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Em 5 de maio de 1895 foi assentada a pedra fundamental do edifício do Theatro Victória pelos sócios do Clube Dramático Santareno, com a presença da população, autoridades e banda de música.

A obra, projetada pelo engenheiro francês Maurice Blaise, foi construída no “Largo da República” (atual Praça Rodrigues dos Santos) em 13 meses e 23 dias, com recurso exclusivamente particular, sem qualquer verba pública.

Em 28 de junho de 1896 era inaugurado o “Theatro Victória”.

Na Amazônia, do final do século XIX à primeira metade do século XX, havia três teatros célebres: o Theatro da Paz, em Belém; o Theatro Amazonas, em Manaus; e o Theatro Victória, em Santarém, no interior do Pará, onde foram encenadas peças compostas por José Agostinho da Fonseca e Wilson Fonseca, inclusive sob a direção e participação de artistas e músicos residentes naquela cidade.

“Acima do ‘VICTÓRIA’, só o ‘Nossa Senhora da ‘Paz, de Belém, e o ‘Amazonas’, de Manaus”, vangloriavam-se os santarenos.

Coincidentemente, meu avô paterno, José Agostinho da Fonseca (1886-1945), o “músico-poeta”, na acepção de Felisbelo Sussuarana, tem vinculações com os três teatros da região amazônica. Considerava o Theatro Amazonas uma das jóias da capital amazonense, onde nasceu. Embora não tenha se apresentado no Theatro da Paz, em Belém, conheceu Carlos Gomes e Villa-Lobos. Porém, músicas de José Agostinho da Fonseca foram executadas no Theatro da Paz, como na extraordinária “Semana de Santarém” (1972), idealizada pelo Maestro Waldemar Henrique, então Diretor daquela Casa; e, também, no Theatro Amazonas, em várias ocasiões.

Tendo vivido sua juventude em Belém, meu avô José Agostinho da Fonseca transferiu-se para Santarém, em 1906, onde se casou com Anna (Esteves Dias), constituiu família, teve filhos (Edmundo, Maria Anita, Wilson, Wilmar, Adahyl e Wilde) e faleceu na Pérola do Tapajós. Em Santarém, ele se apresentou, por diversas vezes, no Theatro Victória, como compositor, maestro e também como ator.

O Maestro José Agostinho, que não cheguei a conhecer pessoalmente, aconselhava seus filhos: – “Quando forem a Belém não deixem de visitar o belo Theatro da Paz!”. Ele sabia que o Teatro é um orgulho do povo paraense.

Ainda me lembro do convite que o Maestro Waldemar Henrique fez a meu pai, Wilson Fonseca (Maestro Isoca) para um recital no Theatro da Paz, logo após o 1º Festival de Música do Baixo-Amazonas[1], realizado na Pérola do Tapajós, em 1970, onde esteve, pela única vez – por minha interferência –, para presidir a Comissão Julgadora daquele evento.

A idéia do recital foi ampliada para a realização da memorável “Semana de Santarém”, no Theatro da Paz, em 1972, evento que contou com apoio do Governador Fernando Guilhon[2] e foi um sucesso histórico.

Wilson Fonseca (Maestro Isoca) descreve, com detalhes a estrutura do Theatro Victória, no livro “Meu Baú Mocorongo”, editado em 2006 pelo Governo do Estado do Pará (vol. 1, p. 228):

“Como participei intensamente, desde a minha infância, de sua gloriosa vida, serei capaz de descrever-lhe a estrutura em mínimos detalhes.

Não se tratava de um simples barracão de quatro paredes com tablado ao fundo à guisa de palco.

Foi cuidadosamente planejado pelo hábil engenheiro francês professor Maurice Blaise.

De fachada suntuosa, compunha-se de varanda com 17 camarotes (um era oficial), plateia com cadeiras numeradas, gerais (sob a varanda), fosso para orquestra, palco com instalações adequadas para o ‘ponto’ e a movimentação de pano de boca, cortinas, cenários, bastidores, bambolinas, tendo também ribalta, gambiarras, almoxarifado, camarins, sanitários e vestíbulo (aproveitando o vão sob a escadaria de acesso à varanda). Na frente havia uma área livre, resguardada por um gradil de ferro, o que protegia o edifício de invasões em noites de funções. Nos seus ângulos frontais ficavam localizadas as duas bilheterias. As arcadas superiores das doze janelas laterais e das duas portas e quatro janelas da fachada, eram divididas em raios, guarnecidos com vidraças multicolores. Na parte inferior, cada janela tinha balaustrada de cinco colunelos torneados intervalados. A larga escada de madeira de lei, com treze degraus, que dava acesso à varanda, tinha ao longo das laterais, um corrimão de alvenaria. Creio que foi usada a madeira, em contraste com a estrutura toda em alvenaria, por se tratar de material de maior facilidade na aquisição e menor custo, naqueles tempos. A pintura externa era em vermelho-grená com detalhes em branco nas paredes, verde nas portas e branco nos caixilhos e balaustrada. A lotação do Teatro era prevista para 500 espectadores”.

A respeito da famosa águia que havia no histórico prédio do Theatro Victória, escreve o Maestro Isoca:

“Ao contrário do que muita gente supõe, a águia de cobre que ‘pousava’ no centro da nova platibanda da fachada e hoje enfeita a pracinha fronteira ao Hotel Nova Olinda, não vem da sua construção, pois só foi ali colocada na reforma de 1933, em substituição a dois ornamentos de louça portuguesa que existiam nas extremidades da antiga platibanda que nascia de estreita cornija”.

Narra Wilson Fonseca que “o ato solene [de inauguração, em 1896] contou com a presença de representante do Governador do Estado – Dr. Lauro Sodré – que assim arrematou as suas palavras congratulatórias pelo grande feito da juventude ‘mocoronga’: ‘Os vindouros quando lerem nas páginas fulgurosas da histórica Pátria as palavras THEATRO VICTÓRIA, bendirão de seus antepassados’. E a grande alma santarena vibrou euforicamente”.

O momento foi registrado na imprensa, com destaque, conforme registros no “Meu Baú Mocorongo”.

O jornal “Cidade de Santarém”, edição de 4 de julho de 1896, assim descreve a festa de inauguração do Theatro Victória:

“Às 7 horas o edifício estava literalmente cheio, nem uma senha mais havia à venda, enquanto que fora multidão ainda compacta lamentava descontente não poder compartilhar da parte mais solene, da parte principal da festa. É que as portas já se haviam aberto às 600 pessoas e a lotação do teatro é um pouco inferior a este número”.

Depois de vários detalhes, prossegue o jornal:

“Foi então que o Sr. Presidente da assembléia proferiu o discurso que adiante daremos, erguendo-se, ao terminar, para declarar inaugurado o Theatro Victória. Produziu-se então uma cena de verdadeiro delírio, ergueram-se todos os presentes, palmas reboavam de todos os lados, bravos e vivas destacavam-se no meio da indescritível confusão de entusiasmo que irrompia de todos os peitos e fazia das seiscentas almas ali presentes, uma só alma, a grande alma santarena, fervorosamente crente no futuro grandioso desta região”.

Em Belém, o jornal “A Província do Pará”, edição de 10 de setembro de 1896, estampa o seguinte comentário, tão atual que poderia ser utilizado nos dias de hoje:

“Este teatro, o primeiro do interior do Estado, é um testemunho vivo da iniciativa e espírito progressista dos santarenos. Há de o público estar lembrado que não há muito o congresso [atual Assembléia Legislativa do Estado do Pará] cedeu uma verba para auxílio à construção dessa casa de espetáculos; a Associação que tinha metido ombros à arrojada empresa, e via já quase concluída graças unicamente aos seus esforços e à boa vontade dos santarenos, recusou delicadamente o auxílio declarando ser seu desejo que o Teatro “Vitória” fosse uma obra exclusivamente da iniciativa particular, com o que pretendia apresentar um estímulo e um exemplo. É tanto mais admirável este rasgo de nobre desinteresse e altiva independência, quanto mais raro, nos tempos que correm, vai se tornando o espírito que o determinou, não só no Brasil, não só no Pará, mas em toda parte do mundo, corroído pelas vergonhosas mazelas deste tenebroso fim de século, tão esplendoroso e tão gasto”.

É ainda o Maestro Isoca que assinala no “Meu Baú Mocorongo”:

“28 de junho de 1896. Dia de grande festa. Dia da vitória da juventude santarenense que, por iniciativa privada, via realizado seu grande ideal. Foi, sem dúvida, o maior acontecimento daquele final de século XIX. Era o início da grande trajetória no campo cultural da terra ‘mocoronga’ que, embora gloriosa, durou apenas 70 anos”.

O programa de inauguração do Theatro Victória registra: Ao alvorecer, queima de fogos de artifício, enquanto duas bandas de música percorriam as ruas da cidade, executando números de seus repertório. Durante todo o dia, as duas bandas de música revezaram-se à frente do teatro, que permaneceu aberto para a visitação pública até às 16 horas. Às 19 horas, teve início o espetáculo inaugural com encenação das seguintes peças: UMA CHAVENA DE CHÁ, de José Carlos dos Santos, interpretada pelos amadores do Clube Dramático Valentim Paz, Manoel Guimarães, Joaquim Guimarães e senhorita V. Macedo; e, ENTREI PARA O CLUBE JACOME, do comediógrafo brasileiro França Júnior, desempenhada pelos amadores Valentim Paz, Manoel Guimarães, Joaquim Braga, Pedro Nogueira e Sebastião Sarmento. Nos intervalos, a orquestra ensaiada pelo Professor Emanuel Marcos Rodrigues deleitou os espectadores com peças escolhidas de seu repertório (cf. Wilde Fonseca, em “Santarém – Momentos Históricos”).

Era o primeiro teatro do interior do Estado do Pará, mas não o primeiro movimento teatral de Santarém.

Alguns anos depois de inaugurado o VICTÓRIA, o “Clube Dramático” encerrou suas atividades e entregou o teatro à Intendência Municipal (Prefeitura), sem nenhuma indenização. Após a doação, passou a chamar-se Teatro Municipal Vitória.

Mesmo extinto o “Clube Dramático”, o Vitória prosseguiu em atividades, quer recebendo companhias teatrais que vinham de Belém, quer servindo a grupos locais, tais como:

 – Grupo Cênico dirigido por Manoel Guimarães, iniciado em 1914, que estreou com a peça “a CRISE”, de Alfredo Ladislau, com música de José Agostinho da Fonseca;

– Grupo Cênico do “Tapajós Futebol Clube”, em 1917, sob a direção de Felisbelo Sussuarana, Joaquim Toscano e José Agostinho da Fonseca;

– Grupo Cênico Manuel Guimarães, que estreou em 1925 com a revista “EU VOU TELEGRAFAR” (libreto de Felisbelo Sussuarana; música de José Agostinho da Fonseca; e direção de Joaquim Toscano);

– “Grupo Cênico Ideal”, em 1935, sob a direção de David Serruya e José Hage, que encenou a revista “CADÊ NHÁ CULARINDA?”, de Paulo Rodrigues dos Santos, com músicas de Raimundo Fona e Wilson Fonseca;

– Em 1936, outro grupo de amadores, dirigido por Joaquim Toscano, que apresentou a revista fantasia “OLHO DE BOTO”, com libreto de Felisbelo Sussuarana e música de Wilson Fonseca;

– Grupo Cênico do Centro Recreativo, que estreou, em 1937, com a comédia “O INTERVENTOR”, dirigida por Joaquim Toscano, que também era excelente tenor.

Dentre os nomes locais daqueles que foram amadores da arte cênica, o maior é JOAQUIM TOSCANO DE VASCONCELOS, afirmam Wilson Fonseca e Wilde Fonseca. Graziela Martins Leal, esposa do prefeito Borges Leal, educada na Inglaterra, dizia sempre: “Se Toscano houvesse vivido nos grandes centros artísticos teria alcançado a notoriedade de Procópio Ferreira e Jayme Costa” (cf. Wilde Fonseca).

No Theatro Victória atuaram diversas companhias, artistas célebres da época e atores internacionais que estiveram em Belém e Manaus.

Nele atuaram meu avô José Agostinho da Fonseca e meu pai Wilson Fonseca, o primeiro inclusive como ator e maestro de orquestra, segundo antes destacado.

José Agostinho da Fonseca compôs o maxixe Theatro Victória, gravado, em 2002, no CD “Sinfonia Amazônica” (volume 2), pela Orquestra Jovem “Maestro Wilson Fonseca”, sob a regência de José Agostinho da Fonseca Neto, meu irmão, lançado em 2003.

Wilson Fonseca (Maestro Isoca) atuou também como pianista, ao tempo do cinema mudo, no Cinema Victória, que funcionava no mesmo teatro, e ali criou a sua primeira composição, a valsa Beatrice (1931), para uma cena do filme “O Beijo”, com a famosa atriz Greta Garbo.

Assim como Ary Barroso, Wilson Fonseca também compôs peças para o teatro de revista. A título de exemplo, cito os sambas “Pratos Regionais” (de parceria com seu pai, José Agostinho da Fonseca), e “Elogios à Mulata“, ambos de 1936, escritos para a revista teatral “Olho-de-Bôto”, de Felisbelo Sussuarana, peça encenada no Theatro Victória, em Santarém. Estas duas músicas constam do CDSinfonia Amazônica” (volume 2), lançado, em 2003, pela Orquestra Jovem “Wilson Fonseca”. O primeiro conta com a participação do Coral “Expedito Toscano” e o segundo, na versão instrumental, com arranjo de José Agostinho da Fonseca Júnior, neto do compositor santareno, meu sobrinho.

O Theatro Victória, construído por iniciativa exclusivamente particular, em 1896, foi quase demolido em 1965.

Vários artigos foram escritos por Wilson Fonseca, na época, em protesto a essa atitude francamente contrária à preservação de um patrimônio histórico da cidade.

Confira no livro “MEU BAÚ MOCORONGO” (1º volume, p. 221/255), de Wilson Fonseca. Vale a pena ler esse capítulo sobre o Theatro Victória.

Há quase 10 anos, em 2012, o Theatro seria restaurado (ou quase isso), pelo Ministério Público do Estado do Pará, em parceria com a Prefeitura Municipal de Santarém.

Mas não seria mais propriamente um teatro, considerando a sua precária condição tão comprometida pelo tempo e pelo descaso do Poder Público. Lá funcionaria a sede do Ministério Público do Estado, com um auditório para 136 pessoas.

O teatro primitivo tinha lugar para 500 pessoas. Era lindíssimo e adequado para o fim a que foi destinado por seus idealizadores.

A obra de restauração merece louvores.

Porém, Santarém merece um verdadeiro teatro, e não apenas mais um simples auditório.

Um autêntico teatro em nossa terra querida ainda parece um sonho, conforme escrevi em outro artigo há quase uma década.


[1] Veja no livro “Meu Baú Mocorongo” (vol. 3, p. 749/777), de Wilson Fonseca, farto material registrado, com ilustrações fotográficas, no capítulo sobre o 1º Festival da Música Popular do Baixo-Amazonas, inclusive a transcrição da entrevista por mim concedida à jornalista Lana, publicada em sua página literária denominada “Lana em Tom Maior”, na edição de 22/23 de março de 1970 do jornal “A Província do Pará” (Belém-PA). Na época, eu fora eleito Presidente da Comissão Organizadora e do Conselho Administrativo daquele Festival, além de ter atuado como membro da Comissão Julgadora, presidida pelo Maestro Waldemar Henrique.

[2] Além de comparecer em todos dias da “Semana de Santarém”, o Governador Fernando Guilhon, de lá mesmo do Camarote reservado àquela autoridade governamental, determinou, em pleno Theatro da Paz, que fosse posicionado no palco o principal Piano de calda longa, existente na mais importante casa de espetáculo no Pará, para que nele tocasse o Maestro Wilson Fonseca. Foi um momento emocionante!

Vicente Malheiros da Fonseca
Vicente José Malheiros da Fonseca é Desembargador do Trabalho de carreira (Aposentado), ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Belém-PA). Professor Emérito da Universidade da Amazônia (UNAMA). Compositor. Membro da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 8ª Região, da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, da Academia Paraense de Música, da Academia de Letras e Artes de Santarém, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, da Academia Luminescência Brasileira, da Academia de Música do Brasil, da Academia de Musicologia do Brasil, da Academia de Música do Rio de Janeiro, da Academia de Artes do Brasil, da Academia de Música de Campinas (SP), da Academia de Música de Santos (SP), da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Letras, da Academia Brasileira de Ciências e Letras (Câmara Brasileira de Cultura), da Academia Brasileira Rotária de Letras (ABROL) - Seção do Oeste do Pará, da Academia de Música de São José dos Campos (SP), da Academia de Música de São Paulo. Membro Honorário do Instituto dos Advogados do Pará. Sócio Benemérito da Academia Vigiense de Letras (Vigia de Nazaré-PA).

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