Publicado em: 3 de junho de 2025
O dólar comercial encerrou o pregão em baixa nesta segunda-feira, 2 de junho. Durante a manhã, a moeda chegou ao patamar de R$ 5,67 por volta das 10h26, no ponto mais baixo do dia. Em seguida, ensaiou uma recuperação, valorizando-se por algumas horas, antes de retomar a trajetória de queda e fechar com recuo de 0,76% em relação à cotação registrada na sexta-feira, 30 de maio. Este foi o menor nível em três anos da moeda estadunidense. Analistas de instituições financeiras como Morgan Stanley, JPMorgan Chase e Goldman Sachs projetam uma desvalorização adicional de até 9% nos próximos 12 meses.
O epicentro da turbulência cambial reside nas políticas internas do governo Trump, que enfrenta a desconfiança de investidores internacionais. A nova proposta de lei orçamentária republicana, com profundos cortes de impostos e aumento de déficits, inclui medidas como a taxa de 3,5% sobre remessas feitas por não cidadãos e a tributação de ativos de investidores estrangeiros (seção 899), provocando temor em mercados emergentes que dependem fortemente desses fluxos.
Com a base republicana dividida, a proposta pode enfrentar resistência no Senado, especialmente entre conservadores fiscais como o senador Ron Johnson, de Wisconsin, que exige cortes mais profundos nos gastos. Um eventual impasse pode atrasar a aprovação do texto final antes do prazo autoimposto por Trump: 4 de julho.
Entre os pontos mais sensíveis da proposta estão os cortes previstos para o Medicaid, programa de saúde pública que atende milhões de estadunidenses. O governo afirma que não haverá perda de cobertura, mas a justificativa de combate ao desperdício não tem convencido a oposição.
Essa conjuntura afeta diretamente a América Latina, onde milhões de famílias dependem de remessas vindas dos EUA. México, Guatemala, El Salvador, Honduras e Haiti estão entre os mais vulneráveis. Se a proposta for aprovada, o custo das remessas subirá, o que deve comprometer o consumo interno e a estabilidade de moedas locais.
Para o Brasil, mesmo uma pequena valorização do real pode baratear importações e reduzir pressões inflacionárias. No entanto, também gera desafios à indústria exportadora, especialmente de commodities como soja, café e minério de ferro. Aumenta-se, assim, a pressão sobre o Banco Central para manter a competitividade cambial e atrair capitais.
Na Argentina, a instabilidade do dólar contribui para um clima de insegurança adicional. O país vive uma dolarização informal da economia, com forte dependência de reservas internacionais. A desvalorização do dólar, paradoxalmente, pode aliviar parte do endividamento externo, mas também pode comprometer receitas de exportação.
A fragilidade do dólar é também uma chance de ouro para avançar em direção à diversificação de reservas cambiais. Argentina e Brasil já discutiram a possibilidade de uma moeda comum para transações comerciais. O atual cenário pode reacender esses debates, fortalecendo alianças regionais e reduzindo a dependência do sistema financeiro estadunidense.
Outro ponto de atenção é o aumento do apetite global por ativos latino-americanos, considerados mais atrativos em um contexto de desvalorização do dólar. Títulos da dívida soberana e investimentos em infraestrutura e energia limpa podem ganhar força, sobretudo em países com estabilidade macroeconômica.
Embora o dólar continue sendo a principal moeda de reserva global, a atual conjuntura sugere uma reconfiguração do sistema monetário internacional. China e União Europeia já intensificam movimentos para ampliar o uso de suas moedas em transações bilaterais. O fortalecimento do yuan e do euro no mercado global pode inspirar a América Latina a buscar maior autonomia financeira.
O desafio será equilibrar os impactos da desvalorização cambial nos setores produtivos e manter a estabilidade de preços. A região precisa fortalecer seus instrumentos de cooperação e financiamento para resistir a mais este capítulo de turbulência global.
A deterioração da confiança nos fundamentos da economia estadunidense pode, assim, abrir oportunidades para moedas emergentes, mas também exige cautela e políticas monetárias firmes para lidar com a volatilidade cambial e os efeitos em cadeia sobre balanças comerciais e contas públicas na América Latina.
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