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O cinema do incansável Martin Scorsese está em cartaz com “Assassinos da Lua das Flores”, provável candidato ao Oscar 2024 nas mais cobiçadas categorias (filme, direção, atores, roteiro).

O cinema de Scorsese é marcado pela estética de imagens violentas que denotam a crueldade utilizada pelo chamado processo civilizatório, em particular à história moderna e contemporânea dos Estados Unidos da América.  É o cinema clássico capaz de narrar ascensão e queda de personagens falhos e anti-heróis sem garantias de redenção.  

Em “Assassinos da Lua das Flores”, a direção favorece as performances de Leonardo DiCaprio, Robert De Niro e Lily Gladstone para o recorte histórico dos assassinatos registrados a partir de circunstâncias misteriosas na década de 1920, que eliminaram os membros da tribo Osage pelos interesses de ocupação gradual das terras indígenas ricas em exploração de petróleo.

O filme segue a tendência do diretor ítalo-americano em conceber filmes de metragem cada vez mais longa (3 horas e 26 minutos de duração), procedimento também utilizado pelo diretor James Cameron em “Avatar: O Caminho da Água” (3 horas e 12 minutos) e pelo premiado cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi em “Drive my Car” (2 horas e 58 minutos), entre outros realizadores de diversas nacionalidades e estilos.

É o cinema que desafia a resistência e fruição continuada do espectador, do cinéfilo, do crítico e pesquisador da arte em movimento em tempos de tecnologia disponível e o acesso rápido de TikTok, Reels, Istagram e outros dispositivos sedutores da era digital.

No caso específico de “Assassinos da Lua das Flores”, a discussão sobre a expansão do tempo narrativo se torna secundária a partir da constatação que estamos diante de uma obra cinematográfica sob o controle do mestre das narrativas que exploram o tema do lobo do lobo do homem, na apresentação e desenvolvimento de vários grupos de personagens.  

No filme, os personagens circulam ao longo de uma trama elaborada em que procedimentos técnicos e temáticos se confrontam num eficaz exemplo de resolução a partir do volumoso roteiro de adaptação literária (o filme tem como base o texto original de David Gramm).

O cinema de Martin Scorsese tem como foco os conflitos de classe e a banalidade do mal. Traz à tona a ressaca, a rebarba do sonho americano e a neurose metropolitana num ritmo pulsante que remete às apostas bem sucedidas da indústria cultural em jovens cineastas que renovaram o olhar sobre a América.

Scorsese faz parte da Nova Hollywood, movimento que renovou a produção técnica e estética da indústria cinematográfica na década de 1970, após crise econômica e de paradigmas na primeira metade dos anos 1960 e o avanço das poderosas empresas de televisão. Ao lado de Scorcese estavam Brian De Palma, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, entre outros.

A renovação aos cânones de produção de filmes estava lá, em plena contracultura como cenário dos primeiros trabalhos do realizador: “Quem bate à minha porta?” (1968, com Harvey Keitel), “Sexy e Marginal” (1972), “Caminhos Perigosos” (1973) e “Alice não mora mais aqui” (1974).

Em seguida, um time de clássicos invade as telas: “Taxi Driver – Motorista de Táxi” (1976), o musical “New York, New York” (1977), “Touro Indomável” (1980) e o pouco visto e pouco comentado “O Rei da Comédia” (1983).

Para fechar os anos 80, temos a comédia sombria em “Depois de Horas” (1985), “A Cor do Dinheiro” (1986) e o polêmico “A Última Tentação de Cristo” (1998), com a trilha sonora de Peter Gabriel.

Nos anos 90, o realizador lança novas luzes sobre amizade, traição e morte em “Os Bons Companheiros”. É também o tempo de explorar novas vertentes, como o exercício de estilo em “Cabo do Medo” (1991); o luxo como cenário de formas sutis e veladas na prática da violência em “A Época da Inocência” (1993); a casa de jogos como império econômico em “Cassino” (1995); o belo e espirituoso “Kundun” (1997) e o drama dos paramédicos em “Vivendo no Limite” (1999).

A parceria com Leonardo DiCaprio proporcionou a realização de filmes como “Gangues de Nova Iorque” (2002), a cinebiografia de Howard Hughes em “O Aviador” (2004), o filme policial “Os Infiltrados” (2006) e outro exercício de estilo, agora sobre fobias e desajuste mental em “A Ilha do Medo” (2010).

Depois, um filme atípico para a carreira do diretor: “A Invenção de Hugo Cabret” (2010); a ode à fé cristã em “Silêncio” (2016), as lentes que se voltam aos sobressaltos e fraudes no agitado “O Lobo de Wall Street” (2013) e a volta ao submundo do crime em “O Irlandês” (2019).

Há também o Martin Scorsese dos documentários musicais sobre Rolling Stones, Bob Dylan, The Band e dos documentos visuais apaixonados em jornadas pelo cinema americano e cinema italiano.

A exibição de “Assassinos da Lua das Flores” confirma a ida ao cinema como acontecimento cultural num ano em que a interrupção das sessões regulares de espaços do circuito alternativo deixou a programação de filmes num estado desolador.

Esperamos que novos ventos tragam de volta a regularidade como opção para as demandas da pauta cultural na cidade.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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