Publicado em: 4 de junho de 2025
O Dia Mundial da Corrida é celebrado na primeira quarta-feira de junho e foi criado com o propósito de incentivar a prática da modalidade como ferramenta de promoção à saúde física e mental. A data faz parte de uma mobilização global para lembrar que o ato de correr, seja por lazer, esporte ou superação pessoal, é um dos gestos mais acessíveis e transformadores para o corpo e para a mente.
O alerta é urgente. Em relatório publicado em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que mais de 400 milhões de pessoas no mundo poderão desenvolver doenças crônicas até 2030 devido ao sedentarismo. A falta de atividade física, aliada a hábitos alimentares inadequados e estilos de vida pouco saudáveis, acende um sinal vermelho sobre os impactos da inatividade. A corrida é, portanto, um excelente caminho para quem quer cuidar da saúde, pois é uma prática simples, democrática e eficaz para enfrentar os desafios da saúde pública e cultivar o bem-estar em todas as idades.
Edgar Augusto Proença é jornalista, radialista, escritor e um dos maiores ícones da cultura parauara. Com uma carreira iniciada ainda na adolescência, nos anos 1960 (começou aos 15 anos como plantonista na lendária PRC-5 – A voz que fala e canta para a planície, antiga Rádio Clube do Pará), sua trajetória se confunde com a própria história da radiodifusão amazônica e é um guardião da memória cultural da Amazônia. Além de notoriamente beatlemaníaco, ele é um corredor empedernido há mais de quatro décadas: “estou com 74 anos e desde os 30 sou corredor de rua. Corredor na área amadorista da coisa. Comecei a atividade para combater o vício do cigarro. Mas, fundamentalmente para melhorar respiração e forma física de um modo geral”.
Edgar relembra com orgulho de sua trajetória esportiva: “progredi e também fiz parte, durante umas seis ou sete vezes, da Corrida do Círio”. Com o passar do tempo, no entanto, resolveu pegar mais leve. “Manerei mais um pouco depois que a idade maior foi chegando”, conta. Ainda assim, a rotina ativa permanece: ele segue percorrendo cinco quilômetros por dia, entre caminhada e corrida. “Sinto-me bem”, garante, com a convicção de quem enfrentou desafios sérios na saúde.

Em 2020, foi diagnosticado com covid-19 e sofreu um infarto, que o levou a colocar sete stents no coração. Apesar do susto, os médicos foram unânimes em apontar um fator decisivo para sua recuperação: os anos de dedicação à corrida e à prática regular de exercícios. “Os médicos creditaram minha sobrevivência e resistência à saúde estimulada pelas corridas e exercícios físicos de um modo geral”, diz. E faz questão de deixar um recado: “Se eu puder aconselhar, aconselho a que todos se cuidem do mesmo modo. É bom, saudável e, sobretudo, necessário.”
Em um ambiente diferente das ruas de Edgar Augusto, a atleta portuguesa Claudia Baião é especialista em trail running, uma modalidade de corrida praticada em trilhos naturais, ou seja, fora do asfalto e do ambiente urbano tradicional. Os percursos podem incluir subidas íngremes, descidas técnicas, cruzamento de riachos, lama, pedras soltas e variações de altitude. Os eventos de trail variam bastante: há desde corridas curtas de 5 a 10 km até ultramaratonas com dezenas ou centenas de quilômetros, passando por provas de sky running, que envolvem altitudes elevadas e trechos de escalada não técnica.
Graduada em Gestão, Cláudia conta sua trajetória das trilhas à seleção nacional de Sky Running “Comecei a correr ainda miúda, num clube de atletismo do meu bairro, mas naquela altura não levava muito a sério”, relembra. O reencontro definitivo com a corrida viria anos depois, em 2011, num grupo criado na academia onde treinava e onde seu marido, Daniel, trabalhava. “Na época, o trail running mal começava a aparecer em Portugal. Criámos uma equipa, começámos a participar em provas e, para nossa surpresa, os resultados vieram logo. Fiz pódios, e isso me deu um ânimo enorme para continuar.”
A ligação com a montanha foi imediata e definitiva. “Sempre fui uma corredora de fora da pista, longe da estrada. A natureza chama por mim, e é nos trilhos que me sinto inteira.” Mas a vida profissional a levou para Lisboa e, com ela, veio o afastamento das competições. “Comecei a treinar menos, a correr menos… e isso me deixou profundamente triste. Faltava-me a corrida, faltava-me a serra.” Durante a gravidez da primeira filha, Cláudia manteve-se ativa, fazendo caminhadas e correndo sempre que podia. “Assim que ela nasceu, voltei às corridas.” Depois, com a chegada do segundo filho, em plena pandemia, seguiu correndo até o oitavo mês. “Percebi que não fazia mais sentido forçar o corpo. Parei por prudência, mas o retorno às trilhas veio de forma natural.”
Após deixar o emprego em Lisboa, decidiu se dedicar integralmente aos filhos e à corrida. “Foi um processo muito bom. Dividia o meu tempo entre os treinos e a família, sempre com o apoio do Daniel.” Voltou às competições, começou pelo circuito de sprint no trail, mas algo dentro dela cresceu: a paixão pelas ultras. “Houve uma vontade muito grande de testar os limites, de correr distâncias acima dos 42km. Fiz provas de 50km e senti-me plena. A minha vida passou a girar em torno dessas corridas de ultra-endurance.” E os desafios só aumentaram: em agosto, Cláudia se prepara para a Transpirineia, uma prova de 200km com 12 mil metros de desnível positivo. “É a minha maior prova até hoje. A montanha pede tudo: técnica, força, concentração. O desnível, positivo e negativo, exige muito, física e mentalmente. Mas é isso que me atrai.”
Em 2023, foi convocada pela seleção portuguesa para representar o país no Campeonato Mundial da Federação de Montanha, na modalidade Sky Running. Agora, trabalha para repetir o feito. “Eu e minhas colegas de equipa estamos focadas em garantir novos bons resultados e voltar à seleção.”

Além de atleta, Cláudia também se tornou multiplicadora de sua paixão. Criou o grupo Covil Runners, em Setúbal, onde vive, formado inicialmente por praticantes de crossfit que descobriram na corrida um novo espaço de felicidade. “Neste clube, há lugar para todos: os rápidos, os lentos, os das curtas e das longas distâncias, da montanha ou da estrada.” O objetivo, conta, é simples: mostrar que correr pode ser para todos e transformar vidas. “A disciplina, a rotina, os objetivos… A corrida dá sentido à minha vida. É o que me levanta da cama todos os dias.”
Os benefícios da corrida vão muito além do controle de peso ou da melhora cardiovascular. “Hoje sabemos que a atividade física regular, como a corrida, reduz drasticamente os riscos de doenças crônicas como hipertensão, diabetes tipo 2, dislipidemia e até certos tipos de câncer. Além disso, faz bem para a saúde mental”, explica o médico e atleta Thales Zajdsznajder.
Segundo ele, o organismo humano foi moldado, ao longo da evolução, para se movimentar. “O sedentarismo, que hoje atinge níveis alarmantes, é um dos maiores fatores de risco modificáveis de morte precoce. Ficar horas sentado, sem atividade física regular, literalmente envelhece os sistemas do corpo mais rápido”, explica. Ele menciona que a Organização Mundial da Saúde recomenda ao menos 150 minutos semanais de atividade física moderada, como meta mínima.
Questionado sobre os limites de idade para começar a correr, Thales é categórico: “não existe idade errada para começar, o que existe é falta de orientação. Com a liberação médica e um plano progressivo, pessoas de qualquer faixa etária podem correr”. Ele também ressalta que a corrida, assim como outras atividades físicas, melhora o humor, o sono e a autonomia física de seus praticantes.
Em seu cotidiano profissional, ele diz observar de forma constante e preocupante os impactos do sedentarismo sobre a saúde da população. “Nos plantões e nas enfermarias, vejo o sedentarismo como um fator silencioso por trás de inúmeros quadros graves.”
Segundo ele, nas emergências hospitalares é comum atender pacientes com crises hipertensivas, dores torácicas, descompensações diabéticas e até infartos. “Boa parte dessas pessoas não faz qualquer atividade física há anos”, afirma. E complementa: “Nem sempre é só genética ou alimentação. A vida sedentária, marcada por horas sentadas, estresse crônico e ausência de movimento, pesa e muito.”
O médico observa que o problema se estende aos pacientes internados, cujas doenças como insuficiência renal, problemas respiratórios, complicações do diabetes ou doenças cardiovasculares muitas vezes poderiam ter sido evitadas ou atenuadas com uma rotina mais ativa. “O sedentarismo piora a recuperação hospitalar. Quem já era inativo chega mais vulnerável, perde massa muscular com rapidez e tem mais risco de complicações como tromboses.”
O exercício físico é o “remédio mais barato, acessível e eficaz” que conhece. “Como médico, posso prescrever medicamentos e acompanhar de perto. Mas nada substitui uma vida ativa. Prevenir ainda é melhor do que remediar e combater o sedentarismo é das melhores prevenções que existem.”
Apesar de seu gosto pessoal por distâncias mais longas, ele enfatiza que não é preciso correr maratonas para ter saúde. “Correr 3 ou 5 km, três vezes por semana, já pode fazer uma enorme diferença. O importante é a regularidade, não a intensidade extrema. O corpo humano foi feito para se mover. Quando não nos movemos, ele adoece.”

Sobre os riscos da prática, Thales faz uma ressalva: “Como qualquer esporte, a corrida requer atenção. Um tênis adequado, acompanhamento de um profissional de educação física e atenção aos sinais do corpo são fundamentais para evitar lesões.” Ele também recomenda exames médicos periódicos, principalmente para iniciantes com histórico de doenças crônicas.
Para o médico, o maior desafio é motivar quem nunca correu a dar os primeiros passos. “A corrida é democrática, barata e acessível. Só precisa de um par de tênis e vontade”.
Força de vontate é o que não falta para a bacharel em Direito e gastróloga Nalva Avertano Rocha, que descobriu na corrida um caminho de reconstrução pessoal. Especialista em uma releitura regional do tradicional bolo de rolo (doce português que ganhou versão amazônica em suas mãos criativas) Nalva hoje celebra outra conquista: a de ter se tornado uma mulher mais forte, equilibrada e cheia de planos, graças à corrida.
“A corrida entrou na minha vida de uma forma profundamente desafiadora, num momento em que tudo parecia estar desmoronando”, revelou. Em 2024, ela perdeu o marido e enfrentou um turbilhão emocional que a fez buscar uma saída. Foi nesse contexto que decidiu entrar numa academia. “Comecei a emagrecer bastante e, em outubro daquele ano, me comprometi de verdade com a musculação”, contou. Aos poucos, a esteira passou a fazer parte da rotina, primeiro com caminhadas, depois com trotes e tiros curtos, sempre com acompanhamento profissional.
A virada definitiva aconteceu em janeiro de 2025. “Uma amiga me convidou para participar da Corrida de Belém. Aceitei o desafio, mesmo sem saber se conseguiria.” A superação veio logo na estreia. Nalva correu 6 quilômetros sem parar e completou os 10 km entre trotes e caminhadas. “Foi uma experiência tão emocionante que me transformou.”

Desde então, ela não parou mais. Corre na esteira, na rua, e já participou de cerca de seis provas. Com uma amiga, estabeleceu a meta de correr ao menos uma vez por mês – e, quando possível, até duas. “Neste mês de junho, estou inscrita na Corrida da Marinha e também na Corrida da Assembleia Paraense, no dia 15”, comemora.
Nalva vê na corrida um processo de cura. “Ela está cuidando do meu corpo, da minha alma e do meu espírito. Nunca fui de praticar atividades físicas, mas hoje entendo a importância desse cuidado como uma forma de amor-próprio.” Questionada sobre suas motivações, ela é direta: “Não corro por um corpo bonito, isso é só uma consequência. Corro pela minha saúde, pelo meu equilíbrio mental e emocional.”
O entusiasmo com que fala da corrida reflete o impacto transformador da prática em sua vida. “A energia das pessoas que correm é simplesmente contagiante”, diz. “A corrida me deu força, clareza e novos sonhos. Hoje posso dizer com orgulho que sou uma nova mulher, cheia de projetos e, principalmente, de superações.”
(Imagem em destaque gerada através de inteligência artificial em homenagem a Edgar Augusto Proença pelo fotógrafo Eder Augusto Proença)
Comentários