente feliz em usar a expressão “Motins Políticos” para designar o movimento cabano, considera que:
“RAIOL TEVE BEM A NOÇÃO DO QUE FAZIA E DAS RESERVAS QUE LHE PODERIAM SER FEITAS. SEU ESFORÇO COMO PESQUISADOR FOI REALMENTE ASSOMBROSO. LIDOU COM O MATERIAL QUE PÔDE TER SOB SUAS VISTAS. PERDEU MUITO DO QUE REUNIA PARA FIXAR FATOS, NOMES, DATAS E CHEGAR A CONCLUSÕES. QUEM COMPULSAR OS TEXTOS DA OBRA E FOR AINDA AOS DOCUMENTOS QUE ILUSTRAM, HÁ DE CONVENCER-SE DO ESTUPÉNDO TRABALHADOR INTELECTUAL, PESQUISADOR ADMIRÁVEL QUE ELE SE REVELOU, COM A PAIXÃO DA VERDADE, DA MINÚCIA, DA CONCLUSÃO QUE PUDESSE SER ESTIMADA NA AMAZÔNIA ENTRE 1821 E 1840. NINGUÉM, NESSE PARTICULAR, SE LHE AVANTAJOU. NÃO CONHEÇO MESMO HISTORIADOR BRASILEIRO DA ÉPOCA QUE POSSAR COMPARAR-SE-LHE NA GRANDIOSIDADE, NO VOLUME, NA EXTENSÃO E NA PORMENORIZAÇÃO DE UM PERÍODO COM A TEMPORALIDADE DO QUE ELE ESTUDOU.”
A posição política de Raiol, como deputado liberal, levou muitos dos seus críticos, à época do lançamento do primeiro volume dos “Motins” a considerarem estar a obra impregnada do credo que professava, entre eles Ferreira Pena.
Diz Ernesto Cruz que “outros juízos críticos surgiram na Côrte e nas Províncias. Sinal de que o trabalho de Raiol havia obtido a repercussão necessária a uma obra de tamanha responsabilidade”.
Mais recentemente há o registro de autores que, embora reconhecendo a excelência indiscutível do trabalho de Domingos Antônio Raiol, dele divergem ou fazem reparos.
Pasquale Di Paolo, por exemplo, em sua obra “Cabanagem, a revolução popular na Amazônia”, mesmo considerando os “Motins” como uma obra monumental e indispensável “pela riqueza de dados e documentos coletados e acrescidos de comentários pregnos de sensibilidade pela terra que o viu nascer”, considera que há “excessivo descritivismo e parcial desorganização cronológica da matéria, sobretudo em momentos históricos significativos” que dificultam a compreensão do fio condutor do movimento cabano e se transforma em atitude anticabana.
Também o professor amazonense Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, na defesa de sua tese de doutorado, busca descontruir, com uma visão marxista, os diversos discursos sobre a Cabanagem e, a respeito do Barão de Guajará, entre outras análises que o relativizam, é enfático ao afirmar:
“POR FIM, QUANDO RAIOL ADJETIVA O MOVIMENTO DE ‘MOTIM’ E NÃO, POR EXEMPLO, DE REVOLTA POPULAR OU REVOLUÇÃO, FICA PATENTE QUE ELE QUER ATRIBUIR UMA VALORAÇÃO ESPECÍFICA, CLARAMENTE MINIMIZADA EM IMPORTÂNCIA POLÍTICA E SOCIAL”.
Já caminhando para o final, desejo valer-me do mesmo elogio pronunciado pelo grande historiador Ernesto Cruz, citado ao norte deste discurso, para referir-me às outras produções literárias de Domingos Antônio Raiol:
“ERA ADMIRÁVEL A CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE DOMINGOS RAIOL. ENQUANTO SELECIONAVA O DOCUMENTÁRIO QUE IRIA SERVIR DE BASE AOS MOTINS, CONSEGUIA TEMPO PARA COORDENAR IMPRESSÕES E FIXÁ-LAS NUM LIVRO BEM ACEITO PELA CRÍTICA DO SEU TEMPO, APESAR DAS PAIXÕES PARTIDÁRIAS QUE DIVIDEM OS CRONISTAS LITERÁRIOS DAQUELA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX. ‘BRASIL POLÍTICO’ FOI O TÍTULO DO ENSAIO GIZADO EM TORNO DOS PARTIDOS POLÍTICOS DO IMPÉRIO, IMPRESSO EM BELÉM, NAS OFICINAS DO ‘DIÁRIO DO COMMERCIO’ SEDIADA NA RUA DA PAIXÃO, DEPOIS CHAMADA RUA FORMOSA, QUE É A ATUAL TREZE DE MAIO, NESTA CIDADE.
VEIO, A SEGUIR, EM 1867, A COLEÇÃO DOS DISCURSOS PRONUNCIADOS NO PARLAMENTO BRASILEIRO, E ONDE TEVE PAPEL DE RELEVO O DEPUTADO TITO FRANCO DE ALMEIDA. ESSE VOLUME A QUE RAIOL DEU O TÍTULO DE ‘ABERTURA DO AMAZONAS’, FOI IMPRESSO EM BELÉM, NA TIPOGRAFIA DO ‘JORNAL DO AMAZONAS’, MONTADA À TRAVESSA DAS MERCÊS, HOJE FRUTUOSO GUIMARÃES.
DEPOIS DA PUBLICAÇÃO DOS ‘MOTINS’, DEU-NOS RAIOL O ‘JUIZO CRÍTICO SOBRE AS OBRAS LITERÁRIAS DE FELIPE PATRONI’. É UM TRABALHO DE CRÍTICA, CONCISO E BEM FUNDAMENTADO.
COMO PATRIOTA E ESTIMULADOR DOS HOMENS DE SUA GERAÇÃO, CORRETO NO INCENTIVO CÍVICO AOS HOMENS DE TODAS AS ÉPOCAS, PARA QUE A PÁTRIA SE ELEVE E CONSAGRE ATRAVÉS DA VENERAÇÃO DOS SEUS VULTOS E FATOS HISTÓRICOS, O BARÃO FUNDOU, COM A AJUDA DE OUTROS PATRIOTAS, NESTE SOLAR, ONDE TEM O INSTITUTO HISTÓRICO SUA SEDE DEFINITIVA E PRÓPRIA, A SOCIEDADE 15 DE AGOSTO, QUE PARTICIPAVA ATIVAMENTE DOS FESTEJOS COMEMORATIVOS DA ADESÃO DO PARÁ Á INDEPENDÊNCIA DO BRASIL.”
Ricardo Borges, na precitada obra “Vultos Notáveis do Pará”, indica também o livro “História Colonial do Pará” como integrante do acervo literário do Barão. Mas, Ernesto Cruz a ela se refere como “incompleta”, apesar de comentá-la como “uma descrição fiel, meticulosa, insofismável do que fôra o núcleo que os portugueses fundaram e iam desenvolvendo na medida das suas possibilidades”
Domingos Antônio Raiol deixou-nos, com a idade de 82 anos, em um domingo, 27 de outubro de 1912, há 110 anos. Seu corpo foi velado no Solar que leva seu nome, sede, como já dissemos, do congênere Instituto Histórico e Geográfico do Pará, por ele também fundado.
Também em relação à data de seu falecimento há uma discordância pois, apesar de quase todos os seus biógrafos apontarem o dia 27 de outubro, o seu neto Dr. Pedro Pombo de Chermont Raiol, traçando um resumo biográfico na edição do livro OBRAS DE DOMINGOS ANTONIO RAIOL, que integra a Coleção História do Pará – Série Barão de Guajará, editada em 1970 pelo Conselho Estadual de Cultura, afirma ser 29 de outubro de 1912 o seu desenlace.
O sepultamento ocorreu no dia seguinte, sendo seu corpo inhumado na catacumba 384 do Cemitério de Santa Isabel.
Fundou esta Academia Paraense de Letras, a 3 de maio de 1900, ao lado de Artur Viana, Acrísio Mota, Enéas Martins, Frederico Rhossard, Guilherme Miranda, Juvenal Tavares, João de Deus do Rêgo, Teodoro Rodrigues, Vilhena Alves e os irmãos João e Antônio Marques de Carvalho.
Encontramos nos Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará, Tomo I, edição de 1902, sobre a sua fundação, que Domingos Antônio Raiol foi um dos que mais contribuiu com livros e dinheiro para a sua efetiva implantação.
Compartilho com os preclaros confrades e benquista assistência que nos honra com a paciência da escuta, um texto de Domingos Antônio Raiol, não retirado do nunca assaz decantado “Motins Políticos”. Fui buscá-lo em um artigo publicado nesses referidos Annaes, quando estreou como colaborador, escrevendo sobre “A Catechese dos índios no Pará”, e cujo final é uma exortação e conclamação aos paraenses como extraordinária visão de futuro:
“É DEVER DE TODO O CIDADÃO CONTRIBUIR PARA O ENGRANDECIMENTO DA PÁTRIA, E OS PARAENSES NÃO SÃO INSENSÍVEIS AOS JUSTOS RECLAMOS DO PATRIOTISMO. ELLES QIE ATTRAIAM OS BONS ESTRANGEIROS E SE REUNAM COM ESTES EM CRUSADA LUMINOSA DE PROGRESSO, EMPENHANDO-SE POR FRUCTIFICAR OS DONS PRECIOSOS DO SEU TORRÃO NATAL QUE, MOVIDO E IMPULSIONADO, NÃO TARDARÁ EM SER O EMPÓRIO DAS REGIÕES AMAZÔNICAS, PREPONDERANDO ENTRE OS POVOS CIVILISADOS. ASSIM PROMETTEM OS SEUS MÚLTIPLOS E VARIADOS RECURSOS. ASSIM O CREMOS E ESPERAMOS.
DEPENDERÁ ISTO NEM SÓ DO GOVERNO QUE CUIDE COM SINCERIDADE DE FAZER MEDRAR OS EXTRAORDINÁRIOS ELLEMENTOS DE GRANDEZA QUE POSSUIMOS, COMO DOS HOMENS EMPREHENDEDORES QUE CONFIEM NO PODER PRODIGIOSO DA CIVILIZAÇÃO, NA FORÇA PROVIDENCIAL DA INTELLIGÊNCIA E ATIVIDADE HUMANAS, ESTIMULADOS UNS E OUTROS POR SENTIMENTOS DE RAZOÁVEL INICIATIVA E PREVIDÊNCIA, DE COMEDIDA AMBIÇÃO E AUDÁCIA.
NÃO SE RESTRINJAM OS HOMENS CIVILIZADOS A SIMPLES COLHEITA DOS PRODUTOS NATURAES; TRATEM TAMBÉM DE CULTIVAR A TERRA; APROVEITEM NA LAVOURA OS NOVOS INSTRUMENTOS E PROCESSOS AGRÁRIOS; ALIMENTEM AS INDÚSTRIAS, FACILITEM AS COMMUNICAÇÕES COM AS NAÇÕES LIMÍTROPHES, E SEGURAMENTE RETUMBARÃO POR ESSAS REGIÕES SOLITÁRIAS OS ECOS DO MOVIMENTO SOCIAL, AO LONGO DAS PLANÍCIES E DAS SERRAS, NOS CONFINS DAS CAMPINAS E DOS LAGOS, EM TODOS OS MISTERES E LABORES DA VIDA.
NÃO SE PREOCUPEM SOMENTE COM AS PRODUCÇÕES EXCLUSIVAS DAS FLORESTAS E DAS MINAS, ANIMEM E VIVIFIQUEM TAMBÉM ESSES OUTROS RAMOS DE RIQUEZA PÚBLICA E PARTICULAR QUE ABUNDAM NOS VALLES DA AMAZÔNIA; DESPERTEM AQUELLES ERMOS COM OS SONS RUIDOSOS DOS VAPORES E DAS MÁQUINAS, COM AS CANÇÕES ANIMADORAS DO TRABALHO: — E CERTO SURGIRÃO, COMO POR ENCANTO, AS CIDADES, AS INDÚSTRIAS, AS ARTES, A AGRICULTURA, O COMMERCIO, A OPULÊNCIA, TODOS OS PHENOMENOS MARAVILHOSOS DO PROGRESSO; – E CERTO O PARÁ ASSUMIRÁ O IMPORTANTE PAPEL QUE LHE ESTÁ RESERVADO NO CONVÍVIO FRATERNAL DOS POVOS, COM DESVANECIMENTO E ORGULHO DO BRAZIL.
O FUTURO SE ENCARREGARÁ DE CONFIRMAR ESTE NOSSO LISONGEIRO VATICÍNIO, TALVEZ MAIS CEDO DO QUE SE PENSA. OS TEMPOS NÃO CORREM INUTILMENTE PARA A HUMANIDADE. SCENÁRIOS FIEIS DOS GRANDES ACONTECIMENTOS, OS ANNOS AVIVENTAM E TRANSMITTEM À POSTERIDADE TODAS AS CONQUISTAS DA CIVILIZAÇÃO.
E CADA AURORA QUE DESPONTA, É SEMPRE UM PONTO DE MENOS NO DOMÍNIO DAS TREVAS, UM PONTO DE MAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS POVOS. FECUNDADOS PELO TRABALHO, OS DIAS NAS SUAS CONSTANTES IRRADIAÇÕES DE LUZ APRESENTAM HORIZONTES CADA VEZ MAIS SEDUTORES: CLAREAM A LARGA ESTRADA DO PROGRESSO; PERPETUAM FEITOS GLORIOSOS DOS HOMEMS, O ENGRANDECIMENTO GERAL DA NACIONALIDADE.
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AS REGIÕES AMAZONICAS ACHAM-SE EM CONDIÇÕES PROPÍCIAS E PROMETTEM FARTAS E VALIOSAS MESSES ÀS EMPREZAS MERCANTIS, ÀS AMBIÇÕES MAIS EXIGENTES E INSACIÁVEIS; DEVEM POR ISSO ESTIMULAR A CIVILIZAÇÃO DESDE AS MARGENS COLLOSSAES DO RIO-MAR ATÉ ÀS NEVADAS CORDILHEIRAS DOS ANDES, ONDE TUDO É GRANDE, SECULAR, VIRGEM E ARREBATADOR. MATAS, CAMPINAS, MONTANHAS, TERRAS, LAGOAS, FONTES, TUDO AHI OSTENTA A MAGESTADE DA MAIS OPULENTA NATUREZA, MAS TAMBÉM QUASE TUDO ESTÁ POR EXPLORAR, SEM SERVENTIA E SEM VALOR, PEDINDO O AUXÍLIO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO, CLAMANDO POR CAPITAES E BRAÇOS QUE DESENTRANHEM OS THESOUROS SEPULTADOS EM TÃO ABENÇOADO SOLO.”
Não poderia encerrar este elogio, sem destacar dois excertos de uma pouco conhecida produção literária do nosso versátil homenageado, suas “Visões do Crepúsculo” onde, de forma notável e incomparável vai compondo sua narrativa mesclando-a com prosas poéticas, narrações descritivas, análises críticas e uma oportuníssima crítica ao comunismo. Logo no início, ele adverte:
“IMPORTA AINDA MENOS SABER QUAL SEJA A COMPETÊNCIA LITERÁRIA DE QUEM FAZ SEMELHANTES OBSERVAÇÕES CREPUSCULARES. CONTENTEM-SE OS CURIOSOS, COM SABER QUE É UM SEXAGENÁRIO, PRESTES A FAZER AS SUAS ÚLTIMAS DESPEDIDAS AO MUNDO, SEM MAIS APEGOS ÀS ILUSÕES DA VIDA. NÃO O SEDUZEM MAIS OS SONHOS FAGUEIROS DA MOCIDADE. FÔLHA SECA, QUASE A DESPRENDER-SE DA RAMA, NENHUMA ASPIRAÇÃO MAIS PODE TER, A NÃO SER A DE DIZER VERDADES SEM REFOLHOS: AVIVENTA-O SOMENTE A RECORDAÇÃO DO PASSADO COM AS DURAS LIÇÕES DOS ANOS DECORRIDOS.”
E, na finalização de seu texto, esta preciosa observação que parece ter sido escrita nesta época tão turbulenta e estranha que vivemos:
“INIMIGOS DO TRABALHO, OS SOCIALISTAS DESVAIRADOS ACREDITAM OU FINGEM ACREDITAR NO COMUNISMO, PREGANDO QUE A PROPRIEDADE É UM ROUBO, A IGUALDADE UM DIREITO NATURAL! E HÁ QUEM SE FAÇA ARAUTO DE SEMELHANTE DOUTRINA, COMO SE OS LABÔRES DO HOMEM ATIVO E EMPREENDEDOR NÃO DEVESSEM SER REMUNERADOS, COMO SE NÃO SUBSISTISSE A DIVERSIDADE DE TIPOS NO GÊNERO, NA ESPÉCIE, NA FAMÍLIA DE TODOS OS SERES DA CRIAÇÃO!
NINGUÉM SE ILUDA: NA DESIGUALDADE É QUE ESTÁ A LEI NATURAL QUE PRESIDE AS EVOLUÇÕES DO MUNDO FÍSICO E MORAL. POR MAIS QUE BROTEM E VICEJEM NO MESMO SOLO, AS FLORES DIVERSIFICAM NA FORMA, NA COR, NO AROMA, NA BELEZA E NO TAMANHO, COMO OS ARBUSTOS NO PRADO, COMO OS PEIXES NO MAR, COMO AS AVES NO BOSQUE, COMO AS CONCHAS NOS AREAIS DA PRAIA. A NATUREZA É IMUTÁVEL E ORIGINAL NAS SUAS MARAVILHOSAS CRIAÇÕES: – NÃO TEM DEBUXOS QUE LHE SIRVAM DE MODÊLOS EM TANTAS OBRAS DE ADMIRAÇÃO E ENLÊVO. OS CORPOS INORGÂNICOS E INANIMADOS TAMBÉM VARIAM, SALVOS, OS RAROS PONTOS DE SEMELHANÇA QUE OS APROXIMAM.”
Nesta sessão memorável, que testemunha a valorosa e decidida ação dos atuais acadêmicos em não se omitirem diante da extraordinária grandeza histórica de seu preclaro fundador, cumpre-nos igualmente destacar a forma insuspeita, ponderada e aclaradora com que Raiol, mesmo tendo seu amado genitor vítima da sandice de alguns cabanos raivosos, não hesitou em conferir, à linguagem de sua obra prima, um tom de indignação sobre a ferocidade com que agiram os vencedores, desde a derrota da Cabanagem até à rendição dos últimos combatentes:
“NINGUÉM IMAGINA O MARTÍRIO DOS INFELIZES QUE CAIRAM EM PODER DAS CHAMADAS EXPEDIÇÕES! FALAM SOMENTE DA SELVAGERIA DOS CABANOS, E ESQUECEM A BRUTALIDADE DOS APREGOADOS LEGAIS! DESTES REFEREM FATOS CRUÉIS QUE NÃO DEPÕEM MENOS CONTRA A NATUREZA HUMANA!
OS REBELDES, VERDADEIROS OU SUPOSTOS, ERAM PROCURADOS POR TODA A PARTE E PERSEGUIDOS COMO ANIMAIS FEROZES! METIDOS EM TRONCOS E AMARRADOS, SOFRIAM SUPLÍCIOS BÁRBAROS QUE MUITAS VEZES LHES OCASIONAVAM A MORTE!”
“HOUVE ATÉ QUEM CONSIDERASSE PADRÃO DE GLÓRIA TRAZER ROSÁRIOS DE ORELHAS SECAS DE CABANOS.”
Nosso fundador, de caráter e natureza pacifista, um homem com olhos no futuro e uma absoluta crença na Humanidade, deplorava a violência dos cabanos e a atrocidade dos que os subjugaram.
Amante da paz, buscava semear a concórdia e a fé nas possibilidades humanas de construírem um amanhã de plena solidariedade e amor, compartilhada por todos os seres de boa vontade.
Um ideário que, por certo, nos contamina a todos, seus pósteros e reverenciais admiradores, que desejamos fazer de Domingos Antônio Raiol, não apenas um busto e imagem decorativos. Mas um referencial de vida que nos inspire a vencer nesta caminhada e neste tempo de valores invertidos, onde predomina a indigência de exemplos e de testemunhos, e sermos dignos de pertencer às Casas que ele fundou.
Muito obrigado!
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