Publicado em: 3 de junho de 2025
Sabemos que os estrondos sonoros daquelas cenas cinematográficas de explosões no espaço sideral seriam impossíveis na “vida real”, já que lá o som não se propaga, mas o que de uma forma geral não sabemos é que os cheiros, estes sim são perceptíveis fora da atmosfera planetária. Cientistas e astrônomos, inclusive, têm recorrido à química dos odores para investigar a composição de planetas, luas, cometas e até exoplanetas, em uma empreitada que mistura astrobiologia, design de fragrâncias e cosmologia. A missão? Decifrar os aromas do universo e, com eles, os segredos de sua origem e potencial para abrigar vida.
Uma das vozes mais notáveis nesse campo emergente é a da astrobióloga e perfumista Marina Barcenilla, doutoranda da Universidade de Westminster, em Londres. Uma reportagem da BBC mostrou como ela se debruça sobre moléculas cósmicas e, com sensibilidade científica e olfativa, recria os cheiros de outros mundos. Em parceria com o Museu de História Natural de Londres, Barcenilla desenvolveu fragrâncias baseadas em dados astronômicos para a exposição “Space: Could Life Exist Beyond Earth?”.
“Júpiter é como uma bomba de mau cheiro”, afirma Barcenilla, que descreve a atmosfera do maior planeta do sistema solar como um turbilhão químico em camadas. A primeira, composta por gelo de amônia, remete ao odor da urina de gato. À medida que se desce, a combinação de amônia com enxofre gera compostos como o sulfeto de amônio, “um cheiro vindo direto do inferno”, diz ela. Com possíveis notas de gasolina e alho, Júpiter seria uma experiência olfativa extrema.
Além do desconforto sensorial, essas descobertas são cientificamente reveladoras. Compreender a composição atmosférica dos planetas permite inferir processos geológicos, climáticos e até biológicos. O cheiro, então, torna-se uma ferramenta de leitura do universo.
A busca por aromas não se restringe ao nosso sistema solar. Em 2022, o telescópio James Webb (JWST) detectou dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera do exoplaneta WASP-39b, a cerca de 700 anos-luz da Terra. O feito não envolveu narizes humanos, mas sim a análise de como os gases filtram a luz estelar, que é uma forma indireta de “cheirar” o espaço.
Já em 2023, uma equipe liderada por Subhajit Sarkar, astrofísico da Universidade de Cardiff, analisou a atmosfera do planeta K2-18b, a 120 anos-luz da Terra. O estudo encontrou indícios de dimetil sulfeto (DMS) e dimetil dissulfeto (DMDS), compostos orgânicos voláteis associados, na Terra, à atividade biológica de fitoplânctons marinhos. O cheiro? Algo entre repolho podre e o sal do mar, o que talvez possa ser uma assinatura química da vida.
“Não conhecemos processos não-biológicos capazes de gerar essas moléculas em grande escala”, explica Sarkar. Apesar de reconhecer que podem haver outras explicações, o pesquisador considera o achado como um dos indícios mais promissores de atividade biológica fora da Terra.
A química dos odores espaciais se estende às estrelas moribundas. Durante a morte estelar, há liberação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), moléculas em forma de “tela de galinheiro” que também estão presentes em combustíveis fósseis, plástico queimado e comida queimada. Esses compostos, embora tóxicos, desempenham papel importante na formação de novos planetas e cometas e deixam o universo com um leve “cheiro de oficina mecânica”, como relata Helen Sharman, a primeira astronauta britânica.
Sharman passou oito dias na estação espacial russa Mir, em 1991, e contou que, ao voltar de caminhadas espaciais, os trajes dos astronautas exalavam um cheiro metálico, similar a fumaça de solda ou carne carbonizada. A causa provável seria a oxidação causada pelo oxigênio atômico residual na baixa órbita terrestre.
Com a experiência de quem transita entre tubos de ensaio e frascos de perfume, Barcenilla destaca que muitas moléculas do espaço são familiares aos humanos. “É o mesmo tipo de substância que você sente quando queima comida, usa removedor de esmalte ou cheira gasolina”, diz. É o caso do formiato de etila, presente no centro da Via Láctea e que, apesar da fama de cheirar a framboesas, tem aroma mais próximo de rum ou solvente.
Em outro experimento olfativo, a cientista recriou o cheiro de Marte: uma combinação de ferrugem, poeira e mofo.
O olfato é um sentido ancestral, anterior à visão, e crucial para a sobrevivência de organismos simples. Em humanos, ele é um poderoso gatilho de memória e emoção, capaz de conectar astronautas isolados no espaço ao lar. “Nada se compara ao cheiro da Terra”, relembra Sharman, que, ao retornar da missão, ficou emocionada com o perfume das ervas amassadas pela cápsula ao aterrissar no Cazaquistão. “Era absolutamente delicioso.”
Ao captar os odores do cosmos, cientistas ampliam as fronteiras da astrobiologia e da cosmologia. Se um dia encontrarmos vida fora da Terra, talvez não a vejamos primeiro — talvez, a sintamos pelo nariz.
Foto: Mara Leite and Marina Barecenilla (via BBC)
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