Publicado em: 11 de maio de 2025
Entre algumas leituras técnicas da minha área de estudo e a pesquisa de poemas do modernismo em Portugal, acesso na internet algumas matérias importantes da semana. Entre um flood e outro, o tema global da semana foi o conclave para a eleição do novo Papa, após a passagem do saudoso Jorge Mário Bethoglio, o Papa Francisco. Dou uma pausa no poema Dispersão, exatamente nos versos “Perdi-me dentro de mim/ Porque eu era labirinto/ E hoje, quando me sinto/ É com saudades de mim”, e me dedico à leitura das postagens sobre o novo Papa.
Francisco, o primeiro Papa latino-americano, nascido na Argentina, pautou seu pontificado em temas universais: a pobreza, as desigualdades de gênero e racial, a questão dos refugiados e a crise climática. Esses temas costumam definir um perfil político mais à esquerda, além das temáticas relativas à pauta dos costumes, nas quais Francisco também demonstrou um perfil progressista, sobretudo na questão LGBT. Francisco manifestou-se contra a guerra da Ucrânia, usando sua influência de forma diplomática para intervir propondo a paz. Do mesmo modo, preocupou-se com os bombardeios na Faixa de Gaza, enfrentando o problema das guerras e perseguindo a paz.
O novo Papa, Robert Prevost, eleito no Conclave pós-Francisco, nasceu no Estados Unidos da América, tem 69 anos e segue a linha do Papa Francisco, seu antecessor. Pelo que pude coletar na internet, o novo Papa é agostiniano. Foram suas primeiras palavras, ao se pronunciar como Papa eleito: “A paz esteja com todos vocês. Esta é a primeira saudação do Cristo ressuscitado. Eu também gostaria que essa saudação de paz entrasse no coração de vocês”, demonstrando preocupação com as guerras atuais.
O novo Papa deverá dar continuidade às reformas de Francisco, sobretudo, deverá adotar postura diplomática frente à questão geopolítica das guerras de Israel e da Ucrânia. Zapeando pelas redes sociais, sobretudo no X, observei que houve um grande questionamento acerca da nacionalidade do novo Papa. Os usuários católicos questionam sobre o posicionamento do Papa Americano em face das políticas de Donald Trump, atual presidente dos EUA.
Os católicos progressistas, alinhados com o Papa Francisco, manifestam interesse sobre a posição do atual Papa na temática dos costumes. Os católicos de direita lamentam a postura progressista do novo Papa; católicos politicamente mais à esquerda festejam. É interessante observar a politização desse debate nas redes sociais. Muitos usuários devassaram o perfil do novo Papa no X desde o ano de 2011, para conferir os tuítes e a posição do referido usuário em temas políticos. Leão XIV, como escolheu ser chamado, enfrentará grandes desafios no cenário atual da igreja católica. O movimento da política e da imprensa mundiais em torno do velório de Francisco e do conclave para a eleição do novo Papa demonstram a magnitude da influência da igreja católica no mundo. A conferir o novo pontifícado!
Enquanto zapeava as redes sociais em busca de conteúdos sobre poemas modernistas portugueses, além da escolha do novo Papa, também observei o movimento das redes sociais em torno da novela Vale Tudo, da Rede Globo de Televisão. Recordo-me dos comentários sobre a primeira versão da novela, nos anos de 1980. Embora não tenha assistido a novela, tenho memórias sobre a execração pública da personagem Odete Roitman. Um dos grandes nomes no portfólio de vilãs da teledramaturgia, Odete dos anos 80 era adjetivada como uma mulher má, mesquinha, esnobe e arrogante.
Naquela versão, Interpretada por Beatriz Segall, Odete Roitman personificava uma vilã típica, cujo traço principal era o ódio pelo Brasil e exaltação à Europa, além da questão de classe, muito marcada. Na versão atual, interpretada por Débora Bloch, Odete tem apresentado o mesmo perfil da primeira versão da novela. Entretanto, a recepção da personagem na internet tem me trazido muitos questionamentos, a partir do que observei nas redes sociais.
Não assisto a versão atual do folhetim, portanto, não tenho condições de traçar um perfil da personagem. Assisto aos excertos de atuação da personagem, que são compartilhados pelos espectadores. Nos comentários postados junto às cenas da novela, observo uma curiosa adesão à personagem e aos diálogos travados entre ela e outras personagens da trama.
Em uma das cenas, a personagem, ao chegar de Paris, discursa sobre o que pensa serem problemas estruturais recorrentes do Brasil: a gente brasileira e o clima quente. O tom naturalista do discurso da personagem a coloca em uma posição eurocêntrica, tomando o homem e o clima europeus como referência de civilidade e organização, em oposição ao clima e à gente brasileira. A personagem reforça o desprazer em estar no Brasil por força de contingências de trabalho e obrigações familiares. Boa parte dos telespectadores entende como razoáveis as críticas da atriz, reforçando os preconceitos da personagem.
Em outra tomada, a personagem contracena com a irmã e lança críticas sobre um dos filhos, que ela diz ter preparado para assumir os negócios da família em Paris. Em vez disso, o filho opta por viver no Brasil, uma terra menor, segundo a personagem. Em meio à trama para enviar o filho à capital europeia, a personagem tenta subornar a namorada do rapaz, que recusa a oferta de um emprego em Paris, a troco de convencer o sujeito a mudar-se para a capital francesa. Muitos espectadores comentaram sobre essa proposta feita à personagem Solange, noiva do filho de Odete, achando muito razoável a proposta de manipulação e suborno. Reforçam-de os pontos em favor da vilã!
Em uma cena do folhetim, Odete e Solange discutem sobre o Brasil. Odete reforça seu posicionamento com críticas ácidas ao Brasil e à gente brasileira, que considera indolente e inferior ao europeu. No diálogo, a personagem Solange revela ter estudado, graças a uma bolsa de estudos, em uma universidade de elite, ao que Odete retruca, fazendo considerações sobre meritocracia. Os comentários dos espectadores em relação à cena foram bastante favoráveis a Odete.
É de se notar também a contraposição entre Odete e Raquel, personagem interpretada por Thaís Araújo. Raquel é uma mulher simples, que trabalha duro para vencer na vida e que não aceita propostas desonestas. Raquel, durante a trama, se recusa a utilizar um dinheiro de origem escusa, que encontrou entre os pertences do falecido marido. Em alguns momentos da trama, Odete e Raquel contracenam. Odete, curiosamente, obtém mais adesão dos espectadores nos comentários do que Raquel, que é classificada como uma “chata” ,“irritante”, provavelmente pelo rigor do caráter.
Não foram as mocinhas e vilãs da teledramaturgia que mudaram . Foi a internet que mudou a forma de manifestação de pensamento. Antes da internet, as opiniões sobre a dramaturgia seguiam a formalidade das resenhas críticas qualificadas e o termômetro de popularidade dessas tramas era a pontuação da audiência pelo IBOPE. Com o advento da internet, os telespectadores passaram a interagir sem mediações com os conteúdos. No ambiente das redes sociais e em 2025, a reação do publico às tramas televisivas é manifestada sem filtro e em tempo real, informalmente, no ambiente intimista das postagens nas redes, abertas a comentários públicos.
Odete e suas tiradas diretas é qualificada como “sensata” por muitos internautas, que a veem como uma mulher rica e poderosa, que comanda a família e os negócios com punhos de aço. É bastante curiosa a relativização pelo público da vilania de Odete. Há comentaristas que reclamam da polidez e pouca crueldade de Odete, por exemplo, quando, contracenando com a filha Helena, chamou-a de alcoolista, termo mais polido do que alcoólatra. A vilã está bem próxima de seus espectadores, em linha direta! Humana, demasiado humana, Odete vai ganhando simpatia e adesão de seu público, que já manifesta o desejo de que a vilã não morra nesta edição da novela, como ocorreu na primeira edição.
Manuela Dias, escritora dos diálogos do remake de Vale Tudo, tem sido confrontada pelos espectadores da trama na reelaboração de alguns diálogos da primeira versão, como em uma cena em que Odete se pronunciava sobre crimes e penas no Brasil, se dizendo adepta de penas do Talião. Manuela alivia os diálogos de Odete, mas, como em uma arena de gladiadores, o público quer mais crueldade. A internet, definitivamente, modificou o modo de fazer cinema e dramaturgia. O público exige e se posiciona com torça, imponto roteiros e valores. Vale Tudo tem falado muito mais sobre o brasileiro médio do que sobre Odete Roitman.
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