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A obra de arte, enquanto produto acabado e disponível para o consumo através dos tempos, já chega pronta, lapidada e o público que não tem acesso ao processo dos grandes produtos culturais, em sua maioria, desconhece as etapas, os desafios e dores do processo criativo.

É o caso do documentário musical “Elis & Tom – Só tinha que ser com você”, que está sendo exibido no circuito comercial depois de ter brilhado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no Festival In-Edit Brasil.

O filme traz imagens já conhecidas e material inédito captado e dirigido pelos realizadores Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay durante a gravação de um dos mais sofisticados registros da história da Música Popular Brasileira: o álbum “Elis & Tom”, gravado nos Estados Unidos em 1974.

Realizado como uma celebração aos 10 anos de carreira da cantora Elis Regina (1945-1982), tendo como convidado o maestro e compositor Antônio Carlos Jobim (1927-1994), o filme é um deleite para os fãs de cinema e música, pelo registro dos conflitos e entrega total ao ofício artístico e também vale como como documento histórico de um período jamais igualável na história da MPB: a riqueza, variedade e qualidade da música brasileira produzida na década de 1970.

As tensões durante a gravação, as oposições de interesses e egos desafiados revelam uma face dura de um projeto em que Tom Jobim, a princípio, seria o convidado para a celebração de um disco de uma cantora de visibilidade nacional e internacional.

O poder do filme documental traz à tona a irritabilidade e agressividade do maestro Tom Jobim com o arranjador musical, pianista e compositor César Camargo Mariano, que teve a paciência de um santo para suportar humilhações como parte das intempéries no decorrer das gravações do álbum.

Elis Regina, na época, já era reconhecida como uma das maiores do mundo, famosa por seu temperamento instável e perfeccionismo absoluto.

A ruptura César & Elis X Tom quase suspende a criação do disco icônico, salvo pelo esforço de profissionais envolvidos diretamente no projeto e a vontade imperiosa de concluir o disco. É o momento em que os talentos se reconhecem e somam qualidades para produzir canções eternas como “Fotografia”, “Chovendo na roseira”, “Águas de março”, “Inútil paisagem”, “Retrato em branco e preto”, “Pois é”, entre outras.

Elis Regina e sua filha, Maria Rita, recentemente protagonizaram discussões sobre o uso da inteligência artificial em vídeo de campanha da Volkswagen. Entre prós e contras, no mesmo período em que a publicidade foi lançada (mês de julho), as páginas na internet e canais digitais de acesso ao legado de Elis Regina atingiram visitas de milhões de usuários.

Tanto o documentário como a peça publicitária acabam por apontar em direção aos novos públicos, com foco na visibilidade do talento de Elis para as novas gerações. Ao final da sessão de “Elis & Tom – Só tinha que ser com você”, o que fica é uma sensação de epifania, um vento energizado que se apossou dos sentidos ao apresentar um momento, uma fase da carreira espetacular da cantora Elis Regina.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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