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Tive a honra de ser convidado para receber, na condição de representante de nossa família, o Prêmio Multicultural Ruy Barata concedido a meu avô paterno José Agostinho da Fonseca (1886-1945) e a meu pai Wilson Fonseca – Maestro Isoca (1912-2002), na categoria de Professor e Maestro, alusivo ao centenário de nascimento do poeta Ruy Barata, em evento realizado hoje, 26 de maio de 2023, às 20h, no Teatro do SESI, em Belém (PA).

Trata-se de importante realização que objetiva reconhecer e homenagear artistas paraenses, numa promoção feita pela associação de arte, cultura e memória do poeta Ruy Barata.

Ruy Guilherme Paranatinga Barata nasceu em Santarém (PA), em 25 de junho de 1920; e faleceu em São Paulo (SP), em 23 de abril de 1990.

O santareno Ruy Barata foi aluno de música de meu avô José Agostinho da Fonseca, enquanto meu pai (Wilson Fonseca – Maestro Isoca) recebia aulas de português, na “Pérola do Tapajós”, ministradas pelo Dr. Alarico Barata, jurista, genitor do Ruy Barata. Isoca e Ruy, quando jovens, residiam em casas vizinhas em Santarém e eram muito amigos.

É oportuno narrar um pouco sobre as relações de nossa família Fonseca com a família de Ruy Barata.

Terminado o curso complementar, Isoca matriculou-se, em 1928, no Colégio Ruy Barbosa, dirigido pelos Drs. Alcebíades Buarque de Lima e Alarico Barata (pai do poeta Ruy Barata).

Em outubro de 1995 Wilson Fonseca, então com 84 anos de idade, gravou depoimento no Museu da Imagem e do Som, na Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves (CENTUR), em Belém (PA), entrevistado por Denis Acatauassú Paes Barreto (Diretor do MIS), Vicente Salles (musicólogo, jornalista e então membro da Academia Brasileira de Música), Gilberto Chaves (musicólogo e membro da Academia Paraense de Música), Eliana Cutrim (professora de música, pianista e membro e ex-Presidente da Academia Paraense de Música), Emanuel Aresti Santana Gonçalves Matos (professor universitário e compositor), José Wilson Malheiros da Fonseca (advogado, compositor e poeta) e Vicente José Malheiros da Fonseca (magistrado trabalhista, professor e compositor), filhos de Isoca, ambos membros da Academia Paraense de Música e da Academia de Letras e Artes de Santarém. 

No ano seguinte (1996), realizei uma entrevista com meu genitor, aqui reproduzida, em que o compositor revela que a sua obra musical sofreu influências da escola alemã, da música norte-americana, da ária italiana e até do tango argentino.

Transcrevo trecho dessa entrevista, que consta de meu livro “A Vida e a Obra de Wilson Fonseca – Maestro Isoca”, em homenagem ao centenário de nascimento de meu pai, impresso na Gráfica do Banco do Brasil, Rio de Janeiro (2012):

Como foi a sua formação escolar?

Naquela época as coisas eram mais difíceis. Em Santarém só havia o Grupo Escolar, do Governo. Fazia-se 4 anos do Curso Elementar, depois mais 2 anos do Curso Complementar. Se desejasse prosseguir nos estudos, o estudante teria que vir para Belém, o que era regalia dos mais abastados. Meu pai, que era mestre-alfaiate, não tinha condições de manter um filho estudando na capital. Entretanto, havia em Santarém pessoas, como Alarico Barata e Alcebíades Buarque de Lima, que criaram o Colégio Rui Barbosa, que proporcionava o ensino subseqüente ao curso primário mantido pelo Governo do Estado. Eu estudei também nesse Colégio e parei aí, até porque chegou depois a Revolução de 30 e o Prof. Alarico Barata, perseguido pelo governo revolucionário de Magalhães Barata (eles não eram parentes), foi praticamente ‘deportado’ para Óbidos. Enquanto eu era aluno de Alarico Barata, o Ruy Barata, seu filho, amigo e conterrâneo, era aluno de meu pai, José Agostinho, na escola de música que funcionava em minha casa”.

No carnaval de 1997, Wilson Fonseca foi homenageado, num carro alegórico, pelo Grêmio Recreativo Acadêmicos do Samba da Pedreira, de Belém, sob o enredo “Foi assim, não te foste de mim”, tributo ao poeta santareno Ruy Barata, uma das mais queridas figuras da escola. Pela primeira vez a comissão-de-frente foi entregue a uma escola de dança clássica, sob o comando de Vera Lúcia Torres. No desfile, as moças deram um show e, a partir daí, ficaram como elementos integrantes da escola. Desfilou, como destaque, no carro alegórico a sua neta Gleisse Alessanda Canto Fonseca. O Maestro Isoca não pôde comparecer, por motivo de saúde, mas, emocionado, assistiu à homenagem pela televisão. 

Em 1967, foi realizado, em Belém, o primeiro Festival de Música, nos moldes daqueles organizados no sul do país. Esse Festival foi promovido por alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, que funcionava no Largo da Trindade, onde hoje é sediada a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Pará. Na ocasião eu estava cursando o 1º ano da graduação universitária. Dada a minha vivência musical, fui convidado para integrar a Comissão Julgadora do certame – como representante dos universitários – do histórico 1º Festival Paraense de Música Popular, organizado por alunos da Faculdade de Direito (UFPA), onde eu, ainda como calouro, estudava. Foi o primeiro festival, no gênero, realizado na capital do Estado do Pará. A Comissão Julgadora era formada por 15 jurados, entre eles Billy Blanco, presidente da mesa, Waldemar Henrique (Diretor do Theatro da Paz), Maestro Nivaldo Santiago, Marina Monarcha (soprano), Gilberto Chaves, Pedro Galvão de Lima, Rosenildo Franco, Isidoro Alves, eu e outros. No intervalo do Festival, como grande atração, apresentou-se o notável compositor Chico Buarque de Hollanda. O vencedor desse Festival, como compositor, foi o Paulo André, ainda jovem, filho e parceiro do grande poeta Ruy Barata, com a música “Fim de Carnaval” (marcha-rancho), cuja letra é de João de Jesus Paes Loureiro, na interpretação do cantor Cleodon Gondim.

Meu tio e padrinho Wilde Fonseca (Maestro Dororó), escreveu o interessante artigo intitulado “O Ruy Barata que conheci“, publicado no Jornal “O Impacto” on line – Ano 10, Edição 559, de 23.09.2005 (Santarém-PA), onde se manifestou:

“Tínhamos quase a mesma idade. Eu de dezembro de 1919 e ele de junho de 1920. Eu, seis meses mais velho que ele. Até que tivéssemos dez anos, as casas onde morávamos eram geminadas e ficavam na Rua Floriano Peixoto [atualmente, Rua Maestro Wilson Dias da Fonseca], no quarteirão compreendido entre as travessas Barão do Rio Branco e aquela que hoje é chamada Major João Otaviano de Matos. O leito da rua era de areia, não havia barulho de carros nem de aparelhos de som, simplesmente porque ainda não os havia. Então, o que se passava no interior das casas do Ruy e da minha, no que tange às falas, era de conhecimento recíproco. Lá moravam seus pais Dr. Alarico Barata e dona Noca Paranatinga Barata e uma serviçal já de idade, que falava quase sem parar, mas que não entendíamos nada. Ela era espanhola e diziam, com certa malícia, que pelos anos já vividos no Brasil, esquecera sua própria língua e quase nada aprendera de Português. Assim, o que falava era uma algaravia que nada entendíamos.

Uma coisa me chamava a atenção: Em determinados dias, Dr. Alarico colocava um caixote ou tamborete, onde o Ruy subia e tinha de fazer discursos ou declamar poesias, no que era algumas vezes aparteado pelo pai, que ensinava a colocar a voz, no tocante ao timbre ou encenação dos gestos. Era o que hoje eu diria aulas de eloqüência ou retórica e não tinha como não sair dali um orador ou poeta, pois Dr. Alarico era um advogado de verbo fluente e gestos espetaculosos que a muitos impressionava, especialmente quando, em tribunais do Júri, tinha de defender ou acusar os réus em julgamento.

Uma coisa, entretanto, me intrigava: nunca vi o Ruy ir a uma das escolas que naqueles tempos, freqüentávamos. Diziam que fez todos os estudos naquele tempo chamados de “primários” com o pai e em Belém fizera o que se chamava de Curso de Admissão ao Ginásio, do que se valeu para ser matriculado no Colégio Nazaré, de Belém, que lhe garantiu o acesso ao curso superior, formando-se em Direito.

Embora advogado competente, no meu entender, Ruy sempre foi mais Poeta do que Advogado. Advogado por profissão, Poeta por vocação”.

Na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém (PA), a Biblioteca é denominada “Ruy Barata”, enquanto que o auditório daquela entidade universitária leva o nome de “Wilson Fonseca”, dois ícones da cultura santarena.

Fui Professor de um dos netos de Ruy Barata, quando Professor do Curso de Direito na Universidade da Amazônia (UNAMA).

Aliás, em 1995, Wilson Fonseca foi homenageado pela Universidade da Amazônia (UNAMA), na programação do Projeto “Esse rio é minha vida“, com o lançamento de  edição da Revista “Asas da Palavra“, a exemplo do que ocorrera com o maestro Waldemar Henrique e o poeta Ruy Barata.

Para concluir, colaciono trechos do excelente poema “Nativo de Câncer“, publicado no livro Antologia dos Poetas Santarenos, Organizada por Emir Bemerguy, edição comemorativa dos 337 anos de Fundação de Santarém, 1661-1998, Coordenadoria Municipal de Cultura de Santarém-PA, Gráfica e Editora Tiagão, 1998, p. 145-148:

“Visitemos o burgo, visitemos,

Visitemos o palco do ‘Vitória’,

Visitemos o ‘Cine-Guanabara’,

A nave da Matriz em sua glória

Visitemos a cela das Clarices,

A batina marrom dos Franciscanos,

Visitemos Miguel e sua flauta,

Ao canto amanhecido dos Toscanos.

Visitemos o mestre Zégustinho,

Isoca, mesmo pó de seu destino,

Ninita, sua clave e seus pianos”.

Parabéns pela merecida homenagem ao grande Ruy, em cujo centenário de nascimento a sua digna família, num elogiável gesto de memória afetiva, presenteia, com um show musical, a entrega de estatuetas de bronze do poeta para várias personalidades da vida artística, política e cultural de diversas gerações de talentos de um país que se chama Pará!
Salve Ruy Barata!.

Vicente Malheiros da Fonseca
Vicente José Malheiros da Fonseca é Desembargador do Trabalho de carreira (Aposentado), ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Belém-PA). Professor Emérito da Universidade da Amazônia (UNAMA). Compositor. Membro da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 8ª Região, da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, da Academia Paraense de Música, da Academia de Letras e Artes de Santarém, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, da Academia Luminescência Brasileira, da Academia de Música do Brasil, da Academia de Musicologia do Brasil, da Academia de Música do Rio de Janeiro, da Academia de Artes do Brasil, da Academia de Música de Campinas (SP), da Academia de Música de Santos (SP), da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Letras, da Academia Brasileira de Ciências e Letras (Câmara Brasileira de Cultura), da Academia Brasileira Rotária de Letras (ABROL) - Seção do Oeste do Pará, da Academia de Música de São José dos Campos (SP), da Academia de Música de São Paulo. Membro Honorário do Instituto dos Advogados do Pará. Sócio Benemérito da Academia Vigiense de Letras (Vigia de Nazaré-PA).

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