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O tempo é o mais poderoso componente da natureza e uma das realidades mais penosas na passagem do ser humano por este mundo. Pensei muito sobre essa inevitável ferramenta divina, que rege todos nós, num dia de verão, enquanto curtia um fim de semana com a família no balneário de Alter do Chão.

A dura prova que me fez refletir a esse respeito, aconteceu no segundo dia, quando resolvi, por pura falta de bom senso, atravessar a nado o pequeno braço do Tapajós que divide a vila formosa da ponta de areia onde se concentram as barracas de venda de comida. Quem algum dia já teve a ventura de conhecer Alter do Chão, sabe do que estou falando. Quem nunca passou por lá, é bom fazer logo esse “sacrifício” antes que os esgotos a transformem na mesma doença incurável que há muito tomou conta da orla de Santarém.

A bem da verdade, tudo ali era nada que eu não conhecesse como a palma de todos os meus instintos, desde tempos idos da década de 1950, em que visitei o lugar pela primeira vez, num barco do meu tio Zeca BBC. Ribeirinho criado nas barrancas do Paraná da Dona Rosa, eu já nadava como um peixe quando cheguei a Santarém, em 1958, onde passei seis privilegiados anos, estudando e me preparando para as batalhas da vida, no espetacular Colégio Dom Amando.

Sem dúvida, aquele período vivido às margens do Tapajós foi como um presente para o meu período de adolescente, dos 10 aos 15 anos, em plena flor da idade e da molecagem irresponsável. Não demorei a me tornar íntimo daquelas águas cristalinas, dos seus estirões infindáveis de belas praias encantadas, de labirintos, piracaias e atalhos que não tinham mais segredos. Todos os dias eram de infalíveis banhos no rio. Eu e meus primos nadávamos naquelas paragens, como se diz, de braçada. Um deles, o Jorge, de tanto nunca sair d´água, ficou marcado pela alcunha de Jorge Peixe, que ele continua carregando com sucesso pela vida afora.

Nossa ligação com aquele Tapajós lindo era uma coisa muito forte, fossem em passeios dominicais pelas praias (a Maria José era nossa preferida) ou nos banhos no antigo trapichinho do Bar Mascote, que deixou de existir quando aterraram a praia da frente para construir aquela praça. Sem esquecer de lembrar o tradicional banho vespertino no minúsculo cais de pedra que passava rente à porta do velho Vidal Bemerguy e da vistosa casa verde do seu Joaquim Pereira. Lá, numa algazarra animada pela brincadeira do homem rã, todas as tardes nós nos juntávamos às pessoas que apareciam munidas de puçás, com a finalidade de garantir lugar na fila para a captura do aviú. Parte dessas doces lembranças eu já contei em Catalinas e Casarões, uma das minhas aventuras literárias.

Mas voltemos ao nosso passeio de Alter do Chão. No primeiro dia, meu genro, um jovem oficial do exército na plenitude da sua condição física, ao invés de entrar na catraia para atravessar o estreito, resolveu vencer aquele braço de rio a nado e o fez com tamanha facilidade que me deixou quase morto de inveja. Pensando no menino que eu fui um dia naquelas águas, ainda ameacei segui-lo, mas sua jovem esposa, minha filha e zelosa médica de todas as horas, me impediu a arriscada travessura.

– Pai, vê se não inventa moda! – ela disse em tom de ralho.

Tratei de obedecer, pois os quarenta anos de casado com a mãe dela, me ensinaram, faz tempo, que não devemos discutir com nossas mulheres. Porém, no dia seguinte, teimoso como um moleque mimado, cometi o erro de deixar de lado os apelos da filha e da mulher para encarar a travessia. Entrei na água e fui indo, mas com menos de um terço da viagem, comecei a sentir um estranho peso nas pernas que me puxava pro fundo. Era uma perversa câimbra, ou não, sei lá. Aí se apoderou de mim uma dose de medo que ia me fazendo quase perder o controle, não fosse ter encontrado na minha frente uma longa e bendita estaca de amarrar canoa, na qual segurei firme para ganhar forças antes de voltar humilhado ao ponto de origem.

Foi um alívio sentir meu pé tocando na areia do fundo e assim continuei andando até chegar no seco. Na beirada tinha um velho catraieiro que limpava sua canoa de sobrevivência e, ao me ver ainda ofegante, logo percebeu todo o pavor que tinha me atingido.
– Cansou, chefe?
– Nem tanto, foi só uma câimbra – menti.
– Fez bem de voltar, não parece, mas aí no meio tem uma correnteza que arrasta a gente – ele disse.
– É, acho que o senhor tem muita razão.
– Mas o pior mesmo – continuou o velho – é essa tal de câimbra. Tempos atrás um homem tentou atravessar aqui e sumiu no perau. O corpo só apareceu inchado uns três dias depois.
Por fim, me deu um sábio conselho:
– Chefe, câimbra dá em qualquer idade, melhor mesmo é o senhor não tirar o pé da areia…
E foi o que eu fiz até o dia do retorno. Pé sempre na areia, uma caipirinha aqui, uma cervejinha ali e, claro, algumas saborosas costelas de pirapitinga para celebrar a boa vida.

Ademar Ayres Amaral
Engenheiro e Escritor.

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