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Every single one has an history about Silvio Santos to tell. I got my own.

Em casa, como em quase todas, a TV ficava ligada no SBT domingo final da tarde. Minha história se refere ao quadro Namoro na TV, ou Namoro ou Amizade – não recordo exatamente o nome. Embora sem interesse maior na televisão, conversando sobre assuntos vagos, sempre estávamos, meus pais, minha avó, minha irmã, seu namorado e a Marina, então amiga da família – vocês sabem a quem me refiro. E se não sabem, informo que se trataria, posteriormente, de minha melhor amiga, parceira intelectual e esposa – não necessariamente nessa ordem.

Sílvio Santos não acabava nunca de falar e, de vez em quando, dávamos-lhe atenção.

Meu irmão não estava nunca por lá. Tinha coisa melhor a fazer. Tinha uns treze anos de idade e estava sempre, nesse tempo, jogando bola.

Eu, nunca tinha coisa melhor a fazer. Minha vida intelectual, supostamente produtiva, ocorria de manhã e, no final da tarde, sobretudo aos domingos, eu restava apenas um ser aberto à televisão. Longas tardes de domingo. Ah, sim, eu tinha uma namorada. Mas ela só queria me ver de vez em quando.

Acho que ela tinha coisa melhor para fazer.

Então, sem coisa melhor para fazer, eu ficava vendo o Namoro da TV, ou melhor, Namoro ou Amizade. Sei lá o nome.

Esse programa, pelo que lembro, funcionava assim: a pessoa se oferecia ao namoro enviando uma carta ao SBT. Acaso selecionada, a criatura podia ser escolhida por outras. No palco, batia papo com elas e, acaso houvesse sintonia, ganhava um fim de semana em algum lugar meio paradisíaco para a conhecer melhor. E daí retornavam ao programa para dizer se era “namoro ou amizade”.

E daí surgiu uma ideia mirabolante entre mim e a Marina, a amiga da minha irmã, a amiga mais bonita da minha irmã, a amiga da minha irmã que tinha sido “rainha das rainhas” e que, por alguma razão, tinha grande curiosidade pelos meus embates intelectuais, filosóficos e existenciais (por alguma razão): surgiu a ideia de nos candidatarmos ao Namoro na TV, ou Namoro ou Amizade, sei lá.

O motivo alegado era o de aproveitar o fim de semana em algum lugar meio paradisíaco. Claro que era uma brincadeira. Demos muitas gargalhadas pensando em como iríamos dissimular, frente às câmeras, que não nos conhecíamos. E em como iríamos aproveitar – estritamente como amigos – o fim de semana no tal lugar meio paradisíaco.

Imaginamos a dissimulação de afeto, em como iríamos fingir, em frente às câmeras, que poderia ser namoro, em como esconderíamos a amizade.

Concebemos, a possibilidade, inclusive, de politizar o eventual diálogo com Sílvio Santos falando sobre questões ambientais da Amazônia. Imaginamos muitas possibilidades.

E escrevemos as cartas, uma para ela e outra para mim. Usei de todos os meus talentos literários para convencer Sílvio Santos a nos convocar. Dissimulei uma miséria afetiva que não tinha. Inspirei-me na namorada que não gostava de mim para fazer-me de coitado, de coitado espiritual, dissimulando um romantismo que não fazia parte, de modo algum, de mim.

A carta da Marina, fizêmo-la perfeita, inventando histórias sobre como era difícil lidar com as vicissitudes do belo, da ideia do que seria a beleza feminina e que ela, à despeito do que realmente era, ilustrava, sugeria. Inventamos histórias a respeito dos discursos que a constrangiam a um papel social restrito, pautado por uma percepção mesquinha da dimensão social da mulher…

Minha carta, com uma sinceridade comovente, falava de um rapaz que amava sem ser amado, inventando o personagem de um sujeito sensível (que não era eu; eu acho) que desejava construir uma relação duradoura, permanente, sólida (que a mídia adoraria). A carta da Marina inventava uma pessoa (eu acho) que buscava expressar a vontade de ser amada para além do que diziam a respeito de si.

Bom, não enviamos as cartas. Era brincadeira, era vontade de fazer junto. Era, enfim, uma experiência de ser no mundo comum, no mundo partilhado pelos horizontes comuns, sempre impunes, da televisão.

Ademais, tínhamos apreço à nossa privacidade.

Não obstante, foi incrível a experiência de rir de todas essas possibilidades. Sobretudo porque, então, entre nós, nem havia amizade e nem, muito menos, namoro. Coisas que, desde então passaram a haver. Amizade, sempre, até hoje, pouco a pouco construída.

E, bem tempo depois, o namoro, de repente.

Como disse uma amiga, deu namoro e amizade.

E, a respeito de Sílvio Santos, creio que todos têm, realmente, alguma história a contar. From the King of England to the hounds of Hell.

Fábio Fonseca de Castro
Fábio Fonseca de Castro é professor da Unversidade Federal do Pará e atua nas áreas da sociologia da cultura e do desenvolvimento local. Como Fábio Horácio-Castro é autor do romance O Réptil Melancólico (Editora Record, 2021), prêmio Sesc de Literatura.

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