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Acabei de assistir ao filme Spencer, que narra uma especulação sobre o que poderia ter acontecido em um final de semana em que a família real inglesa se reúne para os festejos de natal, pouco antes do divórcio da eterna Lady Diana e do Príncipe Charles. 

A narrativa do filme mostra uma Diana completamente alucinada, que via fantasmas e falava sozinha, enlouquecida pelo sofrimento.

A clássica narrativa masculina que coloca a mulher que quer se separar como maluca, não à toa o diretor é homem (Pablo Larrain). 

Acontece que Diana foi do meu tempo. Eu vivi aquela época e conheço bem a história.

Ela não era uma mulher maluca. Era inteligente, carismática, impulsiva e uma canceriana típica: dramática, cheia de amor pra dar e excelente mãe.

De tudo o que eu me lembro, e de tudo o que já li e assisti sobre a “princesa do povo”, penso que ela foi vítima de uma enorme tortura psicológica perpetrada pela família do seu marido e por ele mesmo. Nada estava bom, nada era suficiente, nada do que ela fazia era correto. Diana era constantemente humilhada pelo marido, que a fazia ter de conviver até mesmo dentro da sua casa com sua amante, uma vez que Camilla Parker Bowles era frequentemente convidada a participar de eventos no palácio. 

Ninguém parecia se importar com os sentimentos da princesa. Ela estava ali para ser bela e sorrir, apenas isso. 

Todos a desvalorizavam. Enquanto Diana se tornava cada vez mais popular e mais amada pelo povo, também seguia sendo cada vez mais maltratada e ignorada pelos membros da realeza. Nem mesmo os empregados da casa eram gentis com ela, que era vista como uma intrusa, uma mulher fútil, uma pessoa indigna de estar ali. 

Fico pensando, enquanto canceriana que também sou, o quanto deve ter lhe doido tanta rejeição! O quanto deve ter lhe machucado a alma ter entrado naquele covil com apenas 20 anos, cheia de sonhos e expectativas, e não ter encontrado nada além de desprezo e de pessoas que se julgavam melhores do que ela. 

Diana, como todos sabem, tinha muitos trabalhos humanitários. Abraçou publicamente doentes de AIDS quando o estigma desta doença era enorme. Fez campanha para desativar minas terrestres na África, tornando-se um ícone na remoção delas. 

E quando se divorciou com tudo o que tinha a perder, passou um recado muito importante para toda uma geração de mulheres: “ Vocês não tem que ficar em um relacionamento abusivo por toda a vida. Se eu posso sair dele, vocês também podem!”. A princesa mostrou que ser rainha não valia o preço de sua saúde mental. 

Por tudo isso, me senti particularmente ofendida pela forma com que Diana foi retratada no filme de Larrain.

Resumi-la como uma mulher neurótica e maluca num momento em que ela não está feliz no casamento é extremamente ofensivo para qualquer mulher. 

Julia Fontelles
51 anos, empreendedora há mais de 30 anos, proprietária da Le Panier D’Amelie-Cestaria, especializada em cestas de café da manhã e de happy hours. E-mail julia.villasanti@live.com

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