A Polícia Federal (PF) divulgou um emaranhado de acusações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, que figura como indiciado em três investigações distintas: o caso das joias sauditas, a fraude nos cartões de vacinação e a tentativa de um golpe de Estado em 2022. Além de Bolsonaro, nomes como o do seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, e de Marcelo Costa Câmara, ex-assessor especial, aparecem nas três investigações.
Outro nome recorrente, citado em dois inquéritos – o dos cartões de vacinação falsificados e o da tentativa de golpe – é o do major reformado do Exército Ailton Gonçalves Barros. A conclusão dessas apurações sinaliza a gravidade das acusações e abre caminho para que Bolsonaro possa se tornar réu em múltiplos processos.
A PF apresentou na quinta-feira, 21 de novembro, os resultados de uma investigação que revelou a articulação de um plano de golpe de Estado após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. O ex-presidente e outras 36 pessoas foram indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
O inquérito, que teve início no ano passado, trouxe detalhes sobre a suposta estruturação do grupo, que dividiu tarefas em seis núcleos distintos para orquestrar ações contra a democracia. A conclusão da investigação foi divulgada dois dias após a prisão de quatro militares e um policial federal acusados de planejar um atentado contra as vidas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Outro inquérito que incrimina Bolsonaro envolve a falsificação de cartões de vacinação contra a Covid-19. A investigação aponta que documentos fraudulentos foram usados para criar a falsa impressão de que o ex-presidente e seus aliados haviam sido imunizados contra o vírus. Entre os suspeitos está o major reformado Ailton Gonçalves Barros, que teria tido papel ativo na adulteração dos dados.
A fraude nos cartões de vacina é vista pela PF como uma tentativa de manipular a opinião pública em torno das polêmicas relacionadas à gestão da pandemia, marcada pela postura negacionista do governo Bolsonaro.
O terceiro caso envolvendo Bolsonaro diz respeito à tentativa de apropriação de joias recebidas pelo governo brasileiro como presente de autoridades da Arábia Saudita. A PF investiga possíveis crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro na negociação desses itens, que incluem conjuntos luxuosos avaliados em milhões de reais.
O caso das joias sauditas inclui tentativas documentadas de assessores próximos de Bolsonaro para evitar que os bens fossem incorporados ao acervo público, como determina a legislação brasileira.
Com o avanço das investigações, Jair Bolsonaro pode enfrentar processos judiciais em múltiplas frentes. Após o indiciamento da PF, o Ministério Público Federal (MPF) analisará os relatórios para decidir se oferece denúncia contra o ex-presidente. Caso a denúncia seja aceita pela Justiça, ele se tornará réu e poderá ser julgado pelos crimes que lhe são atribuídos.
As investigações indicam uma articulação sofisticada de fraudes e crimes que vão além do ex-presidente, atingindo integrantes de seu governo e aliados de alta patente.
A tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa é, de longe, o inquérito mais grave contra Bolsonaro, uma vez que, pela primeira vez, a PF o coloca como figura central em uma articulação para romper a ordem democrática.
O relatório final da investigação, que ainda está sob sigilo, deve ter seu conteúdo divulgado em breve, revelando detalhes sobre as provas coletadas e os crimes atribuídos ao ex-presidente.
Um fator que torna a situação particularmente delicada para Bolsonaro é a própria legislação aprovada durante sua gestão. Em um ajuste sancionado por ele, a lei tornou explícito que a tentativa de golpe de Estado é crime, mesmo que a articulação não tenha sucesso. Essa modificação legislativa, aprovada sob o governo Bolsonaro, fortalece o caso contra ele, tendo em vista que a simples tentativa de uma ruptura institucional configura crime.
A Polícia Federal sustenta que as evidências contra Bolsonaro são vastas e robustas. Entre os elementos-chave apontados no inquérito estão:
- Reuniões do ex-presidente com o comando das Forças Armadas para discutir ações que comprometiam o Estado Democrático de Direito;
- Um documento sobre um estado de sítio, apreendido na sede do Partido Liberal (PL), que teria relação com o plano golpista;
- Trocas de mensagens de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, mencionando ajustes no decreto do golpe atribuídos ao ex-presidente;
- Um plano de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes, cuja versão impressa foi encontrada no Palácio do Planalto.
Segundo fontes, essas provas corroboram a tese de que Bolsonaro não foi apenas um beneficiário passivo das tentativas de ruptura democrática, mas sim um dos principais articuladores.
A vinculação de Bolsonaro a ideias golpistas não é nova. Há mais de três décadas, declarações do ex-presidente alimentam um imaginário autoritário, sustentando sua reputação como alguém que frequentemente flerta com a ruptura democrática. No cargo mais alto do país, essas inclinações foram traduzidas em ações que agora estão sob intenso escrutínio.
Em meio às acusações mais graves, Bolsonaro demonstra certeza da impunidade. Ele está pescando em Alagoas com o ex-ministro do Turismo, Gilson Machado. Esse comportamento de aparente despreocupação contrasta com o cerco jurídico e político que se fecha em torno de sua figura.
Os desdobramentos não afetam apenas o futuro político de Bolsonaro, mas também sinalizam um importante teste para as instituições democráticas brasileiras. As investigações têm o potencial de criar precedentes no combate à impunidade e ao uso indevido do poder político.
Foto: Instagram / Divulgação
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