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Prepare-se para um espetáculo de som, luzes e cores deslumbrantes com a exibição de “Pobres Criaturas”, do cineasta grego Yorgos Lanthimos. O filme segue em exibição no circuito comercial, com a performance incrível de Emma Stone e o estado de graça que tomou contou das interpretações de Mark Ruffalo e Willem Dafoe.

O filme é uma odisseia sobre tema do autoconhecimento, morte, renascimento, a dor e a delícia de estar vivo. É o cinema como arte total que aborda o enfrentamento contínuo às armadilhas de controle sobre o corpo, das mentes e emoções de quem voltou ao mundo por meio das extravagantes experiências de reanimação dos mortos, o que remete imediatamente ao clássico literário “Frankenstein” (de Mary Shelley) e ao filme “A Noiva de Frankenstein” (de James Whale). Porém, as referências ficam por aqui.

Em “Pobres Criaturas”, a concepção do filme está mais próxima do conceito de arte total, a começar pela adaptação literária para o texto original de Alasdair Gray (com acréscimos e exclusões) que envolve o espectador com o gênero de cinema de fantasia científica, direção de arte surrealista e retrofuturista (ver as cenas ambientadas na cidade de Lisboa) e uma série de imagens da arte produzida na era vitoriana (romantismo, neoclassicismo, realismo, neogótico).

Com direção de arte primorosa à disposição para a liberdade criativa de Lanthimos e o roteiro escrito por Tony McNamara, o filme discorre sobre os obstáculos percorridos por Bella Baxter (Emma Stone) na jornada de autodescoberta a partir da implantação da mente de uma criança que nada entende das normas e crenças do processo civilizatório no Ocidente.  

Bella enfrenta a estrutura social em três instâncias masculinas, no sentido de controle sobre sua existência: o de seu criador, o Dr. Godwin “God” Baxter (Willen Dafoe); Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) e o ex-marido de Bella, o general Blessington (Cristopher Abbott), que insiste na subordinação feminina que levou sua esposa a um fim trágico. A volta de Bella ao matrimônio, pelas leis impostas, se dá no momento crucial em que a protagonista busca novas conquistas, a exemplo do Império Britânico em expansão.

Há também o preço alto cobrado pela conquista da liberdade nas ruas frias de Paris com a prática da prostituição comandada pela pérfida Madame Swiney (Kathryn Hunter),  experimentação de novos sentidos de prazer com a parceira negra e militante Toinette (Suzy Bemba) e a presença seminal dos viajantes Marta Von Kurtzroc  (Hanna Schygulla) e  Harry Astley (Jerrod Carmichael), que, por meio de livros, expandem o universo das ideias sobre o mundo e as pessoas (ver o choque de realidade em Alexandria).

O cinema de Yorgos Lantyhimos chama atenção dos cinéfilos em filmes como “Dente Canino” (2009), “O Lagosta” (2015), “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) e “A Favorita” (2018), que rendeu à Olivia Colman o Oscar de melhor atriz.

Esse ano, o espetáculo polifônico de Yorgos Lanthimos em “Pobres Criaturas” recebeu 11 indicações ao Oscar 2024: filme, atriz, ator coadjuvante, direção, trilha sonora original, fotografia, roteiro adaptado, figurino, direção de arte, maquiagem e penteados, e montagem.

Filme imperdível, que vale ser visto e revisto pela beleza e o manancial de informações artísticas na composição em cada quadro desta obra de arte cinematográfica.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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