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Um dos melhores filmes nacionais na temporada 2022, “A Viagem de Pedro” passou rapidamente pelo circuito alternativo com baixa frequência de público, mesmo com o apelo e protagonismo de Cauã Reymond, que também assume a produção do filme.

No ano em que se comemora o bicentenário da independência do Brasil, o filme dirigido por Laís Bodanzky se alinha a outro projeto radical na confluência de idiomas como relações explícitas de poder no Brasil Império: a série “IndependênciaS”, de Luiz Fernando Carvalho, ora em exibição na TV aberta.

A proposta cinematográfica de Bodanzky remete ao ano de 1831, momento em que o imperador do Brasil volta à Europa na fragata inglesa Warspite. Felizmente, estamos distantes da abordagem esquemática presente nas produções espetaculares sobre o projeto de independência do Brasil e a romantização da família monárquica (procedimentos repetitivos observados na maioria de filmes, séries e telenovelas sobre o tema).

Em “A Viagem de Pedro”, o foco central é um imperador considerado traidor na terra onde nasceu e regente impopular na terra em que escolheu viver. Com cenário, um navio como uma babel de línguas e costumes em tensas relações de poder. São extratos sociais bem definidos e compostos por escravos, marítimos, serviçais, membros da corte portuguesa e negros recém-libertos num mar de sotaques e relações políticas tensas.

Destaque para as cenas em que as pessoas confinadas ao porão do navio conversam sobre o passado, suas culturas e a ideia sobre a tal nobreza. E a desajeitada tentativa imperial de se aproximar das classes subalternas exigindo que um tripulante negro se faça de engraçado e o desfecho súbito e trágico dessa sequência.  

A instabilidade, atribuída ao excesso ou falta de poder político sobre terras e pessoas, faz da viagem de Pedro uma tormenta sem fim (ver a escuridão do barco e tom claustrofóbico da narrativa). Gritos, delírios e a sequência final que mais parece um grande pesadelo, refletem a solidão do poder instável e perda do controle do próprio corpo, acossado por suspeita de doença sexualmente transmissível e disfunção sexual física ou psicológica.

Laís Bodanzky descontrói dois mitos da cultura afirmativa: o da independência de fato e de direito do estado brasileiro (o estado como refém dos acontecimentos políticos internos e externos) e a fragilidade da masculinidade prepotente ao se deparar com pressões de todos os lados e as consequências na vida privada.  

A cineasta já imprimiu seu nome da história do cinema brasileiro com os filmes: “Bicho de sete cabeças” (2001), “Chega de saudade” (2008), “As melhores coisas do mundo” (2010) e “Como nossos pais” (2017).

“A Viagem de Pedro” (2021) foi o grande vencedor na categoria melhor filme da América, no Septimus Award (na Holanda). Na edição 2021 do Festival do Rio, o filme foi premiado com a melhor direção de filme de ficção.  O filme está disponível em plataforma de streaming.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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