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O Oscar 2022, como grande prêmio da indústria cinematográfica americana, chama atenção para as adaptações literárias que concorrem à categoria de melhor filme: “Duna”, direção de Denis Villeneuve (com base na obra literária de Frank Herbert); “Ataque dos cães”, da neozelandesa Jane Campion (para o romance “O poder do cão”, de Thomas Savage); “Drive my car”, do japonês Ryusike Hamaguchi (do livro “Homem sem mulheres”, de Haruki Murakami); e “O beco do pesadelo”, de Guillermo del Toro (adaptação de “Nightmare Valley”, de William Grisham). Na categoria de roteiro original, o destaque fica com “Licorice Pizza”, escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson.

Literatura e Cinema marcam a história da sétima arte desde o nascimento das imagens em movimento, o que é saudável quando as linguagens são autônomas, libertas e se complementam, sem cobranças sobre a suposta superioridade de uma sobre outra.

Em “Ataque dos cães”, o processo de adaptação de Jane Campion respeita as nuances e o clima de mistério da obra original, atualizando o gênero western com novas motivações para os conflitos gerados no ano de 1925 na região de Montana, oeste dos Estados Unidos. São jogos masculinos de poder em grandes espaços abertos como lugares hostis, que revelam interditos em tons sombrios devidamente pavimentados pela trilha sonora de John Greenwood.  

“Duna”, sob a direção do canadense Denis Villeneuve, consegue recriar a atmosfera mágica presente no volumoso texto original de John Herbert a partir da narrativa épica e efeitos visuais sem exageros no jogo de traição e poder no deserto de Arrakis.

Independente da indicação de melhor filme, “Drive my car” também concorre na categoria de melhor filme internacional e é só um exemplo do plural Novo Cinema Japonês. O filme de Ryusike Hamaguchi está no páreo com novas produções da Itália (A mão de Deus), Dinamarca (Flee), Butão (A felicidade das pequenas coisas) e Noruega (A pior pessoa do mundo). Do ponto de vista artístico, a categoria de melhor filme internacional oferece visibilidade ao cinema que está sendo realizado no mundo, uma forma de concessão da indústria hegemônica aos países eleitos pelos votantes da Academia de Hollywood (muito aquém da vitrine internacional proporcionada pelos festivais de Cannes, Veneza e Berlim). “Drive my car” é um projeto ousado pela opção de narrar uma história utilizando o recurso da metalinguagem (cinema, teatro, roteiro para TV) a partir de ponto de vista de um dramaturgo na adaptação multilíngue (japonês, inglês, mandarim, linguagem coreana de sinais) de “Tio Vania”, de Anton Tchekhov. O cenário é a nova Hiroshima numa trama de amores, dores, estradas e cigarros. Belo filme.

O cinema de Paul Thomas Anderson marca presença com “Licorice Pizza”, um tributo ao primeiro amor no duro adolescer do personagem Gary Valentine (Cooper Hoffman) e o sentimento que nutre por Alana Kane (Alana Haim). Hoje, estudos apontam e legitimam o valor literário dos roteiros originais para cinema, como é o caso do mais novo trabalho de P. T. Anderson. No filme, temos a urgência da juventude em vários episódios bem costurados para narrar as aventuras e desventuras do amor platônico que desafia a diferença de idade entre jovens. A complexidade de sentimentos (afeto, ciúme, decepções) é contada como um romance de formação na ensolarada Califórnia (em San Fernando Valley) nos anos de 1970, com referências à crise do petróleo, os meandros da política, rock and roll e o jovem empreendedorismo numa sociedade que o capital circula em ciclos altos e baixos. “Licorice Pizza” é leve, nostálgico e irresistivelmente romântico.

“O beco do pesadelo” é um exercício de estilo que presta homenagem ao cinema noir: filmes realizados nos EUA entre 1939 a 1950, geralmente com temáticas policiais em cenários sombrosos e influências do expressionismo alemão, do realismo poético francês e do neorrealismo italiano. Mais uma vez a metalinguagem se faz presente em tela grande, onde se pode fruir detalhes da elaborada fotografia de Dan Laustsen na recriação de beleza e tragédia num inverno sem fim. No filme, estão presentes os elementos que fazem parte da cinematografia noir: a mulher fatal, o protagonista de caráter duvidoso e o roteiro adaptado com resoluções ambíguas (o moralismo do crime e castigo e a solução imoral que poupa arquétipos em pactos de sangue e dinheiro no circo dos horrores).

Outros concorrentes na categoria de melhor filme foram indicados para compor a edição do Oscar 2022, pois pouco acrescentam ao cinema como forma de arte ou inovam como entretenimento. E assim temos o requentado melodrama de superação que em breve poderá ser exibido nas sessões da tarde da vida: “No ritmo do coração”, de Sian Heder; e “King Richard – criando campeãs”, de Reinaldo Green. Há também a sátira política e alfinetadas à mídia em “Não olhe para cima”, de Adam McKay; a sensação de que refilmagem que nada acrescenta ao original é inevitavelmente datada em “Amor, sublime amor”, de Steven Spielberg; e a certeza de que uma boa fotografia em preto e branco (de Haris Zambarloukos) não salva o roteiro esquemático e simplório de “Belfast”, de Kenneth Branagh.

Em tempo – a torcida brasileira aposta todas as fichas na indicação de “Onde eu moro”, do carioca Pedro Kos e Jon Shenk. O filme concorre como documentário em curta-metragem e retrata a vida de pessoas sem teto em cidades como Los Angeles e São Francisco.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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