0

Dos dias 25 a 31 de março de 2023, o Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, em Tupã, São Paulo, recebe o projeto Decolonialidade Cultural e Linguística Indígena, que oferece cursos, oficinas educativas, palestras e ações literárias em formato híbrido (presencial e online), sobre a cultura indígena brasileira. A iniciativa, contemplada pelo edital PROAC, fomenta o reconhecimento da diversidade linguística indígena existente no Brasil a partir de reflexões sobre a língua Nheengatu, fazendo contextualizações sobre as tradições, as narrativas orais e os saberes tradicionais como patrimônio cultural abrangente, atemporal e democrático, constituído de memória histórica, unidades linguísticas, sensoriais e sonoras. Além disso, pretende dialogar acerca da cultura popular e indígena sob a ótica do protagonismo originário e decolonial ao conscientizar a população sobre o ingresso de profissionais indígenas nas estruturas organizacionais em diferentes participações e debates, além de servir como inspiração para o exercício de ações inclusivas envoltas a promoção da cidadania e a projeção da educação antirracista no combate as violências e as desigualdades.

Também com o objetivo de estimular o intercâmbio cultural e ampliar a visibilidade originária, as atividades contarão, em caráter inédito, com a presença de pesquisadores indígenas que atuam nas áreas de resgate linguístico e educação escolar indígena pela Academia da Língua Nheengatu (ALN) em cidades amazônicas como Santarém – e Alter-do-Chão -, Manaus, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira e Nova Olinda do Norte e também especialistas da Terra Indígena Vanuíre, localizada em Arco Iris, São Paulo, para debaterem experiências sobre as especificidades que compõem o exercício da pedagogia indígena anticolonial.

A Academia da Língua Nheengatu, como explica seu membro-tesoureiro, professor George Borari, de Alter-do-Chão,surgiu de um trabalho conjunto envolvendo falantes e escritores da língua em diferentes partes da Amazônia. Ao mesmo tempo em que aprofundavam sua compreensão e conhecimento das diferentes formas de falar Nheengatu em nossas comunidades – e das diferentes ortografias existentes e em uso atualmente –, também se convenciam da necessidade de criar formas de atuação conjunta para o fortalecimento e reconhecimento dessa língua, que é um verdadeiro símbolo da Amazônia. Foi assim que tomou forma a ideia de constituição de uma Academia. Não, porém, uma Academia de “Letras”, porque o nosso interesse é por todas as formas de manifestação da língua, do uso oral nas famílias às produções literárias e aos instrumentos linguísticos (como gramáticas e dicionários), passando pelos gêneros de tradição oral, como as narrativas míticas e outras. Seus membros são falantes nativos da língua, de diferentes etnias, que a têm como sua língua ancestral. Por outro lado, como a língua Nheengatu desperta interesse em muitos não-indígenas, incluindo muitos pesquisadores acadêmicos, todos preocupados com seu fortalecimento e sobrevivência, nossa Academia abre espaço para a participação, como apoiadores e colaboradores, de quem quer que se interesse por conhecer, divulgar ou estudar a língua Nheengatu”.

Técnico em Edificações pela IFPA, graduado em Física pela UFPA, mestre em Educação Escolar Indígena pela UEPA e doutorando em Linguagem e Identidade pela UFAC, @georgeborari – o único palestrante do Pará – conta que, em sua participação no evento, irá apresentar o contexto geral referente às línguas indígenas do Brasil, as línguas faladas na Amazônia, direcionando para a importância do fortalecimento e da revitalização de línguas; fará uma introdução à língua Nheengatu, falará sobre o processo de ensino nas comunidades e como ele acontece nas escolas indígenas dos municípios onde ele trabalha; e da importância da língua como uma forma de resistência e identidade dos povos da Amazônia. Destaca que a programação inclui lançamentos de livros de parentes (autores indígenas), e que a discussão sobre educação estará sempre em foco.

O Nheengatu, a Língua Geral Amazônica (LGA), que significa “língua bela” ou “língua boa”, tem atualmente cerca de seis mil falantes no Brasil e oito mil na Colômbia e, por isso, corre o risco de extinção, segundo o catálogo de línguas Ethnologue, do Summer Institute of Linguistics (SIL) em sua edição de 2022. Também conhecida como “Brasílica”, até 1877 era mais falada do que o português em toda a região amazônica. A Carta Régia de 30 de novembro de 1689 a transformou na língua oficial da Amazônia e, por causa disso, era ensinada pelos padres até aos colonos portugueses e seus filhos. Por um determinado momento da história, chegou-se a pensar que o Nheengatu havia sido inventado pelos jesuítas a partir de uma mistura com o português, o que não procede, já que o idioma é uma evolução do idioma Tupinambá, o Tupi Antigo. Foi adotado pelo fato de ter sido considerada pelos colonizadores “a língua mais falada na costa do Brasil” – frase que aparece no título da gramática de padre Anchieta, de 1595. Entretanto, em 17 de Agosto de 1758, o Marquês de Pombal, ministro do Rei de Portugal, publicou outras duas cartas: uma proibindo o uso do Nheengatu e, outra, de todas as línguas indígenas em todas as colônias portuguesas da América, o que incluía a província do Grão-Pará e Maranhão, onde a língua geral foi a mais falada pela sociedade cabocla – a maior parte da população – até meados do século XIX.

A semana de Decolonialidade Cultural e Linguística Indígena é apoiada pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e o professor George Borari destaca a importância de trazer o projeto também para as cidades da Amazônia. Para isto, a parceria e apoio do poder público e da iniciativa privada são fundamentais e muito bem-vindas. Clique aqui para fazer a inscrição e ver a programação – presencial e online – completa do evento, que é gratuito, oferece certificado de participação com horas, tem apoio do Museu Índia Vanuire, da Academia da Língua Nheengatu e ONG UMONT e é realizado pela TERRA DE ORIGEM – Produções culturais.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

Vereador sugere tirar meninas do bar e botar no matadouro

Anterior

Bebê peixe-boi resgatado em malhadeira passa bem

Próximo

Você pode gostar

Mais de Cultura

Comentários