Publicado em: 7 de junho de 2025
Intitulado “O Licenciamento como Instrumento de Credibilidade e Sustentabilidade”, o documento é subscrito pelo diretor-geral, professor doutor Nilson Gabbas, e pelos pesquisadores e pesquisadoras Marlúcia Bonifácio Martins, Ima Guimarães Vieira, Dario Dantas Amaral, Rogério Rosa Silva, Vanja Joice Santos, Marcelo Tabarelli, Márlia Regina Coelho Ferreira, Pedro Glécio Costa Lima, Maria Cândida Barros, Teresa Cristina Sauer de Avila Pires, Amílcar Carvalho Mendes, Cláudia Lopez Garcês, Hein van der Voort, Suzana Primo dos Santos, Sâmia Batista e Silva, José Francisco Berrêdo, Joice Bispo Santos e Lívia Pires do Prado.
Leiam na íntegra:
“O Licenciamento Ambiental é um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e tem por finalidade compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade ambiental e proteção da vida humana.
Ao contrário da propaganda negativa, o licenciamento ambiental não é uma armadilha contra as empresas, mas uma oportunidade singular para que os empreendimentos demonstrem seu compromisso genuíno com a sustentabilidade. Este compromisso é requisito indispensável para o acesso aos mercados internacionais e para a conquista de credibilidade global. Os investimentos, sejam estatais ou privados, necessitam deste lastro de credibilidade para prosperar no cenário econômico contemporâneo. Os moldes pelos quais o Brasil se projeta no mundo não podem prescindir desta base sólida de confiança internacional.
Na Região Amazônica, o licenciamento ambiental tem importância estratégica considerando a relevância global deste bioma para a estabilidade climática planetária. A Resolução CONAMA nº 237/1997 estabelece as diretrizes operacionais do licenciamento, definindo suas modalidades — Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO) — e disciplinando as competências federativas. A normatização assegura atuação coordenada na Amazônia, pois a complexidade dos impactos socioambientais demanda análise técnica rigorosa e independente.
O PL nº 2159/2021 ao flexibilizar as regras do Licenciamento Ambiental ameaça fortemente a região de transição dos biomas Amazônia-Cerrado, onde se concentram as maiores taxas de desmatamento da Amazônia nas últimas décadas, impulsionada pela expansão da fronteira agropecuária e da produção de grãos, principalmente a soja. Formações florestais únicas que ocorrem nesta região, como as florestas estacionais de ecótono, habitats de uma biodiversidade extraordinária de fauna e flora ainda pouco conhecida pela ciência, podem ser extintas.
O alerta dos cientistas sobre a Amazônia
O alerta de cientistas sobre os impactos ambientais que vêm ameaçando os ecossistemas, a biota e as populações da Amazônia são crescentes. O alerta mais preocupante é a possibilidade do sistema amazônico sofrer um colapso em grande escala pela redução da resiliência da floresta ao conjunto de impactos ambientais em curso (aquecimento global, secas extremas, desmatamento, degradação, queimadas). Esses impactos comprometem o valor da floresta enquanto provedora de serviços ecossistêmicos que beneficiam toda cadeia produtiva e afetam imediatamente os pequenos agricultores, indígenas e comunidades tradicionais, que dependem da diversidade de produtos florestais para sobreviver e manter os seus modos de viver.
Os impactos ambientais reduzem as espécies, aumentam a probabilidade de doenças transmitidas por vetores e de pandemias, alteram a abundância de peixes, e comprometem a diversidade nutricional e segurança alimentar de comunidades.
Os impactos ambientais da Amazônia se estendem para regiões vizinhas e cidades distantes – um exemplo é o sistema de chuvas no sudeste da América do Sul, com implicações para a agricultura e os reservatórios de águas das cidades no país. Cientistas alertam, há muito tempo, que zerar o desmatamento e a degradação da Amazônia é um objetivo crucial para estabilizar o sistema climático do Brasil e do ciclo de carbono do mundo, preservando a biodiversidade e garantindo o desenvolvimento sustentável do país.
O PL 2.159/2021 caminha na direção contrária de todos os alertas da Ciência para a sustentabilidade do Brasil e do planeta, bem como aumentará desigualdades sociais no Brasil ao afetar o bem estar de 40 milhões de pessoas que vivem na Amazônia.
A Região Amazônica, a metade do território nacional (49.29%), concentra desafios únicos e o licenciamento ambiental é um instrumento fundamental para a manutenção do equilíbrio ecológico.
A Amazônia mantém um mosaico de diversidade linguística e étnica, a mais alta diversidade de plantas do planeta e, provavelmente, também para a maioria de outros grupos de animais e micro-organismos, considerando os dados sobre biodiversidade disponíveis. Seus ecossistemas abrigam 10-15% da biodiversidade terrestre. As chuvas da Amazônia representam uma importante fonte de água, com imensa descarga de água doce nos oceanos. Áreas protegidas da Amazônia (unidades de conservação e terras indígenas) representam cerca de 27% da área total e estão frequentemente sob ataque de atividades de garimpo, grilagem, caça predatória e outras formas de exploração ilegal. Essas áreas têm importante função de manter valores culturais e sociais dos povos originários, preservando a biodiversidade e sistemas aquáticos e estabilizando o clima regional e continental do Brasil.
Territórios ocupados por populações tradicionais — indígenas, ribeirinhos e quilombolas — são frequentemente impactados por empreendimentos que demandam respostas articuladas e sensíveis às especificidades culturais e ambientais.
O atual modelo de desenvolvimento na Amazônia, marcado por pressões econômicas intensas e vulnerabilidades socioambientais históricas, impõe a necessidade de fortalecer o licenciamento como prática inter-federativa estratégica. A interface entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental evidencia que o crescimento econômico sem planejamento adequado intensifica pressões sobre os ecossistemas amazônicos e compromete a sustentabilidade regional e global.
Análise Crítica do Projeto de Lei nº 2.159/2021:
Implicações para a Amazônia
A proposta de exclusão de diversas atividades do escopo do licenciamento, mesmo quando associadas a impactos relevantes sobre o meio ambiente amazônico, representa um retrocesso significativo. Na Amazônia, onde os ecossistemas apresentam alta sensibilidade e interconexão, atividades aparentemente de baixo impacto podem gerar efeitos cumulativos devastadores. A dispensa de licenciamento para obras de energia elétrica, práticas agropecuárias, dentre outras, contraria diretamente os princípios estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 1/1986, especialmente considerando a fragilidade dos ecossistemas amazônicos.
A proposta de adoção do Licenciamento por Adesão e Compromisso – (LAC) representa o ponto mais crítico da proposta, ao permitir licenças automáticas baseadas exclusivamente na autodeclaração do empreendedor. Na Amazônia, onde a fiscalização já enfrenta limitações logísticas significativas, essa flexibilização compromete fatalmente a capacidade estatal de controlar atividades com potencial de dano ambiental. Essa medida afronta diretamente o princípio da precaução, fundamental para a proteção de biomas sensíveis, e mina a credibilidade internacional do Brasil como guardião da maior floresta tropical do mundo.
O projeto prevê a limitação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) a “situações excepcionais” e isso compromete gravemente o caráter preventivo do licenciamento que gera oportunidade de inovação tecnológica e desenvolvimento de tecnologias sociais adaptativas. Os impactos ambientais podem ter repercussões globais irreversíveis, a análise técnica rigorosa é indispensável.
Ao enfraquecer esses instrumentos, reduz-se drasticamente a capacidade de antecipar impactos sobre a biota amazônica, os recursos hídricos e os serviços ecossistêmicos essenciais à estabilidade climática global. Além disso, reduz a atividade agrícola ou industrial a modelos pré-estabelecidos, desperdiçando a oportunidade de inovação tão importante para o avanço do país como líder em setores econômicos.
O PL propõe prazos de validade de licenças ambientais que se estendem até 10 anos, inclusive para empreendimentos de grande porte.Na Amazônia, onde há a combinação de dinâmicas aceleradas de transformação territorial, mudanças climáticas em curso, lacunas de conhecimento da biodiversidade e de propriedades dos diferentes ecossistemas da Amazônia, essa proposta poderá ter efeitos desastrosos. A ausência de reavaliação periódica fragiliza o acompanhamento de impactos cumulativos e compromete a capacidade de resposta preventiva, em um bioma de importância planetária.
Um ponto muito crítico é a desconsideração dos impactos sobre povos indígenas, comunidades tradicionais e populações ribeirinhas, a falta de salvaguardas específicas para esses grupos, representando um retrocesso incompatível com marcos normativos constitucionais nacionais e internacionais. Estes grupos são fundamentais para a conservação ambiental, a flexibilização proposta no referido PL, compromete tanto os direitos humanos quanto a proteção dos ecossistemas.
A omissão de critérios de adaptação e mitigação climática no licenciamento revela grave lacuna normativa. Considerando o papel central da Amazônia na regulação climática global, esta ausência compromete compromissos internacionais assumidos no Acordo de Paris e impacta negativamente a aceitação de produtos brasileiros em mercados internacionais.
Recomendações e Proposições
O Brasil encontra-se às vésperas de sediar a COP das Mudanças Climáticas, quando pretende protagonizar uma grande articulação mundial pela manutenção da qualidade de vida planetária, através da proposição de criação do Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais (TFFF), que tem a expectativa de captar mais de US$100 bilhões para recompensar países que conseguirem reduzir o desmatamento. Nesse contexto de importantes e estratégicas tratativas para a manutenção da vida no planeta, a aprovação do PL nº 2159/2021 é absolutamente inoportuna, pois retiraria dos empreendimentos brasileiros a oportunidade de confirmar perante o mundo o compromisso real com a sustentabilidade global, minando décadas de construção de credibilidade ambiental do país e o protagonismo conquistado na diplomacia internacional. Esta ameaça legislativa à credibilidade nacional como um dos pilares da sustentabilidade mundial demanda resposta articulada e inteligente.
O Projeto de Lei Nº 2.159/2021 representa ameaça direta à credibilidade nacional e à sustentabilidade da Amazônia. As modificações propostas fragilizam instrumentos fundamentais de proteção ambiental e comprometem a construção de um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável. A flexibilização do licenciamento ambiental, especialmente na Amazônia, enfraquece a capacidade estatal de proteger um patrimônio de importância global e mina a confiança internacional na seriedade dos compromissos ambientais brasileiros.
É preciso agir com inteligência e criatividade para corrigir este equívoco legislativo, fruto de visão restrita e imediatista que não mensura as consequências nefastas para o país e para o mundo. A correção desta proposta é fundamental para: 1) proteger os direitos territoriais e culturais das populações tradicionais amazônicas; 2) assegurar a conservação dos serviços ecossistêmicos essenciais à estabilidade climática; 3) preservar a credibilidade internacional do Brasil como guardião da Amazônia; 4) garantir acesso dos produtos brasileiros aos mercados internacionais cada vez mais exigentes em sustentabilidade; 5) manter a liderança brasileira nas negociações climáticas globais.
É nosso dever como comunidade acadêmica da mais antiga instituição científica na Amazônia esclarecer as consequências do Projeto de Lei Nº 2.159/2021, na tentativa de impedir este retrocesso que compromete tanto a proteção ambiental quanto a credibilidade e a própria sustentabilidade social e econômica do país no cenário internacional.
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Foto: Adriano Gambarini
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