A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira, 27 de setembro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa proibir o aborto no Brasil, incluindo os casos atualmente permitidos por lei, como em situações de estupro. O texto, que suscitou intensos debates e momentos de confusão na sessão, que precisou inclusive ser interrompida, foi aprovado por 35 votos favoráveis e 15 contrários. Dois deputados paraenses fazem parte da CJJ e seus posicionamentos não surpreendem ninguém: Eder Mauro votou a favor da PEC e Elcione Barbalho foi contra.
A PEC, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha (cassado por quebra de decoro parlamentar, inelegível até 2026 e condenado pela Justiça Federal pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas), propõe uma mudança constitucional para assegurar o “direito à vida desde a concepção”, vedando qualquer forma de interrupção da gravidez, mesmo nos casos hoje previstos na legislação brasileira. Atualmente, o Código Penal permite o aborto em situações de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2012.
A aprovação na CCJ é apenas a etapa inicial do processo legislativo. Agora, a PEC seguirá para a criação de uma comissão especial, que será responsável por analisar o mérito do texto. A instalação do colegiado depende de autorização do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que terá a prerrogativa de decidir se e quando pautará a proposta para votação. Caso avance, a PEC precisará ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado, com o apoio de pelo menos três quintos dos parlamentares em cada Casa.
A PEC que proíbe o aborto representa um retrocesso aos direitos das mulheres e ignora completamente o contexto de situações extremas, como estupro, inclusive de crianças e vulneráveis. É uma afronta às mulheres brasileiras, que já enfrentam inúmeras barreiras para acessar os seus direitos reprodutivos e que vivem expostas a um contexto de ilimitada violência.
O mínimo do bom senso é defender que criança não é mãe e estuprador não é pai. A medida contraria tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
Em 2023, foi registrado um estupro a cada seis minutos no Brasil. É um aumento de 6,5% em relação a 2022, com 83.988 casos de estupros e estupros de vulneráveis notificados, segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O anuário mostra que a maioria das vítimas são mulheres e que os agressores, na maior parte dos casos, estão dentro de casa. Quase 85% dos estupradores são familiares ou conhecidos das vítimas, e 61,7% dos crimes ocorrem nas próprias residências.
Dos casos registrados, 76% são classificados como estupro de vulnerável — crime que envolve vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir. Meninas representam 88,2% das vítimas, sendo 61,6% com até 13 anos. Entre as vítimas, 52,2% são negras.
As taxas são ainda mais preocupantes em faixas etárias específicas. Crianças e adolescentes entre 10 e 13 anos tiveram uma taxa de vitimização de 233,9 por 100 mil habitantes, quase seis vezes a média nacional, que foi de 41,4 por 100 mil. Para bebês e crianças de 0 a 4 anos, a taxa chegou a 68,7 por 100 mil habitantes.
Entre os meninos, os casos de estupro são mais frequentes entre os 4 e 6 anos, mas diminuem significativamente à medida que eles crescem.
Roraima tem as maiores taxas de estupro e estupro de vulnerável, com 112,5 casos por 100 mil habitantes, seguido por Rondônia (107,8), Acre (106,9), Mato Grosso do Sul (94,4) e Amapá (91,7). A Amazônia é a região brasileira onde as mulheres são mais violentadas e esta informação, infelizmente, também não surpreende ninguém. Entre os municípios, Sorriso (MT) registrou a maior taxa de estupro, com 113,9 casos por 100 mil habitantes, seguido por Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Itaituba (PA) e Dourados (MS).
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